Integra

Considerações iniciais

Atualmente ocorre mudança na área de atuação profissional, passando do setor educacional para as atividades não-formais. Lovisolo (1999), aponta que o crescimento pelo interesse dos profissionais pelas áreas não escolares decorre da pouca valorização social, dos baixos salários e das precárias condições que são oferecidas aos professores que se dedicam ao magistério da rede pública. Paro (2001) afirma que essa situação de calamidade que vive a escola pública é fruto da mudança de sua função social. Para o autor quando esse tipo de estabelecimento abrigava os filhos das camadas influentes da sociedade a importância era outra, já que sua função era preparar os jovens para ocupar os trabalhos médios na sociedade ou oferecer condições para o ingresso na Universidade. O autor demonstra, que o descaso com os professores das redes públicas está no fato de o Estado estar despreocupado com a qualidade do produto que a escola possa oferecer. Com a mudança dos grupos sociais que tinham maior prestígio para a rede privada ocorre uma progressiva desqualificação do trabalho docente, pois não mais interessava ao Estado prover as massas de um ensino de qualidade.

Esses fatores são agravados com a implementação do neoliberalismo no país na década de 90. Como a preocupação do Estado passa a ser mínimo na geração de recursos sociais, o enxugamento de gastos atinge o segmento educacional. Além disso, o processo de reestruturação produtiva e a implementação de novas tecnologias, proporcionou inúmeras mudanças nas formas de organização do trabalho. Passa-se do modelo fordista para os baseados nos princípios da acumulação flexível. As metamorfoses proporcionadas pelo capital fizeram com que houvesse um crescimento do desemprego estrutural onde a tendência dos novos mercados de trabalho é a diminuição no número de trabalhos estáveis e empregar os que são demitidos sem custos algum. (ANTUNES, 1999). Com isso ampliam-se os setores ligados ao mercado informal dos subempregados, autônomos, terceirizados, precarizados e sem seguridade social.

Feitas essas considerações iniciais, ficam algumas dúvidas: Será que a Educação Física tem que procurar a esfera não-formal para garantir um certo reconhecimento social? Esse reconhecimento social irá ocorrer? Essas atividades proporcionam maior remuneração que as atividades escolares? A crise da Educação e da Educação Física não é fruto das políticas capitalistas? As atividades não-formais não se adaptam à lógica de mercado? E quais serão as alternativas na prática profissional? São perguntas e indagações como essas que se tenta responder com base no imaginário social dos acadêmicos.

Metodologia

O estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, objetivando diagnosticar e analisar o imaginário social dos acadêmicos. Segundo Isacc e Michael (1983), o "design" utilizado permite classificá-lo como "Survey" ou "estudo de levantamento". Participaram do estudo 174 alunos (93 masculinos e 81 femininos) do 1º ao 8º período. A idade média era de 21 anos e a participação era voluntária. Elaborou-se um questionário com questões abertas e fechadas a partir de temas selecionados, num total de 12 questões, que se dividiram em 4 partes: 1) Dados pessoais; 2) Histórico da Educação Física do acadêmico nos ensinos fundamental e médio; 3) Perfil acadêmico e formação profissional; 4) Objetivos da Educação Física escolar.

Dialogando com os resultados

Verificou-se na análise que a Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora tem em sua maioria alunos oriundos do próprio Estado (78,1%). Os alunos naturais da cidade constituem 42,5% e o restante do estado, 35,6%. Estes dados mostram que a cidade é um polo regional de educação em nível superior, o que é explicitado pelo fato de grande parte dos estudantes pesquisados serem de cidades próximas.

Existe um equilíbrio no tipo de instituição de ensino em que os acadêmicos realizaram seus estudos, o que não se alterou no ensino fundamental e médio. Entretanto, 78,2% fizeram curso pré-vestibular privado para ingressar na Universidade, o que mostra uma preocupação com a aproximação da sua entrada no mercado de trabalho. Quanto à participação dos alunos nas aulas de Educação Física, os dados demonstram uma queda no interesse e participação no ensino médio em relação ao fundamental. Os números corroboram os resultados apresentados por Lovisolo (1995). Observou-se que a queda apresentou-se menor no presente estudo. Entende-se que isso pode ser explicado pelo fato de a população estudada ser de acadêmicos de Educação Física.

Verificou-se que os conteúdos Jogos/Brincadeiras e Esportes foram os elementos mais trabalhados nas aulas durante o percurso escolar dos acadêmicos, sendo o primeiro a predominar no ensino fundamental e o segundo em todos os momentos. Fica evidente que outros elementos da cultura corporal foram negados na escola e o conteúdo Esporte foi praticamente o único elemento nas aulas. O Esporte e a Educação Física se tornaram sinônimos, impondo-se como conteúdo e sentido da própria Educação Física. Assim, passou-se a não observar diferença entre os termos. Esta ênfase ou exclusividade no Esporte impediu que a escola proporcionasse aos alunos a transmissão e aprendizagem de outros elementos, limitando o conhecimento explorado nas aulas. Isto não justifica sua presença como componente curricular. Deixa-se claro que não se está negando o Esporte como conteúdo de aulas mas como um elemento a mais a ser trabalhado. Pode-se perceber o vínculo que a Educação Física tem com o Esporte, ao se analisar as principais razões que levaram os acadêmicos a optarem pelo curso. Foram as mais votadas a realização profissional (37,6%) e o gosto por praticar atividades físicas e passagem pelo processo de treinamento desportivo que, juntas, somam 42,7%.

Em relação à principal área de interesse profissional, os resultados apontam para um crescimento das áreas não-escolares. Ao se dividirem as respostas em duas áreas formais e não-formais os valores são respectivamente 24,2% e 69,5%. Apesar de a crise do segmento educacional ser uma realidade, acredita-se que o enfraquecimento da Educação Física escolar não ocorreu pelo crescimento de novas áreas de atuação profissional. Senão sim pelo que Paro (2001) e Antunes (1999) colocaram. O primeiro, porque aponta uma perda da importância da escola pública na formação de grupos com certa influência social, onde atualmente a escola só presta serviços às populações sem respaldo social. Isso se agrava pelo que Antunes mostra sobre as políticas neoliberais que visam diminuir a estabilidade dos trabalhadores e, com isso, ocorre um sucateamento da profissão de docente. Entende-se também, que a Educação Física passa por um momento diferenciado em relação aos outros componentes curriculares. O interesse é mostrar que ela está sendo descartável no atual processo hegemônico de educação.

Ao analisar os acadêmicos a partir do 5º período, notou-se que quase não existem mudanças dos objetivos apontados no início do curso. Esses estudantes continuam preferindo as atividades não-escolares, o que mostra que os acadêmicos não estão se preparando para exercer a docência do ensino público. O pior é que são incentivados por professores no interior das faculdades. Outro fator observado foi que cerca de 45% dos pesquisados já trabalham ou fazem estágios em alguma área da Educação Física. Cerca de 85% dessas funções são realizadas em atividades não-formais, sendo que do total dos estágios, 46,6%, são extracurriculares, 36% curriculares e 17,4% de extensão universitária. Esses dados comprovam a intensa exploração da mão-de-obra dos acadêmicos e são atividades de caráter periférico, informal, autônomo, subcontratado e precarizado.

Na questão "Se todas as áreas proporcionassem o mesmo rendimento financeiro, em qual você trabalharia?" Pode-se perceber que os acadêmicos não alterariam sua opção profissional devido a melhores condições. É nesse ponto que se percebe uma contradição: a queda de interesse pela profissão de docente não é pela falta de condições? Entende-se que a mudança se dá pela dura realidade das escolas públicas e a busca de um reconhecimento social. Mas essas atividades propiciam melhores salários? E os direitos sociais conquistados? E a precarização das atividades não-formais? O que se quer salientar é que não se é contra nenhuma forma de trabalho, só se está refletindo sobre contradições detectadas. Esses fatores se agravam ao se analisar a opinião dos acadêmicos sobre a permanência ou não da Educação Física nas escolas. 98,3% dos estudantes são a favor mas 80% dessas respostas são por razões cooperativistas como mais uma área de atuação profissional e não por ser um componente curricular, algo a ser tratado como conhecimento produzido historicamente pelo homem. Segundo Oliveira (1998), o profissional de Educação Física que atua na escola não tem clareza de seu papel junto a escola. Ao analisar a realidade de Curitiba o autor afirma que se não fosse a necessidade de sobrevivência, os professores não trabalhariam em escolas públicas.

Verificou-se que não existe um objeto específico para a Educação Física escolar estando ela muito ligada ao paradigma da Aptidão Física (64,2%). Mas pelo percentual encontrado na perspectiva da Cultura Corporal, (24,1%), poder-se-á buscar uma prática mais comprometida com a Educação de uma forma geral e não como mero apêndice da escola. Feitas essas observações tentar-se-á efetuar as considerações finais e apontar questões para efetivar a Educação Física como componente curricular e uma prática pedagógica transformadora.

Considerações finais

Entende-se que a crise da Educação Física escolar não é fruto das baixas condições de trabalho oferecidas, ou pelo pouco reconhecimento social que estes possuem ou pelo crescimento das atividades não-formais. Acredita-se que a toda a Educação está sofrendo dessa crise, principalmente pelo fato de a escola pública não servir mais a grupos com influência social. Concorda-se que a Educação Física foi a disciplina que mais golpes sofreu no interior da escola. O fato de se apresentar descartável no novo modelo neoliberal não é por que não sirva mais para atual sistema hegemônico. Ela continua servindo aos interesses dominantes só que de forma bem mais complexa. Mas como isso é possível?

Para se responderem essas questões apoia-se em Antunes (1999), as atividades não-formais não possuem os direitos sociais historicamente adquiridos pelos trabalhadores. Essa manobra capitalista de sucateamento da educação pública brasileira visa diminuir o número de trabalhadores centrais e aumentar os empregos periféricos. É muito estranho ou será somente mera coincidência com a Educação Física brasileira? Parece que não. O objetivo da classe dominante é enfraquecer as massas e continuar sua exploração. E as atividades não-formais continuam a reproduzir à lógica do capital sem gastos algum para o Estado.

Dessa forma acredita-se que a troca em favor das atividades não-formais não irão trazer melhores condições de trabalho e um maior reconhecimento social. Somente irá retirar os direitos que os trabalhadores da Educação Física conquistaram historicamente. É investir num mundo de sonhos, totalmente alheio da realidade. É também com a não-preparação dos alunos para a realidade escolar, estes estarão privando mais uma vez a maioria da população ao acesso do saber. Com esse intento quer-se finalizar este estudo mostrando as contradições e os impactos que essa escolha irá ocasionar na profissão de professor de Educação Física e em toda a sociedade. Dentro da Educação Física ocorrerá um enfraquecimento como atividade profissional, a regressão dos direitos sociais, a precariedade de emprego e a exploração da mão de obra do professor. Para a população, mais uma vez o acesso negado à cultura humana.

Há que se concordar com Oliveira (1998), onde este afirma que os profissionais de Educação Física devem redimensionar as práticas corporais num plano mais amplo. Não se deve continuar como meros reprodutores mas como sujeitos conscientes da realidade social e de toda a cultura, procurando plantar sementes para efetuar mudanças na sociedade. Para isso necessita-se implementar metamorfoses na prática pedagógica, além é claro de tematizar a cultura corporal como algo construído historicamente pelo homem.

E dessa maneira que se concluí o estudo, procurando demonstrar com dados as contradições e os impactos negativos que esse reordenamento para as atividades não-formais proporciona na prática profissional. Deve-se estar atento a qualquer proposta de mudança pois, caso contrário, quem irá sofrer o duro golpe será os professores de Educação Física e a grande maioria da população brasileira.

Obs. O autor, professor Marcelo Moraes e Silva é licenciado pela UFJF e cursa especialização em Pedagogia Escolar no IBPEX, UFPR

Referências bibliográficas

  •  Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho?: Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. 6ª ed. São Paulo, Cortez, 1999.
  • Issac, S. e MICHAEL, W.B. Handbook in research and evaluation. San Diego, Edits Publishers, 1983.
  • Lovisolo, Hugo. Educação Física: Arte da mediação. Rio de Janeiro, Sprint, 1995.
  • Paro, Vítor H. Gestão democrática da escola pública. 3ª ed. São Paulo, Ática, 2001.
  • Oliveira, Marcus A. T. Existe espaço para o ensino de educação física na escola básica? Pensar a Prática. Goiânia, 2: 1-23, jun./jul. 1998.