Resumo

É incrível como sair do cotidiano e ouvir coisas novas me inspira a escrever. Ou seria o contrário? Parece que não, mas o cotidiano e os muitos afazeres diários não deixam sobrar tempo para se pensar coisas diferentes.

Estou em Colônia, na Alemanha, participando do Congresso de um movimento denominado Play the Game. É movimento porque não pode ser chamado de associação, sociedade ou coisa assim. Tem como objetivo fortalecer o fundamento ético do esporte e promover a transparência, a democracia e a liberdade de expressão no esporte e está ligado ao Instituto Dinamarquês para Estudos Esportivos, uma instituição independente criada pelo Ministério da Cultura dinamarquês, cuja tarefa é criar uma visão geral e oferecer proposições para o campo do esporte nacional e internacional www.playthegame.org.

Pois bem. Mais do que falar sobre todas as pessoas que estão aqui (pessoas de dentro e de fora das instituições esportivas) gostaria de me deter no que costumamos chamar de postura. Há aqui vários professores, pesquisadores, ex-atletas olímpicos e jornalistas dos cinco continentes acostumados a lidar com temas sociais controversos ou complexos que estão incluídos no universo esportivo. Infelizmente no programa só há 3 brasileiros, embora muito se fale sobre a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. O que me surpreendeu nesse primeiro dia de trabalho foi a presença de vários goveranantes do chamado primeiro escalão como ministro do Parlamento Europeu e da Alemanha, presidentes de instituições esportivas, incluindo o Comitê Olímpico Internacional, UEFA.

Melhor eu me explicar. Essas pessoas não vieram até aqui para participar de uma cerimonia de abertura, tirar fotos, falar as coisas que se costuma dizer em cerimonias de abertura e depois ir embora. Esses dirigentes estão aqui para participar de um debate sério e maduro sobre temas como corrupção, doping, inclusão, gênero, violência para além de um discurso oficial que estamos tão acostumados a ouvir no Brasil. Na condição de organizadora de eventos de caráter nacional ou internacional vejo com que desprezo os convites são tratados por dirigentes que optam por não respondê-los, ou enviar, quase sempre de última hora, uma desculpa qualquer indicando pessoas do terceiro ou quarto escalão, em um jogo de faz-de-conta-de-que-temos-apreço-pelo-que-está-sendo-feito.

Vejo aqui uma disposição verdadeira de se enfrentar questões polêmicas e controversas sobre o futebol e o esporte olímpico de maneira geral, de forma madura como se espera que fenômenos dessa ordem mereçam. Vejo também que assuntos delicados como a pobreza ou as questões relacionadas com a Primavera Árabe também circulam por aqui, sem que para isso se fale de lado ou se cerre a boca com o receio de que cause constrangimento a alguém. Aí está a questão da postura.

Penso que esse é um desafio que temos que enfrentar para melhorar o nível das discussões que temos no Brasil. Observo com desapontamento que nossos congressos são encontros de pessoas conhecidas que têm receio de se enfrentrar como se a discordância no plano das idéias pudesse representar uma “briga”. Poucos entendem o quanto é importante apontar as dúvidas que uma afirmação contém para que o conceito se desenvolva e aí deveria residir a razão de ser dos nossos congressos.

Ontem participei de uma discussão a respeito do controle de doping e, na sequência, um dirigente trouxe a público uma polêmica envolvendo o voleibol. Estavam na mesa para debater o tema uma pessoa do COI e outra da UEFA. E de forma polida, mas firme, ambos apresentaram seus argumentos, contra-argumentos, sem haver, necessariamente consenso no final. Porém, para nós do público que ouvimos a discussão foi pedagógico, informativo. Fiquei com a disposição de buscar mais informação a respeito, inclusive porque fiz relação com algumas histórias contadas pelos atletas brasileiros dessa modalidade.

Hoje assisti a uma situação no mínimo curiosa para os nossos padrões. Um pesquisador da Dinamarca acabou de apresentar seu trabalho denominado “Anatomia dos Escândalos”, com uma metodologia bastante interessante de como avaliar um episódio polêmico no esporte. Aberto o debate várias pessoas fizeram comentários e alguns elogios até que uma pessoa da platéia se apresentou e iniciou sua intervenção dizendo: “discordo absolutamente do que você apresentou. Sua metodologia é frágil e seus resultados não se sustentam”. Precisou de alguns minutos para apresentar seu ponto de vista até que o pesquisador, de forma sóbria e elegante, defendeu seu trabalho, sendo ainda mais valorizado pelo público que assistia ao deabte.

Transparência é a palavra da vez aqui em Colônia. Há um entendimento da importância que o esporte tem para a sociedade contemporânea e a necessidade de mecanismos de controle sobre uma atividade que tem tantos envolvidos e desdobramentos. Não seria razoável da minha parte dizer que aqui se faz melhor as coisas que no Brasil. Estou entre pessoas originárias de países com culturas muito distintas da nossa e que, cada um com seu processo, construiu uma história de participação nos rumos de suas sociedades com maior ou menor grau de envolvimento, empenho ou violência. O fato é, aqui discute-se os rumos que devem tomar, por exemplo, os recursos públicos, como o controle da loteria e a sua aplicação. O que encanta nessa situação é que não é necessário a realização de um grande evento para que essas discussões sejam desencadeadas. A importância do esporte é inquestionável tanto quanto a crise econômica internacional, o combate à fome ou a cura do câncer. A razão de sua existência já é motivo suficiente para que se discuta os rumos que ele toma.

Como já afirmei em outras oportunidades sou uma otimista inveterada em relação ao Brasil e ao que estamos fazendo. Falo de nosso processo de desenvolvimento, do momento privilegiado que vivemos e tento interpretar nossas mazelas considerando nosso contexto cultural para que não seja interpretada precipitadamente como “coisas de tuipiniquins”. Vejo como somos criativos e esperançosos. Quando mostro as soluções criativas que encontramos para problemas novos ou velhos sinto a admiração de muitos e uma dose de inveja em outros. Hoje falava com uma pessoa da Bélgica sobre o papel das empresas brasileiras no financiamento de projetos relacionados com o esporte, que desejam um esporte “diferente” ele pensou um pouco e respondeu: essa pode ser uma saída. E na seqüência arrematou: você poderia me dar mais informações sobre isso?

De fato não somos melhores, nem piores, apenas diferentes. Confio e acredito que essa forma de ser e estar no mundo pode fazer a diferença nesse mundo atual. E para quem acreditou que o Brasil seria o país do futuro… pois bem, o futuro já é agora.

Por katiarubio
em 4-10-2011, às 13:39

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Comentários

Kátia,

Concordo plenamente com você. Falta uma discussão clara, aberta e transparente para que nós, da sociedade civil possamos opinar sobre os rumos do esporte brasileiro. Nestas contribuições, certamente surgirão diversas opiniões e casos interessantes, nos quais podemos nos pautar para a criação de políticas públicas na área esportiva.
Quando nos conhecemos, no seminário “Esporte pela Mudança Social”, esperava que lá estivesse aberto para este debate, com a demonstração de diferentes casos, nacionais e estrangeiros. Mas me surpreendi com uma intolerãncia e cerceamento à participação do público. Para mim ficou a impressão de algo “para inglês ver”. Na minha concepção os atletas que formam esse grupo poderiam se reunir, assim como professores das universidades públicas, representantes de clubes, gestores de futebol, entidades da área de esporte, representantes governamentais, empresas patrocinadoras, federações e confederações e o COB, e juntos, organizarem um fórum de debates sobre o esporte brasileiro. Que neste fórum sejam abertas propostas para discussão, assim como no “Play the Game”, colocando em cheque os programas e projetos. E que ao final, pudéssemos chegar a uma sugestão de modelo para o esporte brasileiro.
Parabéns pelo seu envolvimento e dedicação ao esporte brasileiro. Certamente isso ficará para sempre registrado na memória do nosso país. Um abraço. Murilo.

Murilo
A hora é agora, não tenho dúvida. Se nos levarmos a sério, como merecemos, podemos fazer muitas coisas. Há uma admiração profunda pelo que estamos fazendo e como “demos a volta por cima”. Nós, e mais ninguém, precisamos nos levar um pouco mais a sério, sermos corajosos para lidar com nossas defiências (ao invés de negá-las), buscando modelos participativos e não centralizadores. Tenho certeza que temos tudo para nos tornar um exemplo de sociedade para o século XXI. Temos muita experiência acumulada sobre adversidade e submissão e é isso que pode nos fazer estar a frente: tendo sido tão desrespeitados podemos mostrar como o mundo pode ser melhor com tolerância e respeito.

Por Murilo Santos
em 4-10-2011, às 15:00.

Katia,

É com muito prazer que li este seu post. Estou a 3 anos fora do país e acredito que posso perceber por experiencia própria que não temos mais problemas que os outros, apenas temos outros problemas.
Acho muito positiva a forma como voce escreve: reconhecendo a ausencia de mais brasileiros em um evento tão significativo como esse mas ao mesmo tempo reconhecendo que temos muitas qualidades também.
Fico realmente chateado quando converso com algum brasileiro que começa a falar de um problema do país e solta o famoso chiche: “só podia ser no Brasil” – a visão do brasileiro com relação ao primeiro mundo é erronea – problemas todos nós temos.
Esse tipo de reação de buscar exemplos bons lá fora e reconhecer nossa força é o que só traz benefícios.
Buscarei mais informações desse movimento e sua contribuição na escola
bjs
Mauro

Pois é Mauro
Todo vez que saio do Brasil, principalmente para participar desse tipo de evento, tenho mais vontade de trabalhar para fazer nosso país ser melhor. Ontem ouvi de um dinamarquês que somos criativos porque ainda acreditamos em mudança. E que eles já não têm esperança. Não é incrível ouvir de alguém que vive em um país com “tão pouco problema” que já não há mais esperança? É muito bom dormir e saber que amanhã há ainda muito a fazer.

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