No entendimento de ALVES (1997), as ações humanas se manifestam e se expressam corporalmente quando se pensa na multidmensionalidade do sujeito. Volta-se o olhar, em primeiro lugar, para a corporeidade. SANTIN (1987, 1990, 1992, 1996) afirma que a corporeidade, sob o ponto de vista filosófico, não corresponde a um elemento mensurável, mas a uma imagem que construímos na mente. Após consultar dicionários e manuais, conclui que estes são ambíguos ao definir o que seja corporeidade: "a qualidade do ser corpóreo", ou "aquilo que constitui o corpo como tal", ou simplesmente, como "a idéia abstrata do corpo". Portanto, "a corporeidade seria a propriedade básica que nos garante a compreensão do corpo" (1990, p. 137). Em sua analise, parte de três atitudes para buscar os aspectos filosóficos da corporeidade: uma, ontológica, em que a corporeidade significaria exatamente aquilo que constitui o corpo como tal (1990, p. 137); outra, epistemológica, onde a corporeidade é tomada como a concretude espaço-temporal do corpo humano enquanto organismo vivo, a partir das descobertas das ciências experimentais, sendo assumida essa tarefa pela biologia, pela genética, pela anatomia e pela fisiologia (1990, p. 137-138); e uma terceira, que chama de fenomenológica, não está preocupada nem em garantir as bases ontológicas, nem construir uma epistemologia objetiva e rigorosa da corporeidade, mas tentar descrever as imagens de corporeidade que o imaginário humano construiu ao longo da história da humanidade, incluídas também as imagens metafísicas e científicas. Ela tenta captar as possíveis implicações culturais, sociais, educacionais, políticas e ideológicas que tais imagens geraram nos indivíduos e na sociedade. A corporeidade, portanto, sob o ponto de vista dessa atitude, não se constitui num elemento mensurável, ela é apenas a imagem construída na mente a partir da maneira como os corpos são percebidos e vivenciados (1990, p. 138). Conclui que o importante não é definir corporeidade, mas compreender as diferentes corporeidades que inspiram e determinam o tratamento dos corpos humanos, desenvolvidos pelas culturas humanas, em geral, e pelas atividades da Educação Física, em especial. É na corporeidade que se situa o ponto central de encontro do homem consigo mesmo. Ela é "a presença e a manifestação do ser humano...". (SANTIN, apud ALVES, 1997, p. 939). Daí ser a corporeidade a condição primeira para que se reinstaure a presença do ser humano (ALVES, 1997). VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. O lúdico e o movimento como atividade educativa - in Lecturas: Educación Física y Deportes - Revista Digital - http://www.efdeportes.com/ Año 3. Nº 12. Buenos Aires, Diciembre 1998.

Comentários

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 14 de Julho de 2009 às 16:44.

Para Bracht (1992), a materialidade corpórea foi historicamente construída e, portanto, existe uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela humanidade. Já Pereira (1988) fala de uma cultura física como toda a parcela da cultura universal que envolve exercício físico, como a educação física, a ginástica, o treinamento desportivo, a recreação físico-ativa, a dança, etc. Betti (1992) lembra que Noronha Feio já se referiu a uma cultura física como parte de uma cultura geral, que contempla as conquistas materiais e espirituais relacionadas com os interesses físico-culturais da sociedade. E Kofes (1985) afirma que o corpo é expressão da cultura, portanto cada cultura vai se expressar através de diferentes corpos, porque se expressa diferentemente enquanto cultura.

 

Manuel Sérgio (1982) considera que a transformação da realidade objetiva é um processo material onde se entrechocam contradições de vária ordem que se torna imperioso superar e resolver, na linha da construção do Homem por si mesmo. Para esse autor, a Educação Física possui um objeto específico: as condutas motoras. Ao se referir às Culturas Física e Desportiva, afirma que esta advém daquela, entendendo por Cultura Física o aspecto criativo, subjetivo, original da pessoa, manifestado através da conduta motora do indivíduo. Do ponto de vista antropológico, Manuel Sérgio considera Cultura Física a maneira como os homens exprimem a sua conduta motora, em conformidade com a tradição e o modo de expressão grupal ou societária:

 

   “... Se a Cultura, na acepção usada neste passo, é o conjunto de comportamentos e de modos de pensar, próprios de uma sociedade, a Cultura Física não pode compreender-se desinserida de um clima gregário que preservou e perpetuou determinados valores e determinadas técnicas corporais. (...)

   “Daí que a Cultura Física, sob o ângulo de visão de que nos ocupamos agora, apresente os seguintes elementos culturais: usos e costumes, crenças, a linguagem, as tradições, a música, a dança, os padrões de comportamentos, etc. - e seja, por isso, o veículo transmissor de uma das feições, da conduta motora, que vão dar originalidade às Atividades Corporais de um povo. (...)

   “E, dessa forma, é possível descobrir na Cultura Física a história motora de uma comunidade e daqui partir em demanda da cultura e das estruturas sociais. A motricidade surge sempre carregada de sentido. Afinal, porque é ela a estar em jogo em qualquer actividade humana. (...)

   “... a cultura desportiva (...) representa um domínio da cultura física que sintetiza  as categorias, as instituições e os bens materiais, criados para a valorização da actividade física, nos quadros da pedagogia, do lazer ou da competição, com o fim do aperfeiçoamento biopsicológico e espiritual do homem...”.  (p. 62-63).     

 

O termo Cultura Corporal tem duplo sentido: no primeiro, se pressupõe uma técnica sobre o corpo, com a palavra cultura significando sinônimo de treinamento, adestramento do corpo; é nesse sentido que termos como culturismo e fisioculturismo são utilizados.

O sentido de Cultura Corporal  parte da definição ampla de Cultura e diz respeito ao conjunto de movimentos e hábitos corporais de um grupo específico (DAÓLIO, 1995). Para esse autor, é evidente que o conjunto de posturas e movimentos corporais representam valores e princípios culturais. Ao falar das técnicas corporais, serve-se de Mauss,  que as definiu como as maneiras de se comportar de uma sociedade; esse antropólogo francês considerou os gestos e os movimentos corporais como técnicas próprias da cultura, passíveis de transmissão através das gerações e imbuídas de significados específicos: “... Técnicas corporais culturais, porque toda técnica é um hábito tradicional, que passa de pai para filho, de geração para geração”. Só é possível falar em técnica, por ser cultural.  (MAUSS, 1974, v.2, apud DAOLIO, 1995 : 26).

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 14 de Julho de 2009 às 16:49.

A limitação da possibilidade crítica expressa na produção teórica da educação física brasileira  pode ser explicada pela ausência da categoria “atividade” no sentido marxista, explicativa das mudanças trazidas pelo modo de produção capitalista, pois a atividade lúdica do homem, entendida como toda atividade humana, aparece como um sistema incluído no sistema de relações da sociedade, não existindo em absoluto fora destas relações (TAFFAREL e ESCOBAR, 1994). Para essas autoras, quando se analisa  a atividade temos que assinalar que a atividade objetiva gera não somente o caráter objetivo das imagens senão também a objetividade das necessidades, das emoções e dos sentimentos. Argumentações como as que vem sendo utilizadas por alguns autores explicam-se pela não consideração da Educação Física  como produção não material que, em determinados estágios e pela influência de certos fatores próprios do sistema capitalista, sofre o mesmo processo de privação das suas qualidades sensíveis sofrido pela produção material.

           

GHIRALDELLI JUNIOR (1990) servindo-se de Marx - Capítulo Sexto (Inédito) de O Capital - diferencia dois tipos de produto:

(a) aquele que é de fato o produto material, e que tem todas as possibilidades de se integrar à lógica do valor de troca e se transformar em mercadoria à medida que se instauram relações sociais capitalistas; e

(b) aquele que é o produto não material, e que, pela sua própria natureza, coloca resistência à sua integração no âmbito das relações sociais capitalistas à medida que não se adapta à forma de mercadoria tão confortavelmente como o primeiro (p. 199).

Para esse autor, o produto material é produzido para consumo posterior. Quanto ao produto não material, aparece uma nova divisão: existem aqueles que podem ser consumidos posteriormente, como o livro, o quadro, mas existem aqueles que são essencialmente consumidos no ato de produção, como o trabalho clínico do médico, a aula do professor, a efetivação na Educação Física do movimento corporal humano (em forma de aula, jogo, desporto, espetáculo, etc.).

Aqui, neste segundo caso, é que o capitalismo e seu processo de mercadodização encontram mais resistência e só as vencem, dentro de certas medidas, alterando profundamente o produto em suas qualidades mais íntimas.

           

O nosso problema se concentra justamente nesse tipo de produto não material que se consome no ato de produção. O movimento corporal humano da Educação Física é singular, se realiza e, concomitantemente, vai sendo consumido por praticantes e assistentes. Não pode ser reproduzido de forma alguma. Um jogo, uma dança, etc., são situações históricas onde transcorrem subjetividades e relações objetivas particulares que jamais poderão se repetir.

Por Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 14 de Julho de 2009 às 16:51.

Pergunta-se, então, o que é Educação Física ?

A  pergunta pelo que é a Educação Física pode ser  interpretada como uma busca do ser da Educação Física, da essência. Mas o que é, então, a essência de algo ou de uma prática social ?

Bracht (1995)  coloca, como  Heidegger, que a essência da Educação Física seria aquilo que a define enquanto tal e concomitantemente a distingue de outras práticas ou fenômenos.

Identidade é tomada como aquelas características que distinguem a educação física enquanto uma prática social específica, portanto conjunto de características que definem seu estatuto próprio e ao mesmo tempo a diferenciam (BRACHT, 1992).

Buscando uma definição de termos básicos que delimitem, num primeiro momento, concretamente, um campo/objeto, esse autor advoga a utilização do termo educação física  para se referir a “prática pedagógica que tem tematizado elementos da esfera da cultura corporal/movimento” (1995, p. 35).

Voltamos ao tema - a corporeidade como objeto da educação física...

Por Wagner Wey Moreira
em 17 de Julho de 2009 às 20:39.

Creio que os valores implicitos no sentido que atribuimos à corporeidade são princípios que devem estar presentes nas ações dos profissionais da Educação Física, como também devem aparecer no dia a dia de outros profissionais. Assim, ela não é objeto de uma área de conhecimento, mas atitude operante dos profissionais. Para deixar clara esta posição, escrevi em 2003 uma Croniqueta que denominei "Corporeidade é!!!", na qual dizia, entre outros argumentos:

Cororeidade é voltar os sentidos para sentir a vida em: olhar o belo e respeitar o não tão belo. cheirar o odor agradável e batalhar para não haver podridão; escutar palavras de incentivo, carinho, de odes ao encontro, e ao mesmo tempo buscar silenciar, ou pelo menos não gritar, nos momentos de exacerbação da racionalidade e do confronto; tocar tudo com o cuidado e a maneira de como gostaria de ser tocado; saborear temperos bem preparados, discernindo seus componentes sem a preocupação de isolá-los, remetendo essa experiência a outros no sentido de tornar a vida mais saborosa e daí transformar sabor em saber [...] Corporeidade é buscar transcendência, em todas as formas e possibilidades, quer individualmente,quer coletivamente. Ser mais, é sempre viver a corporeidade, é sempre ir ao encontro do outro, do mundo e de si mesmo. [...] Corporeidade é incorporar signos, símbolos, prazeres, necessidades, através de atos ousados ou através de recuos necessários sem achar que um nega o outro. é cativar e ser cativado por outros, pelas coisas, pelo mundo, numa relação dialógica. [...] Corporeidade é sinal de presentidade nomundo. É sopro que virou verbo e encarnou-se. É a presença concreta da vida, fazendo história e cultura e ao mesmo tempo sendo modificada por essa história e por essa cultura. [...] Corporeidade sou eu. Corporeidade é você. Corporeidade somos nós, seres humanos carentes, por isso mesmo dotados de movimento para a superação de nossas carências. Corporeidade somos nós na íntima relação com o mundo, pois, um sem o outro é inconcebível. [...] Para os que estão pensando que corporeidade é como o Bom-Bril, ou seja, tem mil e uma utilidades, lamento dizer que estão errados, pois, corporeidade não é algo que me aproprio com um fim utilitário. Quando penso na idéia de apropriação, já destinei o corpo a uma posição de submissão ao espírito ou à mente. [...] Corporeidade é o ser vivente exercitando sua motricidade. Corporeidade não é um conceito, é um estilo de vida na busca da superação. Enfim, CORPOREIDADE É !!!!

Como você vê, comungo com os que afirma que corporeidade é atitude. Que nós, profissionais da Educação Física, possamos alargar essa atitude através de nosso trabalho.   

Por Katia Brandão Cavalcanti
em 19 de Julho de 2009 às 19:17.

Leopoldo e demais participantes,

Objeto epistemológico para a Educação Física? Já tivemos muitos...A década de 80 foi bastante fecunda em alternativas quando havia interesse nas primeiras Dissertações e Teses da área de Educação Física. Ocorreu a discussão do currículo que resultou na Resolução de 87. Porém, a desagregação veio com o CONBRACE de 1989. A partir daí começaram a surgir as "ditaduras epistemológicas", a luta por uma tal hegemonia, e hoje estamos colhendo os resultados amargos desse processo. Também o lazer não conseguiu avançar epistemologicamente, ter sua luz própria. Ainda se vê muita gente titulada citando a Sociologia do Lazer de Dumazedier com o conceito de "lazer como um conjunto de ocupações..." que nem corresponde ao seu verdadeiro pensamento...Estou feliz com a corporeidade porque tem me levado a construir conhecimento com outras áreas do saber. Não sei se ainda irei me envolver diretamente com à Educação Física. Quando vou à escola discutir o PPP ou o recreio escolar, todos os educadores participam. Tenho pensado sobre um grupo gestor transcultural para as instituições educativas. Para isto acontecer é fundamental considerar o Ser na sua plenitude. Aí entramos com a corporeidade e a Pedagogia Vivencial Humanescente. Temos conseguido bons resultados e isto é bastante gratificante. Apesar do fardo pesado, continuo otimista. Katia


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