CAPOEIRAGEM NO PIAUÍ

 

Leopoldo Gil Dulcio Vaz

Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

Academia Ludovicense de Letras

Professor de Educação Física

 

Mestre Baé liga (20/10/2014). Há muito não nos falávamos. Conta-me sobre o ultimo ano, o ter deixado a Federação e ir cuidar de sua vida, de sua família, e de seu Grupo. Perspectivas de se estabelecer na Europa. Além do Tocantins e Pará, continuando a expansão pelo interior do Maranhão... Fala de que está indo com regularidade ao Piauí, onde a Capoeira está a começar... Digo que não! A Capoeiragem no Piauí é tão antiga quanto a do Maranhão... Têm a mesma origem, desde meados dos 1800 se tem notícias; falei dos Basson, de Parnaíba:

 

Um aluno [do Colégio Pedro Segundo][1], reconhecido como capoeira, foi José Basson de Miranda Osório, nasceu em Parnaíba a 17 de novembro de 1836, faleceu a 17 de abril de 1903, na Estação de Matias Barbosa, Estado de Minas Gerais. Cursou humanidades no tradicional Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, seguindo para São Paulo e ingressando na Faculdade de Direito. Filho do Coronel José Francisco de Miranda Ozório, um dos chefes emancipacionista do Piauí no movimento parnaibano de 19 de outubro de 1822, Comandante das forças legalistas na guerra dos Balaios e um dos raros monarquistas brasileiros a resistir ao golpe republicano de 1889. Ocupou dentre outros, os seguintes cargos: Inspetor, Tesoureiro da Alfândega, Promotor e Prefeito de Parnaíba, Deputado Provincial e Vice-Presidente da Província do Piauí por longos anos, Presidente da Província da Paraíba, Inspetor da Alfândega do Pará e do Ceará, Chefe de Polícia da Capital do Império. (PASSOS, 1982) [2]

Para Costa (2007) [3], no Rio de Janeiro, no Recife e na Bahia, a capoeira seguia sua história, e seus praticantes faziam a sua própria. Originavam-se de várias partes das cidades, das áreas urbanas e rurais, das classes mais abastadas às mais humildes, de pessoas de origem africana, afro-brasileira, europeia e brasileira, inserindo-se em vários setores e exercendo várias atividades de trabalho, profissões e ofícios. Alguns exemplos que fundamentam essa constatação: Manduca da Praia, empresário do comércio do ramo da peixaria, Ciríaco, um lutador e marinheiro (CAPOEIRA, 1998, p. 48) [4]; José Basson de Miranda Osório, chefe de polícia e conselheiro (REGO, 1968)[5] [...](GRIFOS MEUS).

BASSON

FONTE: PASSOS, Caio. Cada rua sua história. Parnaíba: [s.n.], 1982. Citado por , SILVA, Rozenilda Maria de Castro COMPANHIA DE APRENDIZES MARINHEIROS DO PIAUÍ E A SUA RELAÇÃO COM O COTIDIANO DA CIDADE DE PARNAÍBA.

 

Jornal ‘O Papiro”, de 1874, periódico literário, de Teresina-PI, edição de 9 de julho, em “Reminiscências Infantis” escrevia Lívio Druso:

 

 

No jornal “A Época”, órgão conservador, disponível os números de 1878 a 1884, se encontram dez referencias sobre ‘capoeira’, nem sempre relacionadas com capoeiristas e capoeiragem. Na edição de 7 de maio de 1880, por exemplo, ao referirem-se alguns queixosos sobre a atuação do Juiz e das tropas regulares em Jaicó, identifica o Juiz como um cínico, afirmando ‘Que capoeira? Como sabe ser estupidamente cínico.’

Voltemos ao Dr. Basson, e a esse mesmo jornal, edição de 22 de setembro de 1883; o articulista o identifica como ‘capoeira’, e utiliza outro termo para identificar os praticantes da arte da capoeiragem: caceteiro:

 

 

Em diversas edições, posteriores, em se tratando de fatos e intrigas da política local, dos interiores do Piauí, sempre que se queria denegrir alguém, se lhe referia como “capoeira”:

 

                        Campo Maior                                                         Amarante

 

                        Barras                                                                      Barras

  

                                                                                 Barras

              

Passemos aos registros do Jornal “O Apóstolo”, disponíveis os anos de 1907 a 1912, com seis ocorrências. As do ano de 1909 – a partir de outubro – se referem à capoeira como mato, necessitando de a cidade ser remodelada, eliminando-se “essas capoeiras”, em críticas à proposta do novo Governador de ajardinar a cidade. Outros, a terrenos pertencentes a alguém, e que estaria sendo invadido. Mas há referencia também à prática da “capoeira” a que nos referimos, enquanto arte-luta, como esse comentário:

 

           

         Baé, podemos ir um pouco mais longe; sabemos que no período colonial desde o Ceará até Rondônia e o Caribe, desde o Atlântico até os contrafortes dos Andes, havia nesse território o grande estado do Maranhão, criando em 1617 e implantado a partir de 1621; o Piauí ficou subordinado ao Maranhão até 1816. Portanto, nossas histórias são as mesmas, subdividindo-se na medida em que o território foi sendo desmembrado; primeiro, o Ceará que voltou a Pernambuco; o Piauí foi a última Província a ser desmembrada...

     Em meu livro “Crônica da Capoeiragem” (2014) [6] trago um capítulo - RES PRO PERSONA  [7],[8] onde procuro esclarecer a origem do termo “capoeira”. O que é ‘capoeira’? [9]  Verniculização do tupi-guarani caá-puêra: caá = mato, puêra = que já foi[10]; no Dialeto Caipira de Amadeu de Amaral: Capuêra, s.f. – mato que nasceu em lugar de outro derrubado ou queimado. Data de 1577 primeiro registro do vocábulo “capoeira” na língua portuguesa: Padre Fernão Cardim (SJ), na obra “Do clima e da terra do Brasil”. Conotação: vegetação secundária, roça abandonada (Vieira, 2005) [11].

Capoeira – espécie de cesto feito de varas, onde se guardam capões, galinhas e outras aves (Rego, 1968):

 

[...] os escravos que traziam capoeiras de galinhas para vender no mercado, enquanto ele não se abria, divertiam-se jogando capoeira. (Antenor Nascimento, citado por REGO, 1968, citados por MANO LIMA – Dicionário de Capoeira. Brasília: Conhecimento, 2007, p. 79).

 

NW0350

DEBRET – 1816/1831

Por Capoeira deve-se entender

 

individuo(s) ou grupo de indivíduos que promovião acções criminosas que atentavam contra a integridade física e patrimonial dos cidadãos, nos espaços circunscritos dos centros urbanos ou área de entorno

 

Conforme a conceitua Araújo (1997) [12] ao se perguntar “mas quem são os capoeiras? e por capoeiragem como:

 

a acção isolada de indivíduos, ou grupos de indivíduos turbulentos e desordeiros, que praticam ou exercem, publicamente ou não, exercícios de agilidade e destreza corporal, com fins maléficos ou mesmo por divertimento oportunamente realizado”? (p. 69); e capoeirista, como sendo: “os indivíduos que praticam ou exercem, publicamente ou não, exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidas como Capoeira, nas vertentes lúdica, de defesa pessoal e desportiva? (p. 70).

 

Para esse autor, capoeiras era a denominação dada aos negros que viviam no mato e atacavam passageiros (p. 79), em nota registrando a Decisão (205) de 27 de julho de 1831, documentada na Coleção de Leis do Brasil no ano de 1876, p. 152-153; “manda que a Junta Policial proponha medidas para a captura e punição dos capoeiras e malfeitores).

Quando surgiu? No entender de muitos capoeiristas, quando o primeiro escravo angolano pisou a Terra de Santa Cruz (hoje, Brasil), já o teria feito no passo da ginga e no ritmo de São Bento Grande:

 

numa noite escura qualquer, o primeiro negro escapou da senzala, fugiu do engenho, livrou-se da servidão, ganhou a liberdade... escapou o segundo e o terceiro, na tentativa de segui-lo, fracassou. Recapturado, recebeu o castigo dos negros (...) as perseguições não tardaram e o sertão se encheu de capitães-do-mato em busca dos escravos foragidos. Sem armas e sem munições, os negros voltaram a ser guerreiros utilizando aquele esporte nascido nas noites sujas das senzalas, e o esporte que era disfarçado em dança se transformou em luta, a luta dos homens da capoeira. ’A capoeira assim foi criada’. (Jornal da Capoeira, n. 1, 1996). (Vieira e Assunção, 1998, p. 83) [13].

 

Durante as invasões holandesas - SÉCULO XVII, 1640 - surgem as expressões: ‘negros das capoeiras’, ‘negros capoeiras’, e ‘capoeiras’. (MARINHO, 1982; VIEIRA, 2004, 2005) [14].

Com o advento das invasões holandesas, na Bahia e em Pernambuco, principalmente a partir de 1640, houve uma desorganização generalizada no litoral brasileiro, permitindo que muitos escravos fugissem para o interior do país, estabelecendo-se em centenas de quilombos, tendo como consequência o contato ora amistoso, ora hostil, entre africanos e indígenas. Cabe ressaltar, que nunca houve nenhum registro da Capoeira em qualquer quilombo. (Vieira, 2005) [15].

Tende-se a acreditar que o vocábulo, de origem indígena Tupi, tenha servido para designar negros quilombolas como “negros das capoeiras”, posteriormente, como “negros capoeiras” e finalmente apenas como “capoeiras”. Sendo assim, aquilo que antes etimologicamente designava “mato” passou a designar “pessoas” e as atividades destas pessoas, “capoeiragem”. (Vieira, 2005) [16].

Segundo Coelho (1997, p. 5) [17] o termo capoeira é registrado pela primeira vez com a significação de origem linguística portuguesa (1712), não se visualizando qualquer relação com o léxico tupi-guarani. Em 1757 é encontrada primeira associação da palavra capoeira enquanto gaiola grande, significando prisão para guardar malfeitores. (OLIVEIRA, 1971, citado por ARAÚJO, 1997, p. 5)[18].

Encontrei em Marcos Carneiro de Mendonça[19], em seu festejado “A Amazônia na era Pombalina”, carta de Mendonça Furtado[20] a seu irmão, o Marques de Pombal – datada de 13 de junho de 1757 -, dando conta da desordem acontecida no Arraial do Rio Negro, com as tropas mandadas àquelas paragens, quando da demarcação das fronteiras entre as coroas portuguesa e espanhola.

Afirma que os dois regimentos que foi servido mandar para guarnição eram compostos daquela vilíssima canalha que se costuma mandar para a Índia e para as outras conquistas, por castigo. A maior parte das gentes que para cá era mandada eram ladrões de profissão, assassinos e outros malfeitores semelhantes, que principiavam logo por a terra em perturbação grande:

 

“[...] que estava uma capoeira cheia desta gente para mandarem para cá [...] sem embargo de tudo, se introduziram na Trafalha, soltando-se só do regimento de Setúbal, nos. 72 ou 73 soldados, conforme nos diz o Tenente-Coronel Luis José Soares Serrão, suprindo-se aquelas peças com estes malfeitores [...] rogo a V. Exa. queira representar a Sua Majestade que, se for servido mandar algumas reclutas (sic), sejam daqueles mesmos homens que Sua majestade, ordenou já que viesse nestes regimentos, e que as tais capoeiras de malfeitores se distribuam por outras partes e não por este Estado que se está criando [Capitania do Rio Negro] [...]” (p. 300). (grifos do texto).

 

Para Vieira (2004)[21]:

 

[...] data a Capoeiragem, de 1770, quando para cá andou o Vice-Rei Marques do Lavradio. Dizem eles também que o primeiro capoeira foi um tenente chamado João Moreira, homem rixento, motivo porque o povo lhe apelidou de ‘amotinado’.

 

Nossas origens – Maranhão e Piauí – são as mesmas; nossas histórias - até pelo menos 1816 é a mesma – se confundem. Mesmo após a separação, somos estados siameses. Os episódios da Balaiada transcorreram tanto no Maranhão – seu início – quanto no Piauí. Parnaíba teve um papel importante no combate aos insurretos. E os balaios praticavam a capoeiragem...

Fico por aqui; devemos buscar mais informações...


[1]  [...] Muitos dos mais influentes personagens da história do Brasil e da capoeira estudaram no Colégio Pedro II, existindo informações sobre a prática da Capoeira entre eles. O ano de 1841 é considerado como o marco inicial da história da gymnastica no Colégio Pedro Segundo. Exatamente no dia nove de setembro, Guilherme Luiz de Taube, ex-capitão do Exército Imperial, entrou em exercício no cargo de mestre de gymnastica do Colégio. In CUNHA JR, C F F. Organização e cotidiano escolar da “Gymnastica” - uma história no Imperial Collegio de Pedro Segundo. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. Especial, p. 163-195, jul./dez. 2004 on line, disponível em http://eu-bras.blogspot.com/search/label/1841-Gymnasia%20militar%20en%20el%20Colegio%20Pedro%20II

[2] PASSOS, Caio. Cada rua sua história. Parnaíba: [s.n.], 1982. citado por , SILVA, Rozenilda Maria de Castro COMPANHIA DE APRENDIZES MARINHEIROS DO PIAUÍ E A SUA RELAÇÃO COM O COTIDIANO DA CIDADE DE PARNAÍBA.

on line, http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/ivencontro/GT10/companhia_aprendizes.pdf

[3] COSTA, Neuber Leite Capoeira, trabalho e educação. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, 2007.

[4] NESTOR Capoeira: Pequeno Manual do Jogador. 4. ed. Rio de Janeiro: Record. 1998.

[5] REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: um ensaio sócio-etnográfico. Salvador: Itapuã, 1968.

[6] VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. CRÔNICA DA CAPOEIRAGEM. São Luís: Edição do Autor, 2014

[7] Por metonímia res pro persona, o nome da coisa passou para a pessoa com ela relacionado.

[8] http://www.blogsoestado.com/leopoldovaz/2013/11/18/8331/

[9]VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. Jornal do Capoeira http://www.capoeira.jex.com.br/, Edição 47: 30 de Outubro à 05 de Novembro  de 2005

LACÉ LOPES, 2007, obra citada.

LACÉ LOPES, 2006, obra citada.

REIS, Letícia Vidor de Sousa. Capoeira, Corpo e História. In JORNAL DA CAPOEIRA, disponível em www.capoeira.jex.com.br, capturado em 14 de abril de 2005, artigo com base na dissertação de mestrado "Negros e brancos no jogo de capoeira: a reinvenção da tradição" (Reis, 1993).

VIEIRA, 2005, obra citada. p. 39-40.

LIMA, Mano. DICIONÁRIO DE CAPOEIRA. 3ª. Ed. Ver. E amp. Brasília: Conhecimento, 2007

ARAUJO; JAQUEIRA, 2008, obra citada.

[10] MARINHO, Inezil Penna. A GINÁSTICA BRASILEIRA. 2 ed. Brasília, Ed. Do Autor, 1982

[11] VIEIRA, 2005, obra citada  p. 39-40.

[12] ARAÚJO, 1997 , obra citada..

[13] VIEIRA, Luiz Renato; ASSUNÇÃO, Mathias Röhring. Mitos, controvérsias e fatos: construindo a história da capoeira. In ESTUDOS AFRO-ASIÁTICOS, 34, dezembro de 1998, p. 82-118

[14] MARINHO, 1982, obra citada

VIEIRA, Sérgio Luis de Sousa. Capoeira – origem e história. Da Capoeira: Como Patrimônio Cultural. PUC/SP – Tese de Doutorado – 2004. disponível em http://www.capoeira-fica.org/.

VIEIRA, 2005, obra citad  p. 39-40.

[15] VIEIRA, 2005, obra citada p. 39-40.

[16] VIEIRA, 2005, obra citada p. 39-40.

[17] ARAÚJO, 1997, obra citada.

[18] ARAÚJO, 1997, obra citada

[19] MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazonia na era pombalina. Tomo III. Brasilia: Senado Federal, 2005, volume 49-C.

[20] Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700 — 1769) foi um administrador colonial português. Irmão do Marquês de Pombal e de Paulo António de Carvalho e Mendonça. Foi governador geral do Estado do Grão-Pará e Maranhão de 1751 a 1759 e secretário de Estado da Marinha e do Ultramar entre 1760 e 1769. http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Xavier_de_Mendon%C3%A7a_Furtado

[21] VIEIRA, 2004, obra citada. Disponível em http://www.capoeira-fica.org/ .

 

 

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