Resumo

Integra

Percebi o desconforto da jovem médica quando perguntei o que ela esperava do futuro. Não penso muito no futuro, respondeu, vou seguindo meu caminho de acordo com as oportunidades que surgem, com prioridade na minha família, no que pode ser feito de imediato.

Lembrei-me de alguns estudos de neurocientistas que descobriram que o tempo que imaginamos que ainda viveremos seria um fator importante para o nosso comportamento em geral. Jovens tendem a esperar mais tempo de vida do que os idosos, então os jovens se arriscam mais, dão prioridade para novas amizades, para viajar, conhecer novos países, tentar novas atividades profissionais e mudar o mundo. Enquanto os idosos tendem a se concentrar na família, escolher caminhos conhecidos, optam por conviver com parentes e amigos antigos e se arriscam menos, preferindo conservar o mundo.

A jovem médica estaria se comportando como uma idosa?

Talvez ela tenha razão em não querer pensar sobre o futuro. Imaginar o que estaremos vivendo daqui a alguns anos requer considerar os indícios no presente que apontam para aonde estamos caminhando.

A começar pela possibilidade do aquecimento global e suas consequências em nossas vidas. Não é fácil pensar sobre este problema de dimensão planetária, cuja solução transcende a cada um de nós, que sufoca em ansiedade àqueles que imaginam que viveremos tempos difíceis, enquanto provoca a ira negacionista daqueles que ainda não se convenceram da responsabilidade humana na crise climática.

Pensar sobre o futuro também implica em refletir sobre a crescente instabilidade das instituições sociais, que bem ou mal vinham garantindo a nossa existência em diversos níveis. Assistimos atualmente ao desmonte sistemático da estrutura pública, desde os serviços de saúde que nos protegem de doenças, epidemias e endemias, passando pela prevenção de enchentes e secas, pelo abastecimento de água, luz e alimentos, até o sistema de justiça social que deveria garantir nossa convivência pacífica.

Pensar no futuro é ter que encarar a progressiva precariedade do emprego, das condições de trabalho e da aposentadoria, de tal forma que a estabilidade de qualquer trabalhador em todos os níveis se tornou uma impossibilidade forjada pelos economistas encarregados de manter funcionando a exploração humana e a concentração de renda. Planejar uma vida futura sem saber se continuaremos empregados amanhã parece, portanto, uma perda de tempo.

Pensar no futuro requer imaginar se as regras democráticas continuarão a existir à medida que governos autoritários e populistas vêm desmontando os mecanismos que permitem a alternância de poder e o respeito às regras, as quais permitem a estabilidade de uma sociedade no longo prazo. É a constância das regras do jogo democrático que permite os grandes investimentos sociais no longo prazo. No entanto, eleições de populistas autoritários, como Trump e Bolsonaro, e a manutenção de ditaduras, como num país do tamanho da China, tornam o futuro tão imprevisível que voltamos a temer a possibilidade de grandes guerras mundiais, inclusive nucleares.

Pensar sobre o futuro significa reconhecer que estaremos cada vez mais submetidos aos novos modelos de manipulação social por meio de algoritmos eletrônicos e inteligência artificial nas redes sociais. Cada vez mais, poderosas estruturas de comunicação parecem determinar nossa vida e nossos hábitos, o modo de pensar o que devemos consumir em nossa alimentação, vestuário, cultura e lazer. Até mesmo as nossas ideias políticas e morais vêm sendo moldadas por robôs especializados em nos fazer acreditar que acreditamos em algo que mal compreendemos na superfície.

Pensar no futuro nos leva a indagar se a crescente desigualdade econômica entre pessoas, países e corporações continuará sem limites, fazendo com que a sociedade futura seja uma distopia perversa, na qual a maioria de nós será reduzida a uma massa desprezada de trabalhadores, consumidores ou desempregados, enquanto uma ínfima minoria concentrará quase toda a riqueza do planeta em suas mãos. Não é tranquilizador imaginar que viveremos numa sociedade de castas econômicas, na qual renunciaremos ao que ainda nos resta da ilusão de que a meritocracia poderia romper alguma das barreiras entre os bilionários e os pobres.

Sim, talvez nossa jovem médica tenha razão, é difícil pensar sobre o futuro. Até porquê, em última análise, significa considerar a inevitabilidade da nossa própria morte, o que acrescenta mais medo, insegurança e desejo de fechar os olhos, negar tudo o que nos ameaça.

Acuados pela perda de controle sobre nosso destino, perdemos a esperança de que podemos mudar o futuro e nada fazemos para evitarmos a destruição das florestas, a crise ambiental, a instabilidade no emprego, a competição econômica desenfreada, a destruição das instituições democráticas e a desigualdade crescente.

Então fechamos os olhos para o futuro, o que nos imobiliza no presente.

E o futuro a ele pertence. Ele, o presente.