Resumo

                

Integra

Há pouco mais de 9 anos, publiquei, aqui mesmo no Centro Esportivo Virtual, um texto intitulado “Um dia de lições para o futebol brasileiro”, horas após o fatídico 7x1 que levamos da Alemanha e que resultou em nossa eliminação na Copa do Mundo de futebol masculino, em pleno estádio do Mineirão, na cidade de Belo Horizonte/MG.

Àquela época, meu foco esteve na preparação psicológica da seleção brasileira masculina, nitidamente aquém do esperado diante de uma competição de tamanha importância, e na ausência de um profissional da psicologia esportiva na comissão técnica.

Em relação aos aspectos de preparação psicológica desta seleção feminina, foco secundário neste texto, vale destacar que, diferentemente da seleção masculina eliminada em 2014, a feminina foi à Austrália acompanhada de uma psicóloga do esporte, Marina Gusson, que, muito elogiada por seus pares, certamente deu a sua contribuição à equipe. Alguns podem estar se questionando agora: E o que adiantou? Certamente, adiantou muito! Mas vale destacar que a presença de uma psicóloga do esporte na comissão técnica da seleção não é garantia de que as vitórias e conquistas virão, mas sem essa profissional, as dificuldades seriam ainda maiores.

O preparo psicológico de uma equipe não acontece “de um dia para o outro”. Assim como nenhuma atleta passou a se preparar fisicamente para a competição ao ser convocada, não se pode esperar que isso aconteça no âmbito psicológico. É preciso que os clubes, desde o início da formação esportiva, tenham essa profissional nas suas comissões técnicas, com condições para fazer bem seu trabalho, e não requisitando-a somente para “apagar incêndios”. Somente a longo prazo poderíamos dizer que as atletas estão bem-preparadas mentalmente para jogar em alto nível numa competição desta grandeza e importância.

Ainda assim, é fato que a seleção brasileira não apresentou futebol convincente nesta Copa do Mundo. A vitória na primeira partida acabou mascarando para grande parte do público alguns problemas (que toda equipe possui, vale destacar) de ordem técnica, tática e psicológica. Mas chamou-me a atenção o aparente nervosismo e ansiedade no jogo contra a Jamaica. A seleção começou o jogo como se já estivéssemos nos acréscimos. Os erros de passe, algo que já nos chamava a atenção, tornaram-se ainda mais frequentes e evidentes. Muitas decisões foram tomadas equivocadamente. Pouquíssimas ações ofensivas individuais foram bem-sucedidas. O medo de errar pareceu mais forte do que a vontade de acertar. Enfim...

Fato é, que 9 anos depois, sofremos mais um duro golpe. Mas, dessa vez, no futebol feminino. Após muita euforia (pela imprensa e torcida, sobretudo) acerca da participação da seleção brasileira feminina na Copa do Mundo da Austrália, nossa seleção foi eliminada ainda na fase de grupos, após empate sem gols com a seleção da Jamaica. Ainda que tenhamos clareza dos limites da nossa seleção, era impensável que não nos classificaríamos em um grupo que contava com as seleções que ocupam, nesse momento, somente a 43ª 52ª posição no ranking da FIFA, Jamaica e Panamá, respectivamente.       

São muitos pontos que gostaria de levantar para nossa reflexão neste texto. Didaticamente, e para que o texto não fique demasiadamente extenso, vou desenvolver meu raciocínio por tópicos.     

 

- Apoio, incentivo e condições estruturais:

É inegável o quanto o futebol feminino tem crescido “fora de campo”. As conquistas extracampo já são muitas, mas, sem dúvidas, há muito a se fazer ainda.

O primeiro grande destaque cabe à profissionalização das atletas e da gestão. Aumentou-se os salários e premiações, criou-se novas competições, fortaleceu-se as que já possuíamos, ampliou-se a visibilidade, investiu-se na formação de novas jogadoras, mas ressalto, há muito ainda que se fazer.

A própria contratação da treinadora Pia, já eleita a melhor treinadora do mundo, é um sinal de que algo foi feito para alavancar o crescimento do futebol feminino no Brasil. Se dentro de campo podemos questionar seus resultados, certamente sua vinda contribuiu muito para a evolução que temos notado dentro e fora de campo.  

Alguns se apoiarão no discurso de que empatamos com uma equipe de dependeu de “vaquinha” para ir à Copa do Mundo. Eu prefiro me apoiar no discurso do presidente da CBF que prometeu mais investimentos e a criação de novas competições para as jovens atletas. E no discurso da melhora jogadora de futebol de todos os tempos, a Marta, no qual disse que o futebol feminino está crescendo, a preparação da seleção feminina de futebol está só no começo e, portanto, requer ainda muito apoio e incentivo.

Temos que criar condições para que, cada vez mais, meninas se interessem e pratiquem o futebol... nas escolas de educação formal, nos projetos sociais, nos clubes esportivos e nas escolas de esporte. Investir na acessibilidade à prática esportiva e dar às praticantes melhores condições para se desenvolverem, é fundamental!

É preciso dar aos clubes do Brasil como um todo, no mínimo as condições que possuem os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Não à toa, estão em São Paulo e Rio de Janeiro as melhores competições estaduais. Não à toa, das atletas convocadas que atuam em clubes brasileiros, todas jogam por equipes de um destes dois Estados. Na competição nacional, a grande maioria dos clubes é da região sudeste. Em campeonatos regionais, há Estados que possuem competições com menos de cinco equipes. É fundamental que as competições de base, e também as profissionais, tenham um calendário competitivo mais forte. É preciso jogar mais! Enquanto Corinthians e Palmeiras disputaram quase 50 partidas, há equipes que não jogaram nem 10.

Há muitas barreiras ainda a serem rompidas, mas creio que, neste aspecto, estamos no caminho certo. Crescendo e evoluindo. É preciso apostar no trabalho que tem sido feito e dar ao futebol feminino todo apoio que ele merece!

 

- Sobre o jogo em si e os métodos de treinamento   

Se por um lado é indiscutível que nossa seleção brasileira teve um desempenho e resultado muito aquém do esperado, por outro, também é indiscutível que temos atletas de qualidade e grande potencial. Boa parte delas joga em grandes equipes das ligas mais fortes do futebol mundial. Por que então fomos eliminadas na primeira fase? Porque jogamos mal! Ponto. Agora, cabe a reflexão: Por que jogamos mal?

A forma como lidamos com a pressão depositada e a ansiedade demonstrada na partida contra a Jamaica, conforme já tratado acima, podem nos dar algumas pistas, afinal, atletas desta qualidade não costumam errar passes fáceis como erraram neste jogo, finalizar tão mal como finalizaram, tampouco apresentar tamanha fragilidade para furar a defesa (boa, por sinal) da seleção jamaicana.  

Diante de defesas muito bem postadas, além de não confundir velocidade com pressa, é fundamental que tenhamos atletas criativas, que improvisem, que se sobressaiam no “um contra um”, que tenham capacidade de resolver de modo autônomo os problemas que o jogo nos coloca.

E driblar cones ou treinar realizando outras ações descontextualizadas do ambiente de jogo, em nada contribuem para isso. Não estou querendo dizer que as atletas da seleção brasileira tenham se formado a partir de treinos analíticos-sintéticos, afinal, não tenho conhecimento de como são os treinamentos da seleção brasileira, muito menos, nos clubes que passaram no decorrer da sua formação esportiva.

Por outro lado, apesar do significativo avanço no âmbito da pedagogia do esporte, na qual inúmeras teorias foram criadas e partilham a necessidade de rompermos com a prática pedagógica analítica, é ainda muito comum passearmos pelos campos (dos clubes, praças e escolas de esportes) e vermos nossas crianças, jovens e adultas driblando e conduzindo a bola entre cones, com seus treinadores e professores priorizando elementos fragmentados do jogo, identificando as necessidades associadas ao gesto motor, à técnica dos fundamentos, sem a preocupação com a tomada de decisões exigidas durante o jogo.

O futebol de rua, que muito contribuiu para a formação (humana e esportiva) de meninos que praticavam futebol, infelizmente tem pouco impacto no desenvolvimento das meninas, afinal, historicamente esse espaço e prática sempre foram negados a elas. Aquelas poucas que conseguiram se destacar profissionalmente, inclusive, contam que aprenderam a jogar bola com os meninos na rua. Por outro lado, nada nos impede que levemos aos clubes, projetos sociais e escolas de esporte uma pedagogia da rua. É fundamental desenvolver e consolidar, no futebol feminino, um jeito brasileiro de jogar futebol, que reconheça e identifique a nossa cultura.

Nesse aspecto, é também importante que a nossa treinadora, por melhor que seja, conheça mais profundamente nossa cultura e nos ajude a jogar o futebol brasileiro. Não o futebol sueco ou norte-americano. Para que as brasileiras joguem bem, elas precisam jogar o futebol brasileiro, mesmo que defendendo, na maior parte do tempo, clubes estrangeiros e disputando as ligas internacionais. Falando nisso, como parte deste investimento, ao qualificar positivamente as condições de trabalho dos clubes brasileiros e fortalecer nossas competições, criaremos condições para que nossas melhores atletas joguem no Brasil e não na Europa, contribuindo ainda mais com o desenvolvimento e fortalecimento do futebol feminino brasileiro.  

Tal qual nos aspectos psicológicos e estruturais, formar atletas nesta perspectiva pedagógica também envolve um processo. Envolve tempo, prática, investimento, estudo. Mas trazer para os campos o que as teorias da pedagogia comprovaram cientificamente como mais coerente e eficaz, e romper com tamanha resistência dos treinadores e professores, parece-me ainda mais desafiador, pois condições para isso, já temos mais do que suficiente.