Pessoal,
      Confesso que retomei essas homenagens para os meus professores por causa da cobrança (carinhosa) do Guilherme Pacheco. Obrigado.

      Conheci o Rolando Toro no Maranhão, no começo da década dos oitentas. Ele ficava na minha casa quando ia animar vivências de Biodança. Naquela época professor conseguia ter casa no Olho D’Água só com o salário da Universidade. Da vez seguinte que fui morar em São Luis, já no começo da década dos noventas. Meu salário não dava pra pagar um aluguel da casa que eu tinha vendido.

      Tive aulas atenienses com o Rolando. Geralmente andando pela praia do Araçagy, quando ele sempre admirava o mar com um: "Olha a minha piscina". É um apaixonado pela vida. O mais apaixonado que conheci. Bastava provar um gole de cachaça que dizia "Eu seria um alcoólico"; era assim com comida, com tudo. Me contou muitas história de fuga das polícias da ditadura do Chile e da Argentina. Achei laite a versão oficial da criação da Biodança publicada. Pelas nossas conversas ele era professor de antropologia médica quando se surpreendeu com a recuperação um paciente com miastenia grave. Musica e toques. Criou a Psicodança (ele gosta de dizer que só descobriu), que, mais abrangente virou Biodança. Ele sempre achou que a turma da Educação Física era a mais próxima da proposta da Biodança. Na criação do Conselho federal de EF insisti na inclusão da Biodança, que o Conselho de Psicologia já estava proclamando como "terapia". Alias, a maior tristeza do Rolando tem a ver com o Conselho de Psicologia. Em Recife ele foi parar na delegacia por exercício ilegal da profissão: estava dando um curso de Biodança!

Sempre fui fascinado pelo conhecimento do Rolando sobre bioquímica do exercício. Disse pra ele que quando a Educação Física crescesse passaria pela Biodança na classificação dos exercícios baseados em Reich. Nossos manuais ainda estavam no século XIX, pensando mecanicamente em alavancas. No meio de uma explicação sobre o funcionamento do cérebro e exercícios ele percebei que estava indo muito fundo e, quando uma professora pediu explicação ele foi didático: durante essa atividade as crianças estão sorrido? Então a bioquímica está funcionando de acordo.

Lembro de uma vez que, morando em São Paulo, fui visitá-lo em Moema, levando os anais de um Congresso de Bioquímica do Exercício em que o Prof Zucas, da USP tinha participado e me emprestou. Quando entrei encontrei o Rolando atrás de uma montanha de index medicus. Ficou fascinado com os anais. Foi de trabalho em trabalho comentando por quase duas horas. Depois serviu um café com leite, com requinte e a pergunta de sempre: "Com nata ou você tem problemas sexuais?".

Tem uma história triste, também. Sempre fui fascinado com a história do Rolando induzir transe com exercício. Aprofundamos, com algum desconforto pra ele, o assunto ater a premonição. Ele contou que, por experiência própria sabia que a premonição podia ser treinada. Ele treinou e consegui antever as coisas pegando na mão das pessoas. Abandonou isso quando não pode prever que um dos seus oito filhos morreria com a queda num poço. Nunca mais voltou ao tema ou à prática. Mas deixou a lição e a pista.

No Congresso do CBCE em Poços de Caldas, 1985, armei, fora do programa -
como foi, alias, a desconferência sobre a pós-graduação que com o auditório cheio, durou até as duas da manha! Um dia relembro - nesse mesmo auditório armamos um sarau com ele (que tinha ido dar um curso paralelo) e o meu outro querido mestre Manuel Sergio. 3 horas. Perdi porque tive que ficar assinando certificados. O Wiliam, de Muzambinho, que co-presidiu o Congresso, assistiu. E relatou bem: "O Rolando falava e eu pensava: isso mesmo! Daí o Manuel Sergio rebatia, falando exatamente o contrário, e eu "claro que é isso". Depois sintetizou: fiquei três horas montado na bolinha de ping -pongue concordando com os dois". Era previsto. Manuel Sérgio saiu contrariado "Aquele Biologista" e o Rolando satisfeitíssimo "Ótima conversa".

Ente as muitas histórias gosto do relato de quando ele foi falar sobre Biodança para duas turmas num congresso de médicos. A mesma palestra. De manhã foi com a bata branca, a calça de ginástica de sempre e uma sapatilha. Disse que a palestra foi uma das melhores da sua vida. Quando acabou ficou mergulhado no silêncio profundo da platéia. Na hora do almoço saiu pra alugar um terno, com gravata estrangeira e sapato italiano. Entrou com um monte de livros grossos debaixo do braço e olhou a platéia da tarde  omo se fosse uma lata de lixo. Deu a mesma palestra em tom de ira. Foi aplaudido de pé.

Certa vez, embalado pela conversa de sempre sobre os rumos da humanidade, perguntei qual seria uma ação efetiva que a gente poderia fazer de imediato, e que ele almejava. Nem piscou: “derrubar os pilares da civilização ocidental”.
Bem pensado. Obrigado, Mestre.   Laércio

PS: Mais sobre o Rolando na reportagem da FSP abaixo.

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FSP quinta-feira, 03 de abril de 2008

Inspire Respire Transpire -  a afetividade entra na dança

Quase quatro décadas após criar a biodança, o chileno Rolando Toro aponta alguns mitos atribuídos ao método

AMARÍLIS LAGE

da reportagem local

Tudo começou com uma festa. O psicólogo chileno Rolando Toro, então com quase 50 anos, marcou a data, escolheu as músicas e, no horário combinado, preparou-se para receber os convidados: pacientes do hospital psiquiátrico em que trabalhava. "Eu via os pacientes muito tristes, porque lhes tiravam a intimidade, a possibilidade de amar, de viver com autonomia. E decidi fazer uma festa para alegrá-los", lembra Toro. O resultado, diz, foi além do esperado. "Descobri coisas fundamentais que mudavam o comportamento do enfermo. Que a dança e o encontro de pessoas era altamente curativo." Nascia a biodança, um método que busca o desenvolvimento de cinco áreas- vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcedência- por meio de atividades orais e de exercícios físicos.

Toro, hoje com 84 anos, afirma à reportagem da Folha que não criou a biodança, mas sim a descobriu. "Era algo que existia antes de mim. Eu apenas vi." Ainda assim, o termo biodança é registrado por ele em mais de 40 países "em outros, está em processo de tramitação, por meio da International Biocentric Foundation, que Toro preside.

"Houve uma expansão surpreendente em países europeus, africanos e asiáticos", relata o psicólogo, que chegou ao Brasil na semana passada para uma temporada de palestras e de certificação de novos profissionais, incluindo professores que vieram da África.

Nesse processo de expansão, aumentaram também concepções que Toro considera equivocadas sobre o conceito da biodança -entre as mais comuns, está a supervalorização da sexualidade nas sessões.

Sexualidade e afetividade

Segundo Toro, a sexualidade é apenas uma das cinco áreas abordadas, mas chama atenção devido à repressão que existe em torno do tema. "A hipocrisia de nossa civilização é altíssima devido à religião. Caluniaram a sexualidade por séculos. Neste momento, a humanidade vive uma crise sexual devido à repressão", avalia.

Apesar disso, os exercícios relacionados à sexualidade não são os que geram mais resistência nos alunos, observa o psicólogo, abordando outro mito relacionado à biodança.

"A categoria mais difícil é a da afetividade. As pessoas se buscam por interesses, o relacionamento entre pais e filhos é ruim, entre professores e alunos também. A capacidade de fazer amigos quase não existe. As pessoas se tornam solitárias.

Pensam que ‘eu sou eu, você é você, e ninguém tem que satisfazer as expectativas de ninguém’. Eu vou na direção oposta: se nos encontramos, é maravilhoso; se não nos encontramos, é uma tragédia. Há uma proposta altamente individualizada e distanciadora. É preciso transgredir e olhar nos olhos", diz Toro.

Bons e maus alunos

Mulheres teriam uma maior facilidade nesse processo? Mais uma vez, o psicólogo diz que não. "As diferenças são de pessoa para pessoa -cada uma tem uma linha mais desenvolvida. Umas são mais afetivas, mas não têm muita criatividade. Sou partidário apenas de que as mulheres tenham o mesmo direito de se manifestar que os homens." O que Toro tem identificado é que alguns povos, como certas comunidades mexicanas, são culturalmente mais fechados ao contato físico que a biodança promove. Ainda assim, diz, o método também pode ser praticado nesses locais. "Dei aulas para um grupo de japoneses e, na terceira, eles estavam saltando e se abraçando. Afinal, todo mundo gosta de abraçar."

Mundo real

Outro problema comum, para o psicólogo, é a expectativa, por parte de alguns alunos, de transpor rapidamente as vivências da biodança para o seu dia-a-dia. Esse processo, diz Toro, precisa ser gradual.

"A biodança é um ‘ambiente enriquecido’, onde as pessoas recebem muitos abraços, por exemplo. Mas quem a praticar num local não enriquecido fracassa. Certo aluno saiu da sessão e quis abraçar as pessoas na rua -claro que elas se assustaram e pediram socorro", diverte-se Toro.

Música

Outra história engraçada que ele presenciou é relacionada à música nas sessões de biodança -outro mito: as aulas não têm só músicas clássicas e hits "new age".

"Há uma semântica musical que deve se ajustar ao exercício e à vivência que queremos produzir. Não tem que ser a música que eu gosto, mas a que funciona", diz.

Para exemplificar a teoria, ele se lembra de outra sessão, também em um hospital psiquiátrico. "Coloquei músicas refinadas e a aluna me disse que o que eles queriam ouvir era ‘Fuscão Preto’. Eu acho terrível, mas coloquei e eles se identificaram, cantaram, choraram e bailaram."

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