Integra

 O "Programa de Educação Tecnológica com Setores Populares" (Projeto SERVIR) foi implantado como atividade de extensão em 1991. É desenvolvido pela Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) e inserido no Departamento de Extensão e Assuntos Comunitários (DEAC) do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca do Rio de Janeiro (CEFET - RJ). Desde sua implantação vem sendo desenvolvido com grupos organizados da sociedade civil e, órgãos estaduais e municipais.
 Os alunos são jovens que residem em comunidade de baixa renda, na periferia do CEFET - como Mangueira, Boréu, Jacarezinho. São estudantes da rede oficial de ensino do município do Rio de Janeiro, preferencialmente estando entre a 5a e a 7a séries (possibilitando um período de, pelo menos, dois anos no projeto).
 O objetivo geral do Projeto SERVIR é criar condições para que estes jovens possam melhorar o desempenho escolar no sistema de ensino que freqüentam e, participar do trabalho em condições mais favoráveis - sendo que o aluno não é tratado como um recipiente a ser rotulado ou uma mercadoria a ser qualificada. Ou seja, ele não é tratado enquanto algo a ser moldado numa embalagem que facilite a sua entrada no mercado de trabalho. O objetivo principal deste projeto encontra-se na formação/fortalecimento de uma consciência mais crítica e na melhoria da qualidade de vida da população, através da solução de problemas básicos que afetam o seu dia-a-dia. Solução esta que pode ser viabilizada, em alguns casos, a partir de um maior acesso à tecnologia.
 O SERVIR está estrutura em três fases específicas e integradas:

1a fase: Formação Básica: educação e trabalho. Tem como objetivo específico de criar proposta integrada de Iniciação Tecnológica (mecânica, construção civil, eletrotécnica e eletrônica) e Cultura Geral (português, matemática, etc.);

2a fase: Oficina da aprendizagem. Aqui o princípio fundamental é a valorização do Trabalho - este sendo entendido em suas diferentes formas e concepções, negando uma possível visão historicamente homogênea. A qualificação aliada a uma mentalidade mais solidária e coletiva, com maior participação de todos. O conhecimento do "mundo do trabalho", com suas contradições e realizações, torna-se um campo de aprendizagem;

3a fase: Associações tecnológicas. Estas associações visam desenvolver um empreendimento produtivo dos serviços tecnológicos. A autora deste trabalho não presenciou a implantação desta fase.

 A Educação Física foi introduzida ao projeto devido à solicitação dos alunos, os quais queriam atividades físicas e esportivas. A atuação desta professora enquanto colaboradora justifica-se no fato dos professores regulares da instituição não terem disponibilidade, em sua carga horária regulamentar, para atender ao SERVIR - já que este é uma atividade de extensão.
 Os princípios norteadores do trabalho iniciado identificavam-se com as metas do projeto como um todo - democratização do saber e melhoria da qualidade de vida. Também procurou refletir, com os alunos, sobre a questão do Trabalho - pois, ao existir um tempo objetivo para a sua realização, dialeticamente, podemos afirmar que também existe um tempo objetivo para o não trabalho: momento em que o tempo disponível pode permitir o lazer e a recreação. Um lazer não mecânico (sinônimo de refazer as energias necessárias ao desempenho do trabalho), mas como parte essencial das relações humanas e sociais.
 Em relação à todo o projeto, o desenvolvimento da Educação Física começou a acontecer dois anos e meio após a sua implantação (2o semestre de 93). Não foi implementada antes, pela equipe central, por não ter sido fácil conseguir espaço físico em horário compatível com as demais atividades desenvolvidas pelo projeto. Além disto, as atividades físicas e esportivas oferecidas aos alunos do 2o e 3o graus do CEFET também eram realizadas em horários que coincidiam com as oficinas do programa. Como está agora?
 Por tudo isto, as aulas transcorreram nas instalações de um grande centro desportivo localizado nas imediações do CEFET, tendo à nossa disposição uma quadra, a sala de judô e, um pequeno banheiro - em um dia da semana (6a feira, dia em que o parque desportivo não tinha atividade sendo realizada). O material utilizado era emprestado pelo Coordenador de Educação Física do CEFET, no início do dia, sendo devolvido no final do mesmo.
 Inicialmente, foi discutido com os alunos o que faríamos (planejamento participativo). De imediato, constatamos que as práticas esportivas institucionalizadas eram as mais desejadas por eles: futebol, vôlei, basquete e handebol.
 Esta discussão inicial fez parte de uma rotina, sempre considerando seus interesses, experiências e vontades (necessidades manifestadas). Consideramos isto fundamental quando acreditamos serem os jogos e esportes formas de representação simbólica, estando impregnados de elementos da realidade em que vivemos, criamos e, socialmente, desenvolvemos.
 Com esta perspectiva, as atividades realizadas não estavam objetivando a performance através da imposição e prática das regras de um determinado desporto, da execução perfeita de gestos esportivos desprovidos de significados.
 Através da prática do que era possível (em relação aos interesses deles e, ao tempo e espaço disponíveis), tentávamos viabilizar satisfação pessoal de cada aluno - ao poder estar participando de uma atividade física desejada, em local seguro, com seus colegas de curso (muitas vezes, vizinho); valorizávamos esta experiência estar sendo desenvolvida em grupo - o qual vive uma realidade muito próxima; introduzíamos discussões vinculadas à prática esportiva e sua relação com nossa realidade social - como exemplos: a não disponibilidade de tempo e espaços de recreação e lazer para todos / a ampliação do conceito de saúde, enquanto um bem estar físico, psíquico e relacionada às condições sociais.
 Esta discussão não foi rápida, nem de fácil realização. É um processo lento - o qual implica na verbalização / dramatização das condições de vida, procurando vislumbrar e acreditar na possibilidade de reversão desta realidade - através de ações na realidade: seja na formação de grupos organizados para desenvolver atividades físicas e culturais no local em que moram; seja através da reivindicação junto aos órgãos públicos para a construção e manutenção de áreas apropriadas para recreação e lazer.
 A participação nas aulas de Educação Física tinha a presença opcional - principalmente porque o horário disponível não era de fácil acesso para todos. Procurou realizar atividades em conjunto com o setor cultural e pedagógico.
 O divulgar desta experiência tem a objetivo de dizer que é possível a contribuição efetiva da Educação Física - enquanto uma prática social com intencionalidade pedagógica - em um projeto de iniciação tecnológica. Trata-se, hoje em que vivemos uma verdadeira "revolução tecnológica", de relevada importância quando não queremos contribuir para que os frutos desta "revolução" sejam elementos de aprofundamento de desigualdade políticas, sociais, econômicas e culturais.
 O grupo responsável pelo SERVIR acredita que o projeto possa ser utilizado como referência para o desenvolvimento de outros trabalhos similares, em diversas instituições federais, estaduais ou municipais - desde que tenham como preocupação básica a preocupação central com a Democratização do Saber e a Melhoria da Qualidade de Vida da População.

Referências Bibliográficas:

Coletivo de Autores - Metodologia do Ensino da Educação Física .Cortez Editora, SP, 1992
Gomes, C.- Trabalho e Conhecimento. Cortez Editora, SP, 1987
Vale, Ana Maria do - Educação Popular na Escola Pública. Cortez Editora, SP, 1992
Valle, Lilian do - O Lazer como Resistência. Revista Fórum Educacional, FGV/RJ, vol. 12, n. 4, dez/88