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Primeiras impressões

Minha experiência como professora da rede pública estadual apontava para um certo desconforto com o absenteísmo nas aulas de Educação Física. O sistema adotado por nossa escola valoriza o gosto do aluno na medida em que ele pode optar por uma atividade física ou modalidade esportiva a ser cursada durante o ano letivo. O regimento interno do Centro Esportivo do CETEP - Marechal Hermes salienta:

"Os alunos podem escolher a modalidade esportiva que mais se adapta ao seu gosto pessoal ou a que melhor atende às suas necessidades."

A questão do Gosto, da Norma e da Utilidade.

A discussão em torno destas questões norteadoras me levou a pensar sobre os valores que orientam as condutas das pessoas. Lovisolo (2000: 97), destaca que culturalmente lidamos com três linguagens e essas parecem operar no seio da escola: o gosto, a norma e a utilidade. Vamos trabalhar um pouco com essas linguagens no transcorrer deste trabalho.

Partindo daí, procuramos criar um canal de comunicação com os alunos a fim de entender os motivos, as razões e os significados que atribuem a disciplina. Assim, poderíamos dizer que para uma dada parcela do alunado, a Educação Física não opera na esfera da utilidade dentro desta escola de ensino profissionalizante, como relatam os alunos:

"Quando eu estou no estágio do hospital, por exemplo, tenho que saber trabalhar com aquilo, pois, se me pedem que eu faça tal exame e eu não souber fica chato. Eu já estou estudando e colhendo aquilo que aprendi. No caso da Ed. Física, eu colho os resultados, mas não estou percebendo diretamente, se estou me sentindo bem, vou achar isso normal e não associar a E. F." (informante 2)

"Eu acho a matemática e a Física mais importantes que a Ed. Física, pois, meu curso é contabilidade. Nós trabalhamos o corpo o tempo todo, mas na escola essas matérias são mais importantes." (grifo meu) (informante 3)

Entretanto, a prática da Educação Física associada a imagem do lazer, do lúdico e do não-trabalho estaria exercendo um peso significativo na representação dos alunos de um momento "útil" para o descanso das atividades mais formais vivenciadas nas demais disciplinas.

"Os alunos acham bom praticar uma modalidade. Por exemplo, se está calor a natação refresca, não dá sensação de cansaço. E o futebol, é uma questão cultural. O brasileiro adora futebol." (informante 1)

Desta forma, teríamos que nos afastar um pouco do "dever ser" da Ed. Física para avaliar suas diferentes dimensões no contexto da cultura escolar segundo a representação dos alunos.

Sobre essa visão Bracht considera que:
"Coloca-se como tarefa construir nossa legitimidade no campo pedagógico, convencendo esse campo da nossa importância, da importância do não trabalho, da dignidade do lazer, da utilidade da inutilidade como em outro momento afirmei. Sacristán (2000, p.59) é enfático: "Será desafio do futuro conseguir [que] o lugar criado na vida de todos os sujeitos pela educação institucionalizada seja preenchido como fins com sentido próprio. A sociedade que irá trabalhar menos(Gorz, 1995; Rifkin, 1996) precisará mais da educação para utilizar o tempo livre como meio de melhorar a qualidade de vida."(p:78)

Quanto a linguagem da norma podemos vê-la expressada no próprio regimento interno do Centro Esportivo entregue aos alunos desta unidade escolar no momento da inscrição, constando a seguinte orientação:

"A Educação Física é disciplina e componente obrigatória da base nacional curricular comum, ministrada nos horários normais das escolas de ensino fundamental e médio, com carga semanal de, pelo menos, dois tempos. Portanto, a inscrição é obrigatória para todos os alunos dos turnos da manhã e da tarde, sendo opcional para os alunos da noite." (grifos do texto).

Percebe-se que o Centro Esportivo mostra-se bastante rígido quanto a obrigatoriedade na inscrição da disciplina, apesar de operar na linguagem do gosto na escolha das modalidades.

Quanto a obrigatoriedade da Ed.Física, o art. 26 da LDB estabelece que: "( 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se ás faixas etárias e ás condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos"

Muitas críticas surgiram sobre este artigo no que se refere ao curso noturno, já que tanto é facultativo a escola oferecer, quanto o aluno freqüentar.

A escola

Começamos então a refletir sobre os motivos que estariam relacionados a pouca atração dos alunos pelo espaço escolar, já que muitas vezes é pensado apenas como uma obrigação a ser cumprida.

A imagem representada é de uma deficiente estrutura e organização institucional:

" O aluno se inscrevia numa modalidade, mas quase não tinha aula. O professor faltava muito, a quadra estava sempre interditada. Não tinha aquelas condições para dar continuidade." (informante 5)

A partir desta visão crítica dos alunos diríamos que a escola vive um círculo vicioso, onde corre-se atrás de culpados para se justificar as ações. Assim, o aluno sente-se desmotivado porque não tem aula, não tem aula porque as condições da escola são precárias, as condições são precárias porque o governo não investe, o governo não investe, o professor falta...

O reduzido número de aulas durante o ano letivo mostra que além de uma estrutura desfavorável, a Ed. Física também depende das "condições climáticas".

"Na quadra e no campo quando chovia não tinha aula" ( informante 6).

Sabemos que é comum a suspensão das aulas nos dias chuvosos. Talvez o esporte tome uma dimensão de tal importância na escola, que não é utilizado como um dos conteúdos da Educação Física, mas como uma prática com fim em si mesmo. Portanto, se está chovendo não tem aula. A cabo disto, não temos o esporte da escola, mas o esporte na escola.(Caparroz, 1997)
A partir desta idéia teríamos então que nos perguntar: qual o papel da disciplina na escola?

Embora os aspectos corporais sejam bastante evidentes e observáveis nas aulas, penso que a Educação Física deva ser um espaço também para o aluno refletir sobre seus próprios valores, condutas, idéias, como os da relação entre esporte-sociedade.

O professor não tem como deixar de agir como educador na escola. Ninguém caminha sem uma direção. Portanto, além de oferecer instrumentos para a construção do conhecimento, o que é muito importante, a escola pública deve também ajuda-lo ter "percepções deste mundo".

Reconheço, no entanto, que este tipo de discurso pouco atua no cotidiano, na medida que a escola não tem dado para o aluno referências concretas de organização, disciplina, limpeza, ética, responsabilidade etc...

O gosto para valorização da escola

A linguagem do gosto parece ser consensual entre os alunos quando perguntados sobre o sistema de escolha de uma atividade ou modalidade. Esse sistema apresenta-se como motivador para a prática da atividade, além da oportunidade de novas amizades:

"O fato de ficar o dia inteiro com a mesma turma é pouco cansativo, o sistema de modalidades faz você ter contato com outras pessoas." (informante 1)

Deste modo, voltamos na questão da valorização do espaço escolar. Realizar atividades em espaços e com pessoas diferentes parece ser uma estratégia favorável para despertar o interesse do aluno para as tarefas escolares. Neste sentido, a especificidade da disciplina de Ed. Física mostra sua significativa contribuição para repensar a escola e sua própria finalidade neste contexto.

(Lovisolo,1997).

Concluindo

.O sentido do estudo foi de valorizar os depoimentos dos alunos por serem os atores principais do processo de ensino/aprendizagem. Embora tenhamos apenas respostas ainda preliminares, foi importante buscá-las para melhor compreensão desta comunidade escolar.

Entendemos que esse tipo de investigação pode nos dar algumas pistas para um levantamento dos obstáculos que a disciplina encontra no contexto escolar.

A autora, Rita de Cássia Magalhães de Mello da Costa é mestranda na UGF

Referências bibliográficas

  •  Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9394, de 20/12/1996.
  • Caparroz, Francisco Eduardo. Entre a Educação da Escola e a Educação Física na Escola: A educação física como componente curricular. Vitória: UFES, Centro de Educação Física e Desportos, 1997.
  • Lovisolo, Hugo.Estética, Esporte e Educação Física.Rio de Janeiro: Sprint,997..
  • Bracht, V. Saber e fazer pedagógicos: acerca da legitimidade de educação física como componente curricular. In: Francisco Eduardo Caparroz (org.). Educação Física escolar: política, investigação e intervenção. Vol 1. Vitória, ES: Proteoria, 2001. p. 67-80