Resumo

Que relações e interfaces podem ser estabelecidas entre o estudo de uma determinada modalidade esportiva e importantes modelos teóricos que obtiveram destaque no campo da sociologia durante o século XX? Essa inquietação de valor heurístico e epistemológico foi crucial e marcou o desenvolvimento integral dessa pesquisa. Nesse sentido, de um lado, procuramos recuperar a modalidade de xadrez como um objeto relevante a ser estudado no universo da sociologia do esporte. De outro, nos empenhamos em associar alguns modelos e conceitos desenvolvidos na teoria social contemporânea, especialmente nas obras de Pierre Bourdieu e Norbert Elias, ao processo de construção do objeto de pesquisa bem como à leitura subseqüente da realidade empírica delimitada. O ponto de partida identificado para composição dessa trama que constitui a “história esportiva” do xadrez foi construído a partir da final do campeonato mundial de 1972, que ficou conhecida sob o rótulo distintivo de “match do século”. Com base nesse recorte contextual, foi que definimos nossa problemática e também o objetivo central de pesquisa que, a saber, consiste em recuperar e compreender as transformações conjunturais e mercadológicas empreendidas no âmbito da oferta e consumo da prática enxadrística no contexto histórico-social do chamado “match do século” de modo a avaliar o que essas transformações representaram ou significaram no processo de onstrução da “história esportiva” da modalidade. A hipótese que sustentamos paralelamente ao problema formulado, é que sob o cenário histórico-social do “match do século”, a modalidade de xadrez conheceu a “fase de ouro” de sua “história esportiva” relativamente autônoma, demarcando um momento de singularidade histórico-estrutural que gostaríamos de chamar de cristalização do subcampo do xadrez no interior do campo de produção e circulação dos bens esportivos, justamente por evidenciar um período em que o entrelaçamento entre os contornos mercantis, espetaculares, simbólicos e miméticos conferidos à oferta da prática enxadrística representou a consolidação da modalidade frente à lógica de distribuição e consumo das demais práticas esportivas no contexto histórico em questão. Para o entendimento dessa estrutura espetacular de curto prazo constituída em torno da decisão do campeonato mundial de xadrez de 1972, buscamos apontamentos nas estruturas de longo prazo que constituem, respectivamente, a “história esportiva” relativamente autônoma da prática enxadrística e a história social da Guerra Fria. A partir do material empírico recuperado e analisado reflexivamente à luz dos referenciais teóricos elencados nos prouve construir durante o capítulo II e III uma rede de conexões causais a partir dos contornos mercantis, espetaculares, miméticos e simbólicos conferidos pelos mais distintos agentes e estruturas à modalidade de xadrez no contexto do “match do século” e, dentro de certos limites, ao longo de sua “história esportiva”. Uma das conclusões, senão a principal, que essa gramática social profunda nos possibilitou construir é que a cristalização do subcampo do xadrez no campo esportivo esteve diretamente relacionada à nova lógica de concorrência dessa prática, estabelecida, pelo menos durante os anos 1970, em função de um contrato consensual implícito que logrou em perpassar os campos de produção cultural de modo a conduzir tanto o espaço dos produtores quanto o espaço dos consumidores a crerem fundamentalmente nas relações simbólicas que eles mesmos foram cúmplices no ato de instituírem a realidade social. Essa “alquimia simbólica”, por sua vez, se constituiu de forma proporcionalmente eficaz ao grau de desconhecimento das causas e efeitos dos comportamentos consumistas que ela mesma contribuiu para fundar mediante a consolidação de um mercado esportivo global. Sob essas circunstâncias, a possibilidade de desvelamento (e avaliação) dessa lógica estrutural instituída arbitrariamente apresenta-se, portanto, como o principal desdobramento dessa pesquisa.

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