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As tentativas de micro gerenciar o trabalho dos professores nas salas de aula e também de limitar sua liberdade de expressão aumentaram e se tornaram um grande transtorno para os educadores brasileiros na última década. O movimento por mais regulamentação (e criminalização) do trabalho docente já foi descrito internacionalmente (Apple, 2013; Chacko, 2018) em contextos neoliberais os quais, como no caso brasileiro, visam ampliar a privatização dos sistemas escolares, convertendo as escolas em instrumentos na produção de trabalhadores complacentes, e não mais de cidadãos autônomos.

Estes esforços ganharam impulso durante as enormes manifestações de rua nas principais cidades brasileiras, exigindo o impeachment da então presidente Dilma Roussef, logo no inicio de seu segundo mandato como presidente da República.  Em 2015 e 2016, milhões de pessoas marcharam protestando contra a recessão econômica do país e as alegações de corrupção dentro do gabinete presidencial (Knijnik, 2018). Entre as demandas difusas e conservadoras destes manifestantes, como a restauração da ditadura militar, alguns também possuíam metas mais específicas, como atacar a educação pública. Desta forma saíram às ruas para ampliar o poder de fogo de suas organizações e suas agendas conservadoras e privatizantes.  

Esse foi o caso do famigerado “Escola sem Partido" (ESP), o movimento educacional conservador que durante as manifestações de direita pelo impeachment da presidente Dilma, ganhou alguma notoriedade pública; em um caso único no mundo, onde manifestantes marcharam contra um educador renomado e suas filosofias educacionais críticas e democráticas, o ESP foi às ruas para anunciar em suas faixas o seu principal inimigo: CHEGA DE PAULO FREIRE, diziam seus banners. 

O trabalho de Paulo Freire é referência mundial quando se discute pedagogia crítica e dialógica. Freire (2004) sempre considerou a educação como uma prática para a construção da autonomia dos alunos e alunas, bem como um forte instrumento de luta contra a opressão social e cultural. Freire também é o farol filosófico e político- pedagógico que ilumina a pratica de grande parte dos educadores brasileiros que lutam por justiça social. Em 2012, ele foi oficialmente designado pelo parlamento brasileiro como patrono da educação do país.

Portanto, não foi surpresa que os grupos conservadores vissem em Freire a fonte de todos os "males" os quais, de acordo com as forças conservadoras, estariam maculando a educação brasileira. O ESP, como uma das lideranças desta ala conservadora no debate educacional brasileiro, começou a perseguir professores, acusando-os de ‘freireanos’ e também de estarem realizando uma suposta ‘lavagem cerebral’ em crianças inocentes nos bancos escolares; além disso, o ESP também apresentou em diversas casas legislativas do pais, um conjunto de projetos de lei para introduzir o seu programa educacional em cidades, estados e até mesmo em nível nacional. As cláusulas desses projetos, inicialmente, deixaram claro o conceito de "educação bancária" do ESP, que considera os alunos (as) como objetos passivos a serem moldados exclusivamente pelos professores (as), sem capacidade de desenvolver seu próprio pensamento crítico e independente. A terceira cláusula do projeto de lei do ESP afirma que ‘é proibido [ao professor] empregar técnicas de manipulação psicológica com o objetivo de angariar o apoio dos alunos para uma causa específica’ (Programa Escola sem Partido, 2015). Além disso, outra cláusula do projeto de lei permitiria que os alunos filmassem seus professores dentro das salas de aula. Esta última foi considerada inconstitucional pelos tribunais nacionais, pois iria contra a liberdade de cátedra dos professores e os direitos das crianças à privacidade.

Este post é baseado  no artigo 'Ser Freire ou não ser: liberdade educacional e o movimento populista de direita Escola sem Partido no Brasil que recentemente publiquei na Revista Britânica de Pesquisa Educacional, como parte da edição especial “Questionando a educação: pensamento crítico em tempos de populismo”. Neste artigo (Knijnik, 2020), empreguei um diálogo freireano para construir uma narrativa que coloca lado a lado duas forças político-pedagógicas opostas. 

O método dialógico freireano que empreguei neste artigo, possui suas origens na profunda convicção que Freire sempre teve na educação enquanto um instrumento de transformação cívica e libertação social. A reflexão e a ação política são as bases do diálogo freireano. Assim, usando conceitos de Freire sobre educação bancária, educação dialógica e conscientização, pude analisar tanto as propostas e ações políticas do ESP, quanto a resistência da sociedade civil contra esse ativismo de direita.

Tanto a sociedade civil quanto os acadêmicos que resistem ao ESP e suas tentativas de controlar a educação pública no país empregam conceitos freireanos, mesmo que isso não seja abertamente falado em suas ações e publicações. Eles procuram promover um diálogo contínuo e pressionar por mais democratização nas escolas como uma forma de neutralizar as tentativas do ESP de implementar a sua agenda, tanto no chão da escola quanto nos parlamentos locais, estaduais e nacionais do país.

A principal conclusão dessa narrativa dialógica foi que, a mesma tradição filosófica da pedagogia crítica e de escolarização democrática que vem sofrendo fortes ataques de movimentos conservadores, sobretudo do ESP, é aquela que contém as bases para contestar estas ameaças. Empregando o "antimétodo" freireano de diálogo crítico, professores e comunidades escolares podem ser capazes de criar seu próprio método para resistir às pregações autoritárias do ESP e de seus entusiastas.

Referências

Apple, M.W. (2013) Interrupting the right: On doing critical educational work in conservative times, in: J. Di Leo & W. Jacobs (Eds.) If Classrooms Matter (pp. 61-60). (London, Routledge). 
Chacko, P. (2018) The Right Turn in India: Authoritarianism, Populism and Neoliberalisation, Journal of Contemporary Asia, 48 (4), 541-565.
Freire, P. (2004) Pedagogy of hope: reliving Pedagogy of the oppressed (London, Continuum). 
Knijnik, J. (2018) The World Cup Chronicles: 31 days that rocked Brazil (Balgowlah Heights, Fair Play Publishing). 
Knijnik, J. (2020). To Freire or not to Freire: educational freedom and the populist right wing ‘Escola sem Partido’ movement in Brazil’. British Educational Research Journal  DOI: 10.1002/berj.3667

*Jorge Knijnik é um acadêmico brasileiro-australiano que atualmente trabalha como professor associado na Faculdade de Educação da Western Sydney University. Ele recentemente publicou The World Cup Chronicles: 31 days that Rocked Brazil pela Fair Play pubishing. 

Este texto foi originalmente publicado no blog da Associação Britânica de Pesquisa Educacional <a href="https://www.bera.ac.uk/blog/a-freirean-resistance-conscientizacao-against-the-right-wing-escola-sem-
partido-movement-in-brazil">https://www.bera.ac.uk/blog/a-freirean-resistance-conscientizacao-against-the-right-wing-escola-sem-
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