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 Ao lembrar o recente passado, ainda como estudante na graduação, lembro-me de uma das perguntas que mais intrigavam os estudantes interessados no tema sobre a educação física escolar. "Qual o conteúdo que deve ser "ensinado" em cada bimestre?


 O currículo, quando definido a partir de concepções conservadoras como grade curricular ou listas de conteúdo, fortalecido desde 1918 pelo modelo prescritivo, talvez seja o maior obstáculo a ser superado ao lado de outros problemas que se colocam para o atual momento na Educação e ,mais particularmente , para a Educação Física.


 Mas que situações curiosas ou conjunturais estão sendo vislumbradas?


 Na escola, assim como na sociedade, a diversidade cultural está representada por negros, brancos, "pardos", homossexuais, criminosos, evangélicos, católicos, umbandistas e outros , misturados e/ou separados, em decorrência das múltiplas diferenças que hoje se colocam, somando-se àquelas originadas do maior ou menor poder aquisitivo, resultado do modelo de organização social, com base no modo de produção capitalista.


 E aqui talvez se encontrem fatos necessários para se entender o currículo nos dias atuais.


 Chegou-se ao fim da década de noventa com a vigência de parâmetros curriculares nacionais e uma "nova" Lei de Diretrizes e Bases(LDB) que, segundo o professor Pedro Demo nada tem de progressista pois foi produto de um Congresso Nacional Conservador, embora isto não signifique impossibilidade de encontrarmos espaços de resistência, na escola, conforme sugere o professor Henry Giroux.


 Os temas transversais, presentes nos PCN’s tratam de algumas questões "multiculturais", com elevada superficialidade, tais como: raça, gênero, alteridade, cultura. Noções que as teorias pós-críticas vêm apontando, em contraponto a outros conceitos como: ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, eficiência etc. Mas como estes são princípios básicos da educação sistemática, não significa que precisam ser abandonados, mas devemos pensá-los e agir no atual contexto educacional, articulando-os com os problemas multiculturais, que não são poucos. "O antigo explica o novo e o assimila, e o novo fortalece o antigo e o reorganiza"( Japiassu, 1976, p.124). Mas permanece a grande dúvida na Educação Física escolar a respeito dos conteúdos a serem desenvolvidos em cada bimestre, semestre ou ano.


 Talvez ainda não se consiga aqui listar os conteúdos programáticos clássicos, já "conquistados" em outras disciplinas. A atual LDB propõe que a Educação Física deve estar em consonância com o projeto político pedagógico da escola. E novamente levanta-se uma hipótese: o que fazer se a escola tiver um projeto político pedagógico "fictício"?


 Com elevada probabilidade, o problema nesta escola não diz respeito somente ao aprendizado na Educação Física, mas talvez em todas as disciplinas. Aprovações automáticas como as relatadas em alguns órgãos de comunicação, nas quais alguns alunos chegam ao terceiro ciclo sem dominar o ato de ler, escrever e contar, representam um dos aspectos graves por que atualmente passa a educação sistemática brasileira.


 "Embora, porém, as pessoas comuns não possam, em uma sociedade civilizada, ser tão bem instruídas como as pessoas de alguma posição e fortuna, podem aprender as matérias mais essenciais da educação_ ler, escrever e calcular_ em idade tão jovem, que a maior parte, mesmo daqueles que precisam ser formados para as ocupações mais humildes, têm tempo para aprendê-las antes de empregar-se em tais ocupações. Com gastos muito pequenos, o Estado pode facilitar, encorajar e até mesmo impor a quase toda a população a necessidade de aprender os pontos mais essenciais da educação." (Smith,1983,p.215)


 Mesmo com esta advertência de Adam Smith no século XVIII, os problemas na Educação continuam se agravando e , em particular na Educação Física com seus problemas "internos" a respeito de seu conhecimento e especificidade. O trabalho realizado a partir da cultura corporal/movimento sofre implicações que se pode considerar obstáculos para busca de seu conhecimento e especificidade. Questões religiosas, por exemplo, representam um dos obstáculos deste trabalho.


 Atualmente é notório o crescimento da população evangélica no Estado do Rio de Janeiro. Alguns estudantes, em virtude de orientações de seus pastores, recusam-se em realizar às aulas de Educação Física. E, se por acaso, o conteúdo for Capoeira, as " críticas" realizadas por este grupo social poderão ser ainda mais incidentes, em virtude de tal atividade ser considerada, oriunda da " macumba".


 Por enquanto, talvez sejam poucos os estudantes que manifestam esta posição. Mas hoje se constitui num dos problemas que o nosso currículo "oculto" apresenta, merecendo atenção dos professores de Educação Física, considerando-se que os evangélicos atualmente possuem uma expressiva participação no Congresso Nacional, inclusive e redes poderosas de comunicação. Se a recusa para realização de aulas de Educação Física parte hoje, de poucos indivíduos por questões religiosas, este problema deve se constituir em um dos alertas não só para aqueles que atuam nas redes de ensino públicas ou particulares, mas também na formação profissional , pois sua expansão pode trazer ainda, sérios problemas para os professores de Educação Física na escola. Logo, questões referentes ao multiculturalismo presentes nas discussões de diversas teorias sociais, em alguns estudos na educação e mais especificamente nos estudos sobre currículo, deveriam estar compondo as discussões sobre o currículo para Educação Física.


 A violência constitui-se em outro problema social e que percorre, por vezes, ocultamente, as escolas e por vezes explicitamente nas aulas de Educação Física. No ano de 1998, como muitos recordam, um estudante enviou de "presente’ uma bomba à professora no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro.


 Na obra "Escola, Galeras e Narcotráfico" ,da professora Eloísa Guimarães, apresenta-se um depoimento curioso de uma professora de Educação Física. Uma "galera" "oferece" a seguinte proposta à professora:_ "daqui para cá, você dá aula; daqui para lá a gente vai usar".( ibid,p.47).


 Recentemente, quando o ex Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro( Hésio Cordeiro) revitalizou os parques aquáticos dos CIEPS, mas sem fornecer adequada segurança, eles foram invadidos, causando sérios problemas para esses diretores.


 Estas podem ser questões locais, casos isolados, mas a ordem de problemas que se instala em virtude de uma série de diferenças, que não se resumem só a classes sociais, devem constituir-se em alerta para mudanças significativas pelas quais passa a sociedade. Diante disso fica a sugestão do professor Tomaz Tadeu da Silva para ser considerada:


 "Num cenário pós-crítico, o currículo pode ser todas essas coisas, pois ele é também aquilo que dele se faz, mas nossa imaginação está agora livre para pensá-lo através de outras metáforas, para concebê-lo de outras formas, para vê-lo de perspectivas que não se restringem àquelas que nos foram legadas pelas estreitas categorias da tradição." ( ibid,1999,p.147).


 Referências bibliográficas


 Demo, Pedro.(1997). A nova LDB-Ranços e avanços. Papirus, Campinas.
Smith, Adam. (1983).A riqueza das nações. Volume II. Abril Cultural.
Gonçalves, Luiz Alberto Oliveira. .(1999). Tempo/Espaço dos sujeitos socioculturais na Educação Física/Ciências do Esporte: uma perspectiva sociológica.(pp.92-99) Anais do XI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, caderno 2.
Guimarães, Eloísa (1998). Escola, galeras e narcotráfico. Editora UFRJ.
Japiassu Hilton(1976).. Para ler Bachelard. Editora Francisco Alves.
Silva, Tomaz Tadeu(1999). Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Editora Autêntica. Belo Horizonte. MG.