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Passou o carnaval. Com ou sem pandemia, muitas escolas já funcionam em regime presencial ou à distância. A vacina – mesmo escassa – já está chegando aos mais velhos e a quem precisa por razões concretas. Desprezo quem tentou furar a fila e não gastarei linhas preciosas de reflexão sobre a falta de caráter.

E, se o ano começou de fato, é o momento de falar de Jogos Olímpicos.

Aqui estamos nós quebrando uma tradição quadrienal. Ano ímpar, incertezas, impopularidade e para aumentar a emoção uma troca inesperada no comando do Comitê Organizador. Faltando poucos meses para a abertura da grande competição o mundo foi surpreendido, há poucos dias, com uma fala pouco olímpica do então principal mandatário dos Jogos, Yoshihiro Mori.

Em um pronunciamento desastroso e atemporal insultou as poucas mulheres que fazem parte do Comitê Organizador com comentários machistas e sexistas. Para a surpresa do octogenário dirigente suas palavras causaram repercussão negativa não apenas entre as mulheres como também entre outros dirigentes e patrocinadores dos Jogos Olímpicos em todo o mundo.

Sinal do tempos. Mesmo para a educada sociedade japonesa argumentos preconceituosos contra as mulheres já não cabem no século XXI, ainda mais em se tratando de Movimento Olímpico que tanto tenta se alinhar com as questões sociais do presente.

E para surpresa de alguns e felicidade de muitos a pessoa que substituirá o desastrado Mori será uma mulher. Exatamente isso. Seiko Hashimoto, uma pós-atleta olímpica com participação em Jogos Olímpicos de Verão (no ciclismo) e de Inverno (na patinação de velocidade), terá como desafio realizar Jogos irrealizáveis. Seiko era uma das únicas mulheres ministras no gabinete do primeiro-ministro Yoshihide Suga. Isso por si já quer dizer muita coisa: ser atleta é apenas um dos papeis sociais desempenhados por essa mulher chamada agora para dar conta de uma crise.

Em uma sociedade dominada pelo patriarcado e com valores culturais muitos distintos do Ocidente tem agora uma mulher à frente do maior desafio japonês dos últimos anos. É curioso pensar que em um passado não muito distante na terra dos Shoguns a mulher devia caminhar nunca ao lado, mas sempre alguns passos atrás do homem e bebia seu chá em uma xícara menor do que a do patriarca.

O Japão mudou, como mudou muita coisa no mundo, em diferentes direções. O protagonismo feminino na gestão do esporte ainda continua com uma defasagem histórica que chega a causar espanto. Claro está que além da crise política gerada por um discurso anacrônico e estabanado de um senhor que ainda pensa que a mulher está no ambiente para servir sua tigela de arroz e seu copo de saquê é um sinal para o mundo, e em particular, para a família olímpica.

Se os Jogos Olímpicos são o maior espetáculo do mundo, e há muito deixou de ser apenas uma competição para ser um imenso negócio, é preciso tratá-los com o cuidado com que se cuida de grandes empresas e grandes negócios. A crise sanitária tem mostrado isso. A maioria da população japonesa quer adiar os Jogos, outra parcela considerável quer o cancelamento e menos de 20% quer a realização da competição. As palavras descuidadas do ex-dirigente ampliam ainda mais o cenário de crise já instalado.

Seiko vem desfazer esse equívoco. Certamente utilizará de todo o seu repertório de atleta, e medalhista, para colocar o trem olímpico nos trilhos. E, de quebra, afirma que atletas são muito mais do que seres com corpos habilidosos. Atletas podem ser tudo aquilo que o desejo aponta e a sociedade espera e precisa.