Cevnautas,

Nosso cumpanhêro da cozinha do CEV,  Jorge Knijnik   está mandando pérolas da Austrália no seu blog. De quebra vem contando como funciona (bem) a escola dos filhos dele. A postagem de hoje é pra comemorar o Brasil ex do futebol. Imperdível. Vamos palpitar lá. Laercio

Blog do Jorge Knijnik Notas do outro lado do mundo

Com que roupa que eu vou? Para Adoniran Barbosa  

O ‘desfile dos personagens’ é um evento que acontece anualmente na escola do meu filho e das minhas filhas, no inicio da primavera, para celebrar a semana do livro. Todas as crianças se fantasiam de personagens de livros e fazem um desfile em uma passarela improvisada na quadra da escola. A criatividade impera, aparece cada coisa com a qual a gente nunca sonhou. Personagens de quadrinhos, de historias malucas, Harry Potters estilizados, espiões, bruxas, fadas, figuras novas e antigas. Gente e bichos dos quais nunca ouvimos falar. Todos e todas desfilando ao som de uma musiquinha sem graça.  

A professora-bibliotecária (quase toda a escola tem uma dessas, é uma especialização que pode ser feita por quem se forma como professor (a), muito interessante os recursos que estes professores apresentam para as crianças)  faz uma leitura dramatizada de um texto com uma turminha de crianças mais velhas, em geral os monitores da biblioteca – que no dia a dia ajudam as crianças menores a acharem livros, leem para elas, e fazem serviços gerais na biblioteca da escola. Os professores fecham a farra também se fantasiando de modo bem divertido, e fazendo uma peça bem legal. Até eu e minha comparsa já entramos na dança, e fizemos uma pontinha inesperada em uma apresentação dos mestres. A criançada urra.  

Neste ano, entretanto, minhas crianças com a mamãe prepararam algo diferente. Já estava tudo combinado faz tempo. Para a próxima ‘book parade’ todas iriam desfilar sorridentes a sua identidade nacional. Portando bandeiras da nação brasileira, usando chapelões verde-amarelos enviados pelos avós, e claro, a camisa da Seleção com mais uma estrela cintilante, atravessariam a escola exuberantes, enquanto todos aplaudiriam o melhor futebol do mundo. Com muito orgulho.  

Pois é. Furou. Culpa de quem? Do técnico, dos dirigentes? Das emissoras de TV? Dos sanguessugas do futebol brasileiro que há anos chupinham nossos gramados não tão verdes assim? Do centroavante? Do reserva do centroavante? Do bigode do centroavante? (Alias, quando ele apareceu assim, achei que ia vestir a camisa do México…será que o Murtosa deu umas dicas para aparar, tratar, etc?). Da falta de meio de campo? De muito meio de campo? Do Buzz Ligthyear?  

Deixarei as analises tático-sociológicas-comportamentais para as entendidas em todos os assuntos. Eu apenas vou assumir a minha culpa. Afinal, quando os holandeses celebram a sua identidade nacional em alguma festa tradicional, todo mundo sabe que eles se vestem com aquelas roupinhas com tamanco; os alemães, com aqueles trajes tipo ‘Oktoberfest’; os escoceses, com saias (nossa, que escândalo!); os japoneses eu não faço ideia. Agora, a brazucada aqui, que mora no exterior, quando vai para alguma festa ,celebração publica, etc, sabe que não tem jeito melhor de se vestir de brasileiro do que colocar a camisa canarinho. Mas obviamente que, dadas as atuais condições de temperatura e pressão, esta difícil de vesti-la. E olhem que por aqui a Copa já acabou faz tempo, o velho rugby e o Australian Football Rules já voltaram a dominar o noticiário (se é que algum dia deixaram de fazê-lo) cotidiano.  

Então, como ia dizendo, eu assumo a minha culpa. Dobro a minha antiga camisa da CBD, coloco ela no fundo do armário, olho no espelho, e pergunto a minha alma nacional machucada: é apenas isso? Não, claro que não. Temos muito mais. Somos muito mais. Queremos muito mais. Puxo o pandeiro, e começo a celebrar, com muita admiracao:   Paulo Freire. Zanetti. Bossa Nova. Carnaval do Recife. Pantanal. Marta. Hortência. Samba. Paula. Joaquim Cruz. Zequinha Barbosa. Programa de prevenção a AIDS. Universidades publicas entre as melhores do mundo (apesar de tudo). Língua Portuguesa. Zumbi dos Palmares. Vinicius. Elis. Chico. Science. Dani Piedade. Formiga. Biocombustível. Mobilização social. Brazucas espalhados pelo mundo afora, bombando. Mangue Beat. Projetos educativos inovadores. Machado. Era do Gelo. Guimaraes Rosa. Garotada que ganhou a Olimpíada internacional de Matemática e Física há alguns anos (Gustavo Haddad Braga, Maria Clara Mendes da Silva, Deborah Alves). Cesar Lattes. Afro Reggae. Olodum. Meninos do Morumbi. Gol de Letra. Judocas. Comissão da Verdade. Conceição Silva de Porto de Galinhas, seus irmãos, pais, irmãs e família, representando milhões de anônimos e anônimas honestos, sorridentes, miscigenados,  espalhados trabalhando por esta terra afora.  

A lista de orgulhos é longa. Desculpem as omissões.  

O que não da mais é para ficar esperando as decisões quadrienais dos ladroes de medalha.  

Eles não vão mudar tampouco se reformar. Devem ser extintos.  

Enquanto isso, preciso urgentemente achar outro traje nacional para meus filhos usarem na escola. Com muito orgulho. Com muito amor.

 FONTE: http://blog.cev.org.br/jorge-knijnik/2014/com-que-roupa-que-eu-vou/

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