Resumo

O desenvolvimento acadêmico da Educação Física brasileira foi marcado por críticas que perduram até hoje. A mais enfática aponta para uma suposta falta de identidade na produção científica da área, conseqüência da incorporação indiscriminada de teorias e métodos das chamadas "ciências-mães" (biologia, sociologia, fisica, etc.). No cenário internacional, essas críticas fizeram surgir a chamada "crise de identidade" da Educação Física, movimento que influenciou as primeiras discussões epistemológicas na área. O objetivo deste trabalho foi analisar possíveis impactos desse processo na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP). Além do estudo de caso, a metodologia consistiu em entrevistas em profundidade com um grupo de nove docentes da instituição. Os dados foram analisados pelo método da "análise de conteúdo". Posteriormente, foram comparados à revisão de literatura e ao referencal teórico adotado, ou seja, o conceito de "campo" e "habitus", de Pierre Bourdieu. Acompanhando as tendências da literatura, os resultados evidenciaram a predominância de críticas dos docentes ao modelo científico praticado pela EEFE-USP. Tais críticas apontaram para uma descaracterização da produção científica da área, em função do distanciamento da Educação Física de seu objeto de estudo (movimento humano). Para os docentes, isso estaria evidente no surgimento de "subdisciplinas" como a fisiologia do exercício, a biomecânica e a sociologia do esporte, as quais estariam produzindo conhecimentos muito mais pertinentes às ciências-mães do que à própria Educação Física. Frente ao referencial teórico, o modelo de ciência adotado pela EEFE-USP mostrou-se como uma estratégia importante para a aquisição de "capital científico" pela instituição, ou seja, para a aquisição de respaldo teórico e metodológico para legitimar sua presença na universidade. Essa estratégia de apropriação das teorias e métodos das ciências-mães foi a responsável por romper o "habitus" (condicionamento) de prática pela prática que imperava na EEFE-USP. Concluiu-se que a "crise de identidade" da Educação Física pode ser compreendida não como um fator desabonador, como é freqüentemente retratado, mas como um processo natural e necessário que levou ao aumento de "capital científico" da área, legitimando-a nos domínios acadêmicos e, até mesmo, permitindo que seus estudiosos elaborassem matrizes teóricas próprias, como no caso da Ciência da Motricidade e da Cinesiologia.

Acessar