Integra

(Para o saudoso Clodoaldo Mesquita, que nos ensinou a errar do jeito certo).

O cara obviamente errou. Feio. E caiu. Mas ouso dizer que ele tem muitas qualidades. Não estou nem de perto defendendo o trabalho que foi feito com a Selecinha neste ano. Tudo já foi dissecado por todos experts de plantão: a politicagem, a coisa do grupo de amigos, a estratégia de ‘família’ que não funcionou, a falta de treinos táticos, o meio de campo, a defesa, e uma serie de coisas.

Mas acho que tem outros lados. E que tem legado, sim. Grande, alias. Tudo será revelado no fim. Mas não trapaceie, leia tudo – é preciso acompanhar o raciocínio!

Eu achei uma ótima atitude o fato dele ter entrado em campo após o vexame. Reuniu os jogadores, logo depois de bicho de sete cabeças, ficando no meio da roda, falando com todo mundo, olhando nos olhos, conversando. Claro, sabedor das câmeras do mundo de olho neles. Mas seria muito fácil sair de fininho do campo, ou ficar na maciota. Já vi vários técnicos, inclusive ‘Gaúchos’, fazerem isso:  uma cena danada na vitória, aquela festa, abraçando jogadores, chorando, um drama; e na final, quando perdem, escaparem rapidinho pelo túnel. Quando vi aquilo, aquela roda ao final da tragédia, eu pensei: “esta ai uma atitude digna”. Ele estava lá, conversando com a rapaziada, batendo no peito deles, pondo a própria cara para bater. Foi ali que percebi o que estava por vir. A verdadeira queda da bastilha. O plano secreto.

Não sou fã dele não. Sou bem consciente da carência na área estratégico-tática, e como as coisas são ganhas mais na emoção, no berro, no abraço, no paternalismo. Fui um ferrenho critico da convocação para esta Copa; durante os jogos, tive brigas nas madrugadas australianas com pessoas próximas (bom, não vou dizer nomes, mas da pra imaginar quem seriam minhas pessoas próximas vendo jogos do Brasil de madrugada do outro lado do mundo, não?). Eu cornetei a dupla de centroavantes ate dizer chega, minhas filhas não me aguentavam mais. Achei ridícula a patriotada no caso do Diego Costa (será que ele se deu mal?); concordo que não tinha meio de campo, e que foi um exagero prometer o titulo.

Mas tem outros lados. Por exemplo, o pessoal critica muito a falta de formação dos profissionais do futebol, a falta de vinculo com a universidade e as ciência do esporte, etc. Felipão tem seu diplominha de Educação Física, e sempre se refere a ele, com muito orgulho, com muito amor. Mais ainda, há muitos anos ele trouxe a psicologia do esporte (uma ciência!) para dentro da Confederação. Não trouxe qualquer uma, trouxe alguém com uma solida carreira acadêmica.  Tenho ate umas fontes não confiáveis (na verdade, elas que não confiam em mim, no que fazem muito bem) que me disseram que ele pagava do bolso a Dra. Regina Brandao na Copa de 2002, uma vez que Mr. Teixeira não queria saber de psicologia depois da passagem do Luxerley pelo time.

Sem apedrejamentos, por favor. Eu sei que os especialistas comentam que não é suficiente o que ela faz, que deveria estar no dia a dia do time, que psicólogo não é bombeiro e tudo o mais. Concordo. Mas acho um grande avanço, muito melhor e mais positivo do que nada. Tem sal-grosso? Tem autoajuda? Claro que tem! Mas onde que não tem? Quem não apela pruma superstiçãozinha de vez em quando, mesmo com todos os recursos tecnológicos e científicos ao seu lado? Quem não bate na madeira, ‘just in case’? No hospital, rodeado de médicos, enfermeiros, ressonâncias – mas uma vela acesa ajuda, ou pelo menos não atrapalha, pois não.Ora bolas, o cara tem o mérito de ter levado a psicologia do esporte para dentro do templo, ao interior do cume do esporte nacional!

Não gosto do estilo de jogo. Retranca e bordoada, transformou o time brasileiro naquela coisa faltosa, argentina. Chamou o Buzz. O Fred e o Jo. Escancarou o time. Treinos fracos. Não atendeu aos clamores populares para tirar o bigode. Fez mil propagandas. Encheu o bolso. Já falou bem do (argh) Pinochet.

Mas tem outros lados. Imagina se ele tivesse feito a coisa certa e chamado o Romário? Quer dizer, imagina se tivéssemos jogado bem contra a Alemanha? Ganhado na raça, na cagada, nos pênaltis? Perdido de pouco, fechadinho lá atrás, sem humilhação?  Estaríamos todos numa boa, felizes, apreciando a Copa das Copas. Nada teria sido revelado. As fraquezas, a indigência dos dirigentes, a decadência do futebol brasileiro, a falta de renovação dos técnicos, enfim, todo o lixo boleiro que se acumula há milênios seria novamente varrido para baixo dos tapetes gigantescos das nossas (in) consciências.

Claro, depois de sermos esmagados pelos campeões, o bicho pegou. A coisa ficou feia. Alguma mudancinha vai ter que vir. Não será a dança do grande deus MU – mas algo vai acontecer. Pelo menos vamos discutir. O Bom-Senso ganhou mais fuerza. O governo, se quiser mexer no vespeiro clubes/federações/confederações tem mais argumentos. Talvez não mude nada, mas a ferida esta aberta. Escancarada – tal qual a defesa brasileira.

Pode ser que tudo continue como esta, mas uma perspectiva de modernização, mudança, renovação, se abriu. Onde antes não havia nada, apenas ex-governadores biônicos tapando as luzes com as medalhas desviadas, agora há um túnel. Consigo ver a iluminação crescente. Sol entrando pelas rachaduras.

Acho que ele não aguentava mais todos os sapos.  Viver rodeado de escrotos, capachos ricos e dedos-duros. Mas sabia que o sistema sequer sente as cocegas dos protestos das ruas. Durante as Confederações ele viu que pro povão sobrava apenas borracha. Gás e prisões preventivas. Percebeu que estava em uma posição única. Podia sabotar e implodir a coisa de dentro. Sem que ninguém suspeitasse. Cortou na própria carne. Como bom beque de fazenda, partiu pro  sacrifício.  Não aguentava mais ver a inercia diante das denuncias dos Jennings, dos Cruzes e dos Kfouris da mídia.  Depois de uma sessão de elogios do Gavião, se deu conta que somente da terra arrasada a fênix ressurgiria, desintoxicada. Hexa-estelar.

Ele fez de proposito.

Vida longa a Felipon I e único – El Salvador da Mátria de Chuteiras, el Che Guevara da amarelinha

(gente, imagina o Tó que levou 11 gols da Alemanha – e ainda mora mais pertinho? Pobre Veleirinho, pobre…)

Por Jorge Knijnik
em 16-07-2014, às 15:51

18 comentários. Deixe o seu.

Comentários

Putz laijon Jorge Dorfman Knijnik !!! Ludus poesis total !!! O Tomás perguntou o que eu estava lendo… Li em voz alta para ele e disse que era um AMIGÃO que lá da terra dos cangurus expressava o que há uma semana me vai na alma !!! ABRAÇÃO cara !!!

Por António Veleirinho
em 16-07-2014, às 16:28.

Agora, sim, pois pois! Como diria Pinduca: ‘pastel de Belem e’ gostoso em qualquer hora, e qualquer lugar!’ – avanti Berinjas!

Por Jorge Knijnik
em 16-07-2014, às 16:35.

Excelente professor, não tenho duvidas que essa seleção fez um favor a nós, nunca discuti tanto melhorias para o futebol e para o esporte como agora, o foda é continuar ouvindo em programas esportivos ex jogadores dizerem que o problema é que tem muito cara de faculdade no futebol e ai vem o Felipão e fala que é professor ou seja que as faculdades de educação fisica discutam isso também, como esta a formação do professor de educação fisica?
abs

Por Daniel
em 16-07-2014, às 16:39.

JK, tenho uma pista. Já sei de onde vem a iluminação que Você anteviu nas rachaduras. É do gato de energia que o Zemarin das medalhas fez do vizinho do apartamento dele.

http://prosaefutebol.blogspot.com.br/2013/02/o-gato-de-ze-das-medalhas-presidente-da.html

Melhor a gente falar dessas coisas com as costas e tudo mais protegidos pela parede.
Laercio

Por laercio
em 16-07-2014, às 17:06.

Se no Brasil agirem com a mesma “tenacidade”, as mesmas “intenções”, as mesmas “promessas” que costumam ocorrer depois das grandes tragédias (deslizamentos, enchentes, desabrigados, etc.) então podemos adivinhar o que a CBF, os dirigentes de cliubes, os responsáveis pelo futebol, os clubes e os técnicos farão depois desta “debacle”: rigorosamente NADA!
Caro sobrinho Jorge: na Austrália são outros quinhentos. No Brasil é a terra do trem-bala. Se surgiu, ninguém sabe, ninguém viu! O país do futebol agora é em outro continente.
E sobre seu ídolo Felipon – o mesmo que fracassou recentemente no Palmeiras – parece que já era. Faz tempo!

Por Julio E. Bahr
em 16-07-2014, às 17:19.

Para variar, sensacional! Voce émeu ídolo, um pensador desde a infância, que não se dobra aos modismos. Sempre com excepcional visão e reflexão críticas. Grande abraço!

Por Rodrigo Campos Pereira
em 16-07-2014, às 17:45.

1- A gentileza e educação alemãs me acachapam terrivelmente.
Nada mais humilhante que um bom vencedor.
Primeiro nos atropelam com um caminhão da Mercedes Benz depois mandam flores e bonbons para nosso quarto de hospital. Desagradável.

2 – Mas, enfim, antes ser eliminado pour uma Alemanha-Pataxó do que por uma Argentina-Patachoca.

3 – Mil goools, mil goools, mil goools, mil goooooools,
só Peléeee, só Peléeee,
(e Romário e Tuliô)

Por General Shemale Cumshot
em 16-07-2014, às 21:53.

Ganhamos da Croacia com um penalti esquisito,marcado em hora impropria.Empatamos em jogo morno com Mexico.Batemos um pato morto,Camaroes.Passamos pelo Chile com uma bola chilena no travessao no final da prorrogacao e pra piorar elevaram a moral de Julio Cezar.
Veio a Colombia e achavam que um 2 a 1 ,era mais um passo.
Surge Alemanha com um gol completamente defensavel, quase, eu disse quase, um frango.
Dali em diante , quem joga bola sabe, o filme na cabeca , um goleiro fraco, nossa estrela maior fora.Meio de campo inoperante.Laterais sem criatividade.Um Davi querendo ser Golias:defende , lanca, faz gol, que merda e essa!Varias vergonhas em conjuncao:goleiro mais vazado de todos os tempos, maior goleada numa semi final e por ai vai.
Por falar em vai, ja vai tarde Felipao e cia. Chega voces estao defasados.Nem pra palestra presta mais.Peguem seus trapos milionarios e saiam para sempre.O nome disso e INCOMPETENCIA, deviam ter hombridade e assumirem seus erros.
Viva a Alemanha, parabens pelo excelente PLANEJAMENTO.!

Por cleiton barbosa
em 16-07-2014, às 21:54.

Daniel, meu caro, voce tem razao. Muita sauva e pouca saude, os males do Brasil sao (desde os antropofagos…). Quanto a formacao do professor, devemos bater nas portas certas: a petrobras, o Marcos Merida e sobretudo, a porra deste blog aqui mesmo. Aquele! Abraco

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 0:35.

Sarava, padim Laercev, sarava

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 1:58.

Meinen kommandant Cleiton ich habe verstehen tudo! Vou abordar a teoria prusso-austriaca do planejamento nos proximos sermoes- mas quase viramos no segundo tempo!

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 2:09.

Rodrigao, canhotos unidos forever! Alias, nada contra ser seu idolo, preciso de idolatria, mesmo- mas voce teria uma irma na roda :-)?

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 2:12.

Julinho, sempre na vanguards! Nao se incomode, aqui eh tudo igual: ao menos nao temos a Maria Bethania!

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 2:13.

General! Explode coração…

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 2:13.

Jorge, querido. Numa coisa concordamos: o Felipão fez um bem enorme ao futebol brasileiro (sem querer). Escancarou tudo, deixou à mostra toda a porcaria que existe naquela CBF e, indiretamente, na estrutura toda do futebol tupiniquim. E acabou abrindo os olhos de todo mundo, pelo menos dos minimamente inteligentes, de que o Brasil não é o melhor do mundo há um bom tempo. Nos últimos 40 anos ganhamos 2 Copas, uma com aquele time sem sal de 94 (nos pênaltis) e a outra com Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká, que ganhou até com a retranca do Felipão, afinal, com alguns craques como esses no auge fica mais fácil. Os outros três títulos ocorreram em 12 anos, entre 1958 e 1970, época em que (eu não assistia futebol) acredito tínhamos realmente o melhor futebol do mundo. De 70 pra cá, nada de mais, a não ser o maravilhoso time de 82, que infeliz e injustamente não levou nada. Mas continuávamos até aqueles 7 x 1 com essa empáfia de melhores do mundo, de país do futebol… Como escreveu meu sobrinho André Dayan: “é a mesma coisa que um torcedor do Independiente dizer que o time é o melhor da América por ser o único a ter 7 Libertadores, sendo que há pelo menos 20 anos o clube não consegue mais se colocar entre os grandes do continente”. Obrigada, Felipão. Pelo menos estamos, no mínimo, caindo na real! Bjo, Jorge!

Por Marcia Melsohn
em 17-07-2014, às 4:50.

Grande Jorjão! Que assim seja! Tenho visão parecida com a sua sobre o Felipon I e único. Louvável a decisão de levar a Regina Brandão – o que foi ironizado por isso não tá escrito. Ah, ciência pra quê se é mais fácil crer no imponderável? Mais uma bela crônica, muito bom!

Por Rafael Bueno
em 17-07-2014, às 5:00.

Marcinha querida, foi uma queda e tanto na real! E que Real! becitos!

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 6:50.

Rafaelito, eu fui assistir a entrevista da Regina no roda viva motivado por uma nota do Juca Kfouri, falando que ela tinha revelado coisas que nao deveria, sobre os jogadores, no ar. Nao achei nada disso, a entrevista dela foi otima, quem foi pessimo foi o apresentador do roda viva, super ansioso,mega chefe de arquibancada, interrompendo ela toda hora e atrapalhado a coisa – voce precisa coordenar esta imprensa,meu Bueno!

Por Jorge Knijnik
em 17-07-2014, às 6:52.

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