Integra

A prática regular de atividade física é reconhecida como fator importante para promoção, proteção, manutenção e reabilitação da saúde física e mental.  Contudo, com a pandemia do coronavírus (SARS-CoV-2), academias de ginástica e outros estabelecimentos prestando serviços considerados não essenciais, tiveram que pausar suas atividades de forma a ajudar a conter a propagação do vírus. Depois de quase cinco meses, academias de ginástica em diversas regiões do país receberam “sinal verde” para retornar às atividades. Mas seria essa uma boa hora para liberar o funcionamento desses estabelecimentos?

Conquanto o número de infectados ainda seja elevado, o isolamento social prolongado pode ter consequências bastante graves para a saúde. Dados preliminares relatam o aumento do estresse agudo, ansiedade e depressão no período de pandemia. A psicologia do exercício nos mostra que existe uma relação bidirecional entre saúde mental e atividade física, assim, é possível que com a saúde mental prejudicada, as pessoas parem de praticar atividade física, se expondo ao risco de desenvolver condições fortemente associadas a um estilo de vida inativo. Estudo recente conduzido entre brasileiros adultos mostrou que de modo geral, 59.7% reduziram o tempo gasto em atividades físicas durante a pandemia, e que 42% aumentaram o tempo de comportamento sedentário.

Algumas pessoas podem argumentar que atividade física é essencial, mas academias de ginástica não. Particularmente entendo essa colocação e confesso que a usei como argumento por um bom período durante a pandemia, contudo, ao atingirmos a marca de 4 meses, percebi que esse argumento não leva em consideração a individualidade (i.e., “gosto”) de cada um. Estudamos bastante a questão do gosto e atitude frente a prática de atividade física e, simplesmente, algumas pessoas não tem gosto/motivação para se exercitar em casa ou ao ar livre. O gosto e a motivação estão em frequentar as academias.

Agora, talvez, o que seja o ponto principal desse texto.

Se as academias possuem um protocolo de segurança que segue e respeita as recomendações de orgãos de saúde pública com relação aos cuidados para minimizar o risco de infecção pelo novo coronavírus, similar aos que foram direcionadas para outros estabelecimentos como lojas, bares e restaurantes, eu penso que SIM, que é hora de reabrir. Caso contrário, NÃO, pois, estariam reabrindo para facilitar a propagação do vírus e não para promover a saúde das pessoas.

Sabemos que a academia pode ser considerada um ambiente desfavorável à proteção contra a COVID-19 e que a realização de atividades físicas em casa ou ambientes abertos é mais recomendada nesse momento. Isso porque, em ambientes fechados como academias, existe um constante contato das mãos com superfícies que outras pessoas tocaram, o que envolve o risco de transmissão, tendo em vista que o coronavírus sobrevive por até 3 dias em superfícies como plástico e aço.  

Por outro lado, parece estar claro, que o uso de máscaras, constante higienização das mãos e superfícies, e evitar tocar o rosto, são formas eficazes de evitar ou pelo menos reduzir a possibilidade de infecção pelo novo coronavírus. Mas aqui, temos um problema. Nesse momento de reabertura das academias, alguns estabelecimentos e clientes podem vislumbrar uma oportunidade de recuperar “o atraso”, “o tempo perdido”. Mas o que isso quer dizer?

Eu mencionei que se as academias seguirem e respeitarem as recomendações de orgãos de saúde pública, eu penso que SIM, que é hora de reabrir. Isso inclui a abertura em horários reduzidos para garantir a higienização completa e minuciosa do espaço. Porém, ao tentar recuperar “o atraso” alguns estabelecimentos podem, para agradar clientes, permitir que um número excessivo de pessoas (além do que é seguro/recomendado) estejam dentro do estabelecimento no mesmo horário (observamos isso quando da reabertura de bares e restaurantes em São Paulo e no Rio de Janeiro). Para evitar aborrecimentos e possível perda de cliente, alguns proprietários podem não obrigar clientes a fazer uso de máscara (o que deve ser obrigatório), e até mesmo fazer “vista grossa” para exigir a limpeza de equipamentos por parte do cliente que acabou de utilizá-lo. Acrescenta-se a isso a possibilidade dos clientes encararem a reabertura como um “agora voltou ao normal” e querer frequentar o estabelecimento todos os dias.

Em resumo, estamos diante de um dilema. As evidências científicas sobre os benefícios da prática regular de atividade física apontam para benefícios diretos na saúde física e mental. Por outro lado, há o risco iminente da transmissão do vírus em ambientes em que as recomendações dos órgãos de saúde pública não sejam devidamente adotados.

Diante disso, sou favorável a uma reabertura gradual, rigorosamente controlada. Nesse sentido, os estabelecimentos devem funcionar com horário marcado e não permitir que clientes frequentem o espaço mais que 3 vezes por semana. Clientes devem ter de 45-50 minutos para treinar e os 15-10 minutos restantes para o fechamento da hora, os estabelecimentos devem usá-lo para higienização do ambiente. Conquanto treinar com um amigo torna o treino mais agradável e até mesmo mais produtivo, clientes devem evitar treinar no mesmo horário que amigos, para evitar possíveis aglomerações. 

Se seguido o protocolo de segurança: a) trabalhar em horários reduzidos, b) realizar a higienização entre blocos de clientes, c) não exceder o número apropriado de pessoas para o tamanho do estabelecimento, d) fazer agendamento de clientes e não permitir que se exercitem mais que 3 vezes por semana e não permanecer mais que 50 minutos dentro do estabelecimento, e) exigir o uso constante de máscara dentro do ambiente (clientes e funcionários) e do recomendado distanciamento entre as pessoas e, f) ofertar estações de higienização em número suficiente, acredito que o risco de contaminação não é superior ao risco observado ao se frequentar supermercados ou passar horas em filas de bancos.

Para que a reabertura funcione, é indispensável uma ação conjunta entre os proprietários dos estabelecimentos e os frequentados, sendo responsabilidade dos primeiros a garantia das condições exigidas pelos órgãos de saúde pública e dos segundos a compreensão de que é preciso entender que essa reabertura depende de nós, depende da nossa capacidade de cumprir nosso papel enquanto cidadãos conscientes e socialmente responsáveis.

Referências

Schuch F, et al. (2020). Moderate to vigorous physical activity and sedentary behavior change in self-isolating adults during the COVID-19 pandemic in Brazil: A cross-sectional survey exploring correlates. MedRxiv; https://doi.org/10.1101/2020.07.15.20154559

van Doremalen N, et al. (2020). Aerosol and surface stability of SARS-CoV-2 as compared with SARS-CoV-1. New England Journal of Medicine; 382(16):1564-1567 doi: 10.1056/NEJMc2004973

 

Acessar