Resumo

Tendo estabelecido um novo paradigma no mercado dos jogos digitais e se tornado referência para jogos do gênero, World of Warcraft (BLIZZARD, 2004) é o mais conhecido e referenciado, como também o mais jogado entre os MMORPGs pagos (multiplayer massive online role playing games). No universo virtual lúdico do jogo, milhares de jogadores, de diversas idades, de diferentes contextos socioculturais e de vários lugares do globo se reúnem para jogar, competir, interagir e socializar. O objetivo do trabalho foi interpretar, no contexto da comunidade brasileira de jogadores, como diferentes experiências de jogar são construídas a partir do entrelaçamento entre o jogar e o interagir. Para tanto, como recurso metodológico, utilizou-se da pesquisa etnográfica no ciberespaço, da coleta de dados por meio de questionário (251 respondentes), entrevista (8 entrevistados) e análise documental no fórum oficial do jogo. Argumentou-se que a) World of Warcraft é uma atividade de lazer essencialmente doméstica, inscrita na dinâmica do lar e vinculada aos compromissos a ela relacionados, sempre mantida em permanente e constante articulação com outras atividades de rotina e obrigações cotidianas, tais como trabalho, estudo, cuidados de si e dos outros, etc.; b) há uma heterogeneidade de sentidos e significados atribuídos pelos jogadores à prática, com predominância da lógica performática e competitiva; c) a performance, realizada de diferentes maneiras, principalmente na demonstração de superioridade através de habilidade e conhecimento e no acúmulo de bens simbólicos, é o elemento central do jogo, tornado possível somente pela sua natureza social, porém se estabelecendo em condições desiguais de competição, mas dissimuladas por um conjunto complexo de variáveis que a determina; d) o jogo não é construído ou posto em funcionamento como nos jogos digitais single-players tradicionais, somente pela sua estrutura, arquitetura e mecânica – previamente determinadas pelos desenvolvedores – mas sim pela inter-relação dessas com uma complexa e fortemente arraigada dinâmica social, a qual regula, orienta, molda e determina maneiras de jogar e formas de agir e se comportar no jogo, e que não é formada senão pela relação interdependente dos jogadores uns com os outros no contexto do jogar; e) a sociabilidade, considerada pedra angular dos jogos do gênero, parece fundamental para a participação de certos jogadores, que investem no jogo visando a manutenção e consolidação de laços sociais, seja laços oriundos do próprio jogo ou anteriores e exteriores a ele (família, colegas de estudo ou trabalho, etc.); f) contudo, em que pese o valor atribuído por alguns à sociabilidade, parte do jogar não se realiza coletiva mas individualmente (estado que denominei sozinho, mas junto), ou então, quando realizada coletivamente, comumente não se verifica disposições por parte dos jogadores também no sentido de tentarem estabelecer relações sociais com vista à construção desses laços (junto, mas sozinho); g) no universo virtual do jogo as relações não são necessariamente harmônicas e nem sempre a interação se dá de forma amistosa, cordial ou pacífica. A presença de jogadores – distantes fisicamente mas virtualizada através de seus avatares – institui relações de poder decorrente dos desafios do jogar, especialmente capitalizada em função dos diferentes níveis de saber e saber fazer; h) em virtude da sensação de ausência de monopólio da violência, relativa frouxidão do autocontrole e regulação da conduta no ambiente online, há possibilidades de que com o desgaste das relações, com a colisão de interesses e com as disputas por privilégios, reconhecimento e prestígio, se instaure esporádica ou permanentemente estados sociais de relativo desconforto, frustração e crise, eventualmente descambando para situações de intenso conflito e até mesmo violência simbólica. 

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