Integra

Paulo Freire, que estudava e atuava na área da educação com especial atenção às relações entre docentes e discentes, contribuiu significativamente para nossa formação acadêmica e, consequentemente para nossa atuação profissional e, portanto, procuramos estudá-lo a fim de compreender melhor as relações interpessoais entre professores e alunos e seu possível impacto no campo da Educação Física.

Pretendemos por meio deste trabalho contribuir para uma reflexão acerca dos pressupostos teóricos de Paulo Freire implicadas numa pedagogia para a educação física, uma educação física transformadora, progressista, crítica, portanto, afetiva, ética, etc.

Temos aqui algumas discussões acerca desta tão sonhada educação, onde educadores e educandos construirão juntos seus conhecimentos; a relação entre eles deverá ser a mais próxima possível, mas presidida pelos aspectos racionais, pelo esclarecimento, pela responsabilidade etc.; o aluno não será apenas o oprimido e o professor o opressor, terão liberdade sem que o respeito, entre eles, seja negligenciado; o educador deverá ter consciência de que não há docência sem discência; respeitar a autonomia dos educandos; procurar desvelar a realidade; dialogar com o educando sobre os problemas à sua volta; e ter consciência de que ele é um ser inacabado como o educando, disponibilizando-se para o diálogo para que o aluno também tenha consciência disso e se convença de que ensinar não é apenas transferir conhecimentos, mas tomar possível a sua construção ou a sua produção junto com seus educando (Freire, 1996)

Pretendemos com este estudo estimular os professores de educação física a buscarem novas possibilidades de atuação didático-pedagógica, preferencialmente aquelas não se utilizem do autoritarismo, da força ou qualquer outro recurso de coação, ao contrário, que busquem saídas no campo democrático, pois só assim teremos alguma chance de reconstruir relações sociais mais ricas e fecundas para assim, quem sabe, apreciar o crescimento pessoal de nossos alunos.

Docência e discência

Alguns pontos nos parecem indispensáveis a uma educação emancipatória. Por ser processual, a educação deve ser uma construção coletiva que busque levar os alunos a uma percepção do mundo de forma crítica e autônoma.

Alguns educadores pensam que ensinar é apenas transferir conhecimentos, aqueles mesmos que lhes foram transmitidos são retransmitidos para seus alunos, o chamado ensino bancário. Para Freire (1983), na perspectiva bancária, o educando é um repetidor de idéias, é um ser programado para receber e repassar, sem modificar, sem recusar, sem criticar, sem se rebelar. Os aluno que não aceitam tudo que o professor diz é o "aluno-problema", os outros são os "bons alunos", aqueles que colaboram com a aula ajudando o professor sem questioná-lo. Não estamos dizendo que todos os alunos devam recusar sistematicamente tudo o que for transmitido pelo professor, mas que os alunos, ao participarem ativamente do andamento da aula, da construção do conhecimento, tenham liberdade para exercer sua criticidade. É inegável que quem ensina aprende e o aluno ao aprender também ensina, não há ensino sem aprendizagem nem docência sem discência.

Paulo Freire crê em uma curiosidade crescente nos educandos; que potencializado pelo educador, levará os alunos a se tornarem cada vez mais criativos e críticos: "...quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando de ’curiosidade epistemológica’, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto" (1996, p.27).

Esta curiosidade epistemológica é a consciência de que somos inacabados, históricos, e que mudanças são possíveis, tanto em nós educadores e educandos como também, por conseqüência, em nossa sociedade. Quando o educador sabe da importância da autonomia de seus educandos, apesar da tarefa árdua, abre a possibilidade de levar o aluno a perceber que ser crítico não é ser "do contra", mas reconhecer-se como histórico. Vivemos numa sociedade presa a padrões instituídos por uma minoria que nos oprime, que nos deixa uma ideologia que serve para a manutenção dessas relações de poder. Ela nos faz acreditar que é boa para todos, ou seja, não conseguimos nos desatar dessa mesmice que temos, pois, em geral, não fomos estimulados por nossos educadores, nem tampouco em outras esferas socializadoras, a criar, e sim a copiar e repassar o que memorizamos, temos medo de seguir sem um padrão determinado, temos medo da liberdade de idéias e ações, temos acomodação para reagir.

O educador tem papel indispensável na construção ou reprodução do conhecimento, mas se ele não for crítico, não se arriscar, não relacionar os conteúdos das aulas aos interesses da comunidade atendida, principalmente no que se refere aos segmentos discriminados, como os de classe social, de gênero, de etnia, de geração, não terão condições para contribuir para a solução de problemas.

A realidade em uma escola pública no município de Guarulhos/SP

Assistimos algumas aulas de educação física, em uma escola da rede pública de ensino fundamental e médio no município de Guarulhos que atende crianças e adolescentes de classe média, a fim de verificar como acontece na prática a relação de ensino e aprendizagem.
Encontramos professores que não tem um método de ensino definido, não conseguimos identificar base em nenhuma pedagogia. Sob um olhar desatento, poderíamos classificar suas aulas como tradicionais, mas no sentido empregado por Saviani (2000), ou seja, centrada no conteúdo, mas por outras características como a relação professor-aluno mediada pelo autoritarismo, conseqüentemente, pouco espaço para intervenção dos alunos, entre outras.

Observamos as aulas de um professor e de uma professora que possuem condutas semelhantes, e apesar de terem um bom espaço físico e uma boa quantidade de materiais, não usufruem. São profissionais desmotivados que não crêem no seu papel como transformador, adotam uma postura conservadora e se acomodam. Nem a transmissão de conhecimentos, mesmo que de forma acrítica acontece, não foi possível sequer identificar um objetivo nas aulas. O que acontece na primeira aula é repetido em todas as outras, independentemente, das diferenças entre as turmas.

Os professores são autoritários, parecem ter medo de perder o controle da aula se os alunos forem mais autônomos. Não há diálogo nem planejamento participativo, não há integração entre professores e alunos.

Como não há o estímulo para a criticidade, em geral, os alunos não reivindicam mudanças, e caem na acomodação, seguindo o padrão dos seus professores e não têm consciência das contribuições que um outro tipo de aula poderia trazer para a sua formação como ser humano histórico, ou seja, que age ativamente na construção de solução de problemas individuais, coletivos e sociais.

Infelizmente, encontramos uma realidade que está em contradição com tudo o que desejamos e acreditamos ser uma educação transformadora. Confrontamo-nos com um problema que tem solução, mas em longo prazo, que necessita de profissionais esclarecidos que acreditem na importância do seu trabalho, que tenham força de vontade para pesquisar criticamente e mais ainda para transformar suas pesquisas e vivências em atitudes.

Obs. Os autores, professores Camila Cristina de Arruda, Tatiane da Silva Lopes e Antônio Carlos Vaz são das Faculdades Integradas de Guarulhos - FIG/SP

Referências bibliográficas

  •  Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
  • __________. Pedagogia do oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
  • Saviani, Dermeval. Escola e democracia. 32 ed. Campinas: Autores Associados, 1999.