Integra

Introdução

Ao longo de minha atuação como professora de Educação Física escolar no ensino fundamental, uma questão relevante para mim era:

"Como fazer, em minhas aulas de Educação Física, para contribuir com uma formação diferente para os alunos?" Outra questão: "Em que se diferenciava tal formação?". Em meu trabalho, buscava respostas para essas questões, muito mais para satisfazer as necessidades de minha prática.

Problemática

Ao delinear o problema deste projeto/estudo, busco ter em conta as seguintes premissas: a) todo processo de ensino-aprendizagem implica (implícita ou explicitamente) a transmissão de valores; b) os valores transmitidos nesse processo dependem, dentre outros fatores, das concepções política e pedagógica do professor; c) o trabalho docente na escola, onde se desenvolve o processo de ensino-aprendizagem, é influenciado pelas condições socioeconômicas e político-culturais do contexto (micro e macroestrutural) em que tal trabalho se desenvolve.

Estabeleço como questão central deste estudo, a pergunta: Como trabalho os valores em minhas aulas?

Justificativa

Como professora de E. F. do ensino fundamental atuava ainda de um modo bastante difuso na busca de respostas para questões sobre a relação dos valores nas aulas de E. F. Fui percebendo que, nessa disciplina, dentro de uma determinada concepção, sempre se passavam para os alunos determinados valores. Assim, por exemplo, em uma perspectiva mais orientada para o laissez-faire, os alunos se organizavam de um modo que apenas os líderes tinham voz para eleger as atividades e privilegiavam a participação daqueles que tinham mais habilidades motrizes. O futebol, quase sempre, era a atividade elegida. Sendo assim, só os mais habilidosos tinham oportunidade de jogar.

O trabalho de Bracht (1992, p110-111) contribuiu de modo significativo para desvelar como a Educação Física escolar, ao privilegiar, por exemplo, o conteúdo esportivo, transmitia determinados valores. Esse autor afirma que:

"Se por um lado o individualismo resultante da comparação de performances, a competição desmedida, o respeito irrefletido às regras, são valores de nossa sociedade que são reforçados pelo esporte e, consequentemente, pelo esporte escolar, acreditamos ser possível, por um lado, reorientar esse ensino e esse esporte no sentido do desenvolvimento do coletivismo (entendido como a ação pessoal comprometida prioritariamente com o bem comum), do desenvolvimento da consciência da relatividade das normas e da possibilidade de sobre elas agir, e de reorientar a competição esportiva destituindo-a da finalidade precípua de indicar a supremacia de uns sobre os outros (discriminar melhores dos piores) através da análise crítica do significado da competição. Porém, se nisso acreditamos e mesmo, se nisso depositamos nossas esperanças educacionais, estamos conscientes também, das limitações impostas pela ordem social vigente, para a efetivação de tal proposta".

Os documentos dos PCNs do "tema transversal" Ética me ajudaram a visualizar e compreender meus alunos em minha prática pedagógica de E. F. Passei a perceber o quanto se ressaltavam, nas relações estabelecidas nas minhas aulas, valores individuais, egocêntricos, narcisistas, de competição, de vencer a qualquer preço, de realizar performances para ser o melhor. As atividades, mesmo contra meu desejo e intenção, tomavam um rumo tenso de disputa e/ou de comparação entre os alunos.

Para superar esse quadro, busquei trabalhar com atividades que não demandassem estes elementos (disputa e comparação). O lúdico (HUIZINGA, 1990) ganha destaque em meu trabalho e os jogos colaborativos (BROTTO, 1997). Gradualmente, vou fazendo com que meus alunos compreendam que, nas aulas de E. F., não são realizadas apenas atividades práticas, que existe também um momento de reflexão. Com isso, vou entendendo que a teoria e a prática formam uma unidade indissociável.

Estudar o tema buscando entender que papel exerce os valores na planificação da (e na) prática pedagógica de E. F. pode ajudar a compreender que valores são considerados; se há algum valor mais destacado que outros e por quê; e as dificuldades e limitações que os professores encontram na hora de trabalhar esses valores nas suas aulas. Essas questões ajudam a compreender melhor a relação entre E. F. e valores.

Bracht (1992, p. 74), em seu estudo "Educação Física escolar como campo de vivência social", afirma que:
"O educador na sua prática, quer queira quer não, é um veiculador de valores. É neste sentido que reside a vinculação da forma de ensino com o seu conteúdo. A socialização do indivíduo ou da criança se dá exatamente através da internalização de valores e de normas de conduta da sociedade a que pertence. A escola é uma das instituições que promove tal socialização. Portanto, o fenômemo da socialização ou a aprendizagem do social também ocorre nas aulas de E. F., sendo inclusive enfatizada como importante função pela pedagogia desportiva ou da E. F. Por conseguinte, existe a necessidade de aprofundarmo-nos nesta questão".

Valores

Buscar o significado para a palavra valor é algo muito complexo, dentro do âmbito das ciências sociais ou da própria filosofia, pois, fazendo um recorrido pelos diversos estudos da temática, não se encontra uma definição em que todos estejam de acordo. O único item em que parece haver concordância é que um valor representa algo de muita importância para a existência da humanidade (RATHS; HARMIN; SIMON, 1967).

A temática "Educação em valores", não se constitui algo novo, inclusive porque educação escolar sempre foi e é, explícita ou implícitamente, transmissora de valores.

Em relação à temática "Educação e valores", creio que é pertinente destacar as palavras de Cardús (2001, p. 228), que insiste na idéia de que sempre há educação em valores, sejamos conscientes disso ou não.

"Os valores não se ensinam, apenas que se educa em e com eles. Sejamos ou não conscientes deles, os pais e os professores sempre educam em valores determinados. É impossível evitá-lo. Por isso afirmo que não existe crise de valores, porque estes subjacem em todos os nossos atos. Nem sequer será possível transmitir conhecimentos sem implicar em valores. Os bons professores, sejam de física, química ou de filosofía, educam em alguns valores determinados; os maus professores, sejam de física, química ou de filosofía, educam em outros valores distintos. Por outra parte, recordo que a adesão a alguns de meus ideais de juventude se acrescentou com a educação em valores contrários de certo professor. Ou seja, é possível educar alguns comportamentos e seus valores correspondentes também por reação, não apenas por adesão" (tradução minha).

Não significa que eu entenda que pela via da educação escolar consigamos resolver todos os problemas que afetam as relações humanas ou que por meio da educação consigamos uma regeneração coletiva ao tratar do tema dos valores na escola. Entretanto a escola com sua tarefa formadora devem propor e estabelecer pautas que contemplem a discussão e a reflexão do tema dos valores para que os alunos e alunas possam compreender quais são os valores que orientam as decisões que tomamos e suas possíveis conseqüências. Isto não significa pensar em converter o tema da Educação em valores em uma disciplina específica para educar valores.

Comparto com Salvador Cardús, com a idéia de que a educação em valores quando os profissionais trabalham fomentando e facilitando dentro do espaço escolar determinado processos, atitudes e ações:

"Uma educação em e com valores não conduz ao adotrinamento de horas fixas, e sim a reflexão e ao diálogo permanente, isto é, ao contraste de pareceres. E a reflexividade também se educa como parte destas atitudes básicas que se transmitem como um modo de atuar que, se tudo vai bem, acaba convertendo-se em um modo de ser. Por tanto, se educa em e com valores quando praticamos, analisamos situações e decisões concretas. Os valores não são declarações de princípios, mas sim que formam parte das estrategias que seguimos em uma situação determinada. Também educamos em e com valores quando fomentamos a tomada de consciência moral sobre nossas responsabilidades em relação com os feitos dos quais somos, por assim dizer, diretamente culpado (cada vez existe menos gente que se sinta culpado de nada). Também educamos em e com valores quando fomentamos a tomada de consciência moral em relação com as responsabilidades coletivas derivadas de situações injustas ou abusivas, das quais não somos culpados, mas que participamos de maneira inconsciente, por bem ou a força" (Cardús, 2001, p.230, tradução minha).
Valores na "quadra"

Miquel Martínez Martín, estudioso da temática Educação Física e dos valores, no prólogo do livro "Educação física e valores: educando em um mundo complexo" (CARRANZA Y MORA, 2003, p. 7), comenta sobre a constituição da Educação Física escolar como importante espaço de socialização, afirmando:

"A atividade humana se organiza e desenvolve em diferentes espaços e momentos, através dos quais aprendemos a ser e a estar em sociedade. Um deles, sem lugar de dúvidas, a atividade lúdica, e concretamente dentro do currículo escolar, a E. F. A prática físico-desportiva supõe uma forma de atividade humana que se rege ao uníssono por critérios de autonomía e de interdepêndencia. Em outras palavras, é uma forma de aprendizagem autónoma e, ao mesmo tempo, de aprendizagm guiada difícil de identificar em outros contextos da atividade lúdica humana. Assim mesmo, é um excelente cenário no qual aprendemos a ‘construir-nos’ e relacionar-nos éticamente.

Classicamente, se considera que o esporte e a atividade física sistemática são bons espaços para a prática de valores que, como ideais, deveriam governar nossas formas de ser e conviver em comunidade" (tradução minha).

Entendo que a relevância do estudo reside justamente em conhecer e compreender o modo como os professores de Educação Física trabalham com a questão dos valores como conteúdo. Quais são suas referências, suas experiências, as possibilidades que encontram e os limites da dinâmica escolar para desenvolver tal tema em sua disciplina, em fim como tratam em seu cotidiano escolar a relação Educação Física e valores. No caso do Brasil este é um tema de investigação pouco desenvolvido, talvez por ser recente (1997) a implantação dos PCNs no país, tema esse que já vem sendo estudado a mais tempo na Espanha.

Diaz León et al (1999, p. 9), acreditam que:

"Educar em valores é preparar a pessoa para que seja capaz de dar respostas às novas necessidades sociais que vai encontrar. É acreditar no indivíduo uma série de atitudes e comportamentos, é formar alguns princípios tão sólidos e tão firmes que facilite atuar por si mesmo, sem apoio nem ajuda de pais e educadores. Educar em valores é também dar segurança e autonomia para favorecer sua adaptação ao meio, e que por sua vez, possa ser fator de mudança em si mesmo quando acredite ser necessário. Educar em valores é educar para a liberdade. Liberdade que leve a viver alguns princípios que dêem sentido a sua vida, que dêem um sentido pessoal, que ajudem a eliminar todo tipo de condutas que oprima nosso ser interior" (tradução minha).

Metodologia

Para definir a perspectiva metodológica deste estudo, levei em conta a idéia de Moll (2000), de que a pesquisa, entendida como ação fundamental da ciência por meio de processos de aproximação, inserção, compreensão e (re)construção da realidade, se estabelece a partir de vínculos com essa mesma realidade e de que "[...] nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. As questões de investigação estão, portanto, relacionadas com interesses e circunstâncias socialmente condicionados. São frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos" (MINAYO, 1986, apud MOLL, 2000, p. 25). Nesse sentido, a orientação metodológica elegida para desenvolver este estudo se fundamenta na pesquisa qualitativa, pois entendo que esta "[...] é uma atividade sistemática orientada à compreensão em profundidade de fenômenos educativos e sociais, à transformação de práticas e cenários socioeducativos, à tomada de decisões e também para o descobrimento e desenvolvimento de um corpo organizado de conhecimentos" (SANDÍN, 2003, p. 123, tradução minha).

Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o tema a ser pesquisado. O trabalho se encontra na fase de coleta de dados, os instrumentos utilizados, até o momento, são observações das aulas, diários de campo, e questionamentos e reflexões realizadas com os alunos.

Será trabalhado com os alunos de 1ª a 4ª séries, no 2º, 3º e 4º bimestre de 2006.

No 2º bimestre foi trabalhado o conteúdo/jogo "Desmistificando o futebol"; no 3º bimestre foi trabalhado o conteúdo/jogo "Quantos tipos de queimada, podemos jogar? e "Jogos de mesa" (nos dias que não é possível aula no espaço externo da escola - já que a escola não possui uma quadra) e no 4º bimestre expressão corporal (pretendo trabalhar "Movimentos e expressões possíveis com o corpo").
Em todos os bimestres citados o que venho trabalhando com os alunos é a comprensão, o saber ouvir, aprender a escutar, para assim conseguirmos um melhor aprendizado dos conteúdos.

Vale resaltar que os conteúdos foram eleitos a partir da vivência/experiência deles com as aulas de educação fìsica, que na verdade apenas se resumia em meninos ocupando o melhor espaço da aula jogando futebol e as meninas nos espaços possíveis para a realização de uma queimada ou como muito um três corte, acredito que os conteúdos trabalhados dessa maneira a cada aula era restringir demais o repertório de atividades desses alunos, dai surgiu a idéia de trabalhar em cima dos conteúdos já conhecidos, mas, com uma abordagem diferenciada, dando espaço dessa maneira para novos tipos de futebol e quantas outras maneiras de jogar queimada e o mais importante numa aula onde meninos e meninas trabalham juntos/integrados respeitando um a diferença do outro.

Ainda temos muito que avançar e muito que aprender juntos nessa relação professor-aluno, aluno-aluno, onde respeito e responsabilidade devem estar sempre presentes.

Considerações de aprendizagem

Tenho como meta os objetivos previamente fixados, que constituem o parâmetro decisivo para qualquer processo de avaliação.

Os alunos sempre estão sendo observados e os seus avanços sendo notados, creio que o mais importante é a sensibilidade que se tem ao verificar o que o outro está aprendendo e ter condições de saber qual o momento que o aluno está vivendo. Mais que nada busco a troca com o meu aluno o "aprender juntos".

Obs. As autoras prof. Delma Aparecida de Souza Caparroz (Delmacaparroz@ebrnet.com.br ) é doutoranda Doutoranda em Ciência da Educação na Universidade de Barcelona - Espanha e professora da Rede Pública Municipal de Cariacica e pesquisadora do LESEF-CEFD-UFES

Referências

  •  Bracht, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
  • Brasil. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Brasília: MEC/SEF, 1997.
  • ______. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
  • Brotto, F. O. Jogos Cooperativos: se o importante é competir, o fundamental é cooperar. Santos - S. P.: Projeto cooperação, 1997.
  • Cardús, S. El desconcierto de la educación: las claves para entender el papel de la familia, la escuela, los valores, los adolescentes, la televisión... y la inseguridad del futuro (M. Blasco, Trans.). Barcelona: Ediciones B., 2001.
  • Carranza, M.; MORA, J. M. Educación física y valores: educando en un mundo complejo. Barcelona: Graó, 2003.
  • Díaz León, S. et al. Educar en valores en educación física. Vitoria-Gasteiz: Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 1999.
  • Huizinga, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura (J. P. Monteiro, Trans.). São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1990.
  • Moll J. Histórias de vida, histórias de escola: elementos para uma pedagogia da cidade. Petrópolis - R. J.: Vozes, 2000.
  • Raths, L. E.; Harmim, M.; SIMON, S. B. El sentido de los valores y la enseñanza: cómo emplear los valores en el salón de clases. México: Uteha, 1967.
  • Sandín, M. P. Investigación cualitativa en educación: fundamentos y tradiciones. Madrid: McGRAW-HILL, 2003