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Cada vez mais tenho a convicção de que o esporte reproduz as mazelas da vida naquilo que há de mais cruel. Afinal, como fenômeno humano, ele retrata nas suas esferas micro e macrossociais tudo aquilo que há de mais nobre e mais mesquinho no presente.

Idealizado como uma forma de promover a paz e o entendimento entre os povos, demonstra em seu cotidiano as dificuldades de superar a mesquinhez e a pobreza de espírito que assola o planeta em ciclos que se repetem ao longo da história. Por mais que se proclame que esporte e política não se misturam, assistimos periodicamente, a cenas que, desencadeadas em outras esferas, repercutem na vida de atletas que pouco ou nada têm de responsabilidade sobre as tensões internacionais.

Já assistimos atônitos a W.Os. em competições que envolviam atletas representantes de nações beligerantes. Alguns deles foram depois considerados heróis por sua atitude nacionalista mais do que esportiva. São inesquecíveis os boicotes promovidos por comitês olímpicos que, atendendo ao pedido de governantes, impediram que seus atletas competissem, frustrando a realização de um projeto que envolveu anos de trabalho. Alguns desses nunca mais tiveram a oportunidade de realizar o sonho de chegar a ser aquilo que mobilizou sua vida atlética.

Situações como essas mostram como o esporte não é um fato social descolado do lugar e do tempo em que é praticado.

A cena vivida pela seleção iraquiana de voleibol no último dia 6 é mais uma afirmação dessa relação direta. Após desembarcar no aeroporto de Chicago para participar da fase decisiva da Liga das Nações, os atletas da seleção iraquiana, juntamente com toda a comissão técnica, foram submetidos a um rigoroso inquérito que durou aproximadamente 4 horas, para depois sair do local e seguir com o programa estabelecido. Seus adversários diretos saíram do aeroporto sem qualquer problema.

Vale destacar que todos estavam ali exercendo o direito de realizar uma atividade profissional. Ao longo dessa temporada, a seleção iraquiana se destacou como uma das sensações do torneio e chegava aos Estados Unidos como uma das favoritas. Na prática dos valores olímpicos prevalecia, até então, a igualdade. Dentro de quadra, independente de questões políticas ou religiosas, a excelência era posta em prática, e a beleza de um jogo limpo encantava ao público.

O incidente do aeroporto mostrou a força que as questões extra quadra impõe aos atletas. Ou melhor, torna público o que milhares de pessoas passam em inúmeros aeroportos mundo afora, quando, por sua aparência ou origem, são interpretados como suspeitos ou inimigos. E para o passageiro que chega nesses destinos resta a delicada condição de impotente, sujeito às mazelas da força política e policial dos donos do local de desembarque.

Mais de uma vez presencie essa cena com “cidadãos comuns”, viajantes solitários (ou com famílias inteiras), que detectados por câmeras ou faro de cães, foram retirados das filas da imigração e levados para sabe-se-lá-onde. Ter um sobrenome insuspeito, a cor da pele dominante e traços inidentificáveis me tornou quase imune a situações como essa, porém não insensível ao constrangimento que pessoas como eu pode passar em qualquer serviço de imigração.

O episódio com os atletas iraquianos demonstra como o mundo do esporte não é uma bolha, cuja película que reveste o espetáculo e seus protagonistas, é de fato apenas um véu que cobre, mas não protege, quem deveria estar isolado das interferências que poderiam impedir o livre exercício de uma habilidade consagrada ao deleite.