Integra

 A educação física vem sendo refletida por filósofos e educadores, fazendo dela um campo de estudo e pesquisa, associando-a a contextos educacionais mais amplos e lutando contra o descaso da maioria dos teóricos que a percebem como elemento menor, secundário, do fenômeno educacional e não raro encarada unicamente como instrumento para a veiculação da ideologia dominante (CASTELANNI FILHO, 1988).


 Atualmente a educação física tem tentado justificar sua presença na escola, e também perante outras disciplinas, ainda sobre o seu lugar, geralmente secundário, na organização escolar, isolada das demais disciplinas. Prova disto são os freqüentes problemas de espaço encontrados, entre outros, e verifico assim um certo descaso, ou desmerecimento pedagógico.


 Quando tratamos da história da educação física no Brasil, contudo, vemos que nem sempre foi assim. Tivemos a influência das Instituições Militares, quando a ação "pedagógica" se legitimava a partir dos códigos desta instituição, como também após a II Grande Guerra Mundial, quando os códigos utilizados eram os da instituição esportiva (BRACHT, 1992).


 Do início da década de 80 para cá surgiram várias propostas (tendências) na educação física. Mas "...nenhuma destas novas tendências... fornecem até o momento, à ação pedagógica em Educação Física, um quadro referencial teórico consistente"(ibid, p.28). Como vamos no justificar nas escolas se nós mesmos não identificamos nosso papel em termos de autonomia pedagógica, nossa teoria?


 Com o novo modelo de qualificação para o mundo do trabalho, através da globalização, algumas disciplinas escolares ficam em posição privilegiada para a formação de um novo modelo de trabalhador desejado. E como diz Paulo da Trindade Nerys Silva (1997, p.133) "ao que parece, a exclusão de alguns componentes curriculares, caso da educação física, será a garantia de outros componentes considerados mais necessários...".


 E esta secundarização da educação física no ensino básico parece estar de acordo com a reconfiguração atual do mundo do trabalho, e portanto tal disciplina estaria fora dos interesses presentes no projeto pedagógico dominante. Tal projeto, vale ressaltar, está de acordo com as políticas neoliberais atuais.


 Assim, o objetivo deste estudo é verificar as razões do descaso com a educação física, procurando destacar sua atual importância, com uma maior conscientização de seu papel por parte do professor; investigar qual tem sido o papel da educação física nas escolas atualmente, que rumos ela tem tomado na formação humana no atual processo histórico.


 Verifico, enfim, que dúvidas e questionamentos que surgiram durante estes anos, no processo que venho desenvolvendo entre a educação física e a escola, são passíveis de fundamentos e podem ser analisadas visando melhorias do projeto político pedagógico e histórico que queremos construir.


 O interesse a respeito do destino e do papel da educação física numa sociedade em crise vem crescendo, e coloco assim as seguintes questões para investigação: 1) Qual tem sido o papel da educação física nas escolas atualmente? 2) Como esse descaso tem se manifestado nas escolas? 3) Qual a relação do mundo do trabalho contemporâneo com o descaso da educação física? 4) Qual a relação da educação física na formação do educando para o novo mundo do trabalho?


 Os meios a serem utilizados para a concretização deste estudo pretendem seguir uma abordagem crítico-dialética, com fundamentação na perspectiva do materialismo histórico. Utilizarei como estratégia o estudo de caso, tendo como participantes o núcleo de professores, alunos e diretores da rede municipal de ensino de Juiz de Fora, da qual faço parte nas escolas municipais Antônio Carlos Fagundes e Presidente Tancredo Neves.


 Reordenamento do mundo do trabalho


 O objetivo desta revisão preliminar de literatura é discutir o reordenamento no mundo do trabalho e suas implicações com a educação e a educação física a partir da falência do Estado de Bem-Estar Social e o advento do Neoliberalismo. Considero o reordenamento do mundo do trabalho fundamental na presença do descaso com a educação física e na descoberta de seu papel contemporâneo na formação humana.


 Nos anos 70 e mais marcadamente a partir do final da década de 80 vem sendo verificada uma crise, de alcance global. A maioria das análises apontam para uma profunda crise do capitalismo com fortes contradições. Esta crise tem na sua gênese as estratégias de superação da crise dos anos 30. Desenvolve-se a idéia de Estado-Nação e após a Segunda Grande Guerra surge a idéia do Estado de Bem-Estar Social, desenvolvendo políticas sociais visando a estabilidade no emprego, ganhos de produtividade e previdência social, entre outros. Esse modelo, com base na teorização Keynesiana, vem sendo caracterizado como modelo de organização de base técnica no trabalho. Dentro do contexto das teses keynesianas, postula-se a intervenção do Estado na economia para se evitar um colapso total do sistema, encontrando-se o financiamento da acumulação privada e da reprodução da força de trabalho tendo como vértice o fundo público (FRIGOTTO, 1996).


 O fordismo enquanto forma de organização do trabalho tem seu desenvolvimento a partir dos anos 30. As características deste modelo podem ser assim enumeradas: 1) possui uma determinada forma de organização do trabalho, com bases tecnológicas, divisão específica do trabalho, um determinado patamar de conhecimento e uma determinada composição da força de trabalho; 2) um determinado regime de acumulação, compatibilizando produção com grande escala e consumo de massa num determinado nível de lucro; 3) um determinado modo de regulação social, com uma base ideológico-política de produção de valores, normas, instituições atuando no controle das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalistas e nas relações capital-trabalho (ibid)


2.1. Neoliberalismo


 O neoliberalismo nasce logo após a Segunda Guerra Mundial, tendo como principal defensor Friedrich Hayek, com a idéia base de que o princípio e a busca da igualdade social levam à servidão. Somente após a crise do modelo econômico do pós-guerra em 1973 é que essas idéias ganham terreno. Segundo Hayek e seus companheiros (apud PERRY ANDERSON , 1995, p.10)


 "As raízes da crise estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais" (ANDERSON, 1995,p.10).


 Os pressupostos básicos do neoliberalismo consistiam no fato de que a estabilidade monetária deveria ser a meta de qualquer governo; com uma disciplina orçamentária; a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos e as imprescindíveis reformas fiscais.


 A crise estrutural do capitalismo hodierno vem sendo encarada como uma série de acontecimentos que irão culminar com a globalização. Esse termo, globalização, tem sido usado para explicar as transformações em curso na economia, na cultura e na sociedade.


 Como "estrutura material da ideologia da globalização, com a função mediadora de organizar e difundir a concepção de mundo que os Senhores do Mundo querem consolidar e reproduzir" (LEHER, 1999, p.18) encontramos o Banco Mundial. Ele exerce muita influência nos rumos do desenvolvimento mundial, com o caráter estratégico que vem desempenhando no processo de reestruturação neoliberal dos países em desenvolvimento, por meio de políticas de ajuste estrutural (ibid).


 2.1. Reordenamento do mundo do trabalho e a educação


 Os efeitos da globalização têm se manifestado mesmo nos países desenvolvidos. As políticas neoliberais têm sido um entrave na defesa da solidariedade e da reforma do Estado Nacional que leve a uma transformação produtiva com equidade social.


 A política educacional das instituições responsáveis pela propagação dos ideais neoliberais ( Banco Mundial, FMI) vem estabelecendo um verdadeiro apartheid educacional. Os países periféricos devem restringir a ação do Estado apenas ao ensino fundamental, com o objetivo exclusivo de "aliviar" a pobreza. Os teóricos do Banco Mundial vem preconizando a universalização do ensino fundamental mínimo em detrimento dos demais níveis; alegando que esse nível possui a maior taxa de retorno no tempo.


 É a educação que fica com a incumbência de formar as novas qualidades e competências necessárias ao novo trabalhador desejado por parte do capitalismo atualmente, tendo em vista o asseguramento da extensão da política neoliberal.


 "... abstração, facilidade de trabalho em equipe, comunicabilidade, resolução de problemas, decisão, criatividade, responsabilidade pessoal sob a produção, conhecimentos gerais e técnico-tecnológicos (língua inglesa e informática por exemplo), entre outros, tornam-se balizadoras do processo educativo para o mundo do trabalho". (NOZAKI, 1999, p.5)


 O perfil do novo trabalhador, exigindo-se capacidade de abstração, seleção, tratamento e interpretação das informações, não tem como ser gerado dentro da empresa em curto espaço de tempo. As habilidades necessitam ser desenvolvidas dentro do sistema educacional regular (escola pública ou privada). A qualidade e a avaliação do ensino e da escola são importantes no projeto orientador das transformações educacionais (op.cit. p. 128).


 Com a entrada de ideologia neoliberal no campo educacional exige-se uma maior planificação dos sistemas de ensino e processos pedagógicos, de modo que justifiquem o investimento feito na educação na medida em que ela assume valor econômico.


 No Brasil, o governo de Fernando Henrique Cardoso, no que diz respeito à educação escolar, vem consolidando tendências neoliberais iniciadas nos governos de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco de
"... responder aos imperativos da associação submissa do país ao processo de globalização neoliberal em curso no mundo capitalista, ou seja, o sistema educacional como um todo redefine-se para formar um novo trabalhador e um novo homem que contribua para a superação da atual crise internacional capitalista" (NEVES, 1999, p.134)


 Dentre as políticas de ajustes estruturais encontradas no Brasil no sentido de qualificar o trabalhador para o mundo do trabalho de acordo com os ideais neoliberais encontramos no âmbito escolar a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares para o Ensino Superior.


2.2 A educação física e o reordenamento no mundo do trabalho


 No novo modelo de educação imposto pela globalização, algumas disciplinas escolares têm tido uma posição privilegiada na formação das competências necessárias ao novo trabalhador desejado. E nota-se que a Educação Física vem ficando em um plano secundário no atual projeto pedagógico dominante


 O Banco Mundial, maior financiador externo da educação em países de renda média-baixa, cita que entre as disciplinas que devem compor o currículo da educação básica, sejam consideradas as disciplinas ditas importantes: linguagem, matemática, ciências e habilidades em comunicação.


 E na elaboração da nova LDB (1996) verificou-se uma grande dificuldade em manter a Educação Física no currículo do ensino básico. Durhan (apud SILVA, 1997,p.132) em entrevista à Folha de São Paulo em 24/06/95, diz que as dificuldades em atender à obrigatoriedade da educação física seriam devido à falta de recursos. Como nos mostra Silva (ibid., p.133) "Ao que parece, a exclusão de alguns componentes curriculares caso da educação física, será a garantia de outros componentes considerados mais necessários"


 A secundarização da Educação Física no ensino básico se faz presente nos contornos da formação dessa LDB, a lei 9394 de 20 de dezembro de 1996. Esta nova lei estaria enquadrada dentro das políticas de ajustes estruturais praticadas pelo atual governo brasileiro, visando a qualificação do novo trabalhador, no âmbito escolar.


 As novas atribuições da LDB abrem caminhos para a construção de uma escola mais democrática para os alunos e professores. "Entendemos que é fundamental a construção de propostas de educação física que busquem para ela um tratamento igualitário nos currículos escolares, em relação aos demais componentes." ( SOUZA E VAGO,1997,p.133).


 Mas há muito o que se construir nesta direção, incorporando novas práticas, como solidariedade e a igualdade. Aos professores de Educação Física cabe fazer do ensino da Educação Física um lugar de produção cultural e de formação de crianças e jovens, homens e mulheres que constróem sua identidade, tendo como base seus corpos, conhecimentos e experiências. É importante lutarmos pela inclusão da Educação Física em todas as séries e também no curso noturno.


 Mantê-la no seio escolar com o posicionamento de que, segundo Hajime Nozaki (op.cit) "...o conhecimento por ela tratado foi/é construído historicamente e necessita ser socializado, principalmente à classe trabalhadora, que se vê negada, cada vez mais, aos conteúdos da cultura corporal".


 Obs. A autora é aluna da pós-graduação em educação física na UFJF.


 Referências bibliográficas


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