O MOVIMENTO ESPORTIVO INGLÊS

A Situação Política e Social

As revoluções inglesas do século XVII deram à Inglaterra um regime parlamentarista estável, livrando-a das agitações que perturbaram a Europa continental nos séculos XVIII e XIX. Durante os séculos XVI e XVII a Inglaterra experimentou grande desenvolvimento comercial, que aumentou com a adoção do liberalismo econômico no século XVIII e com a formação de um vasto império colonial. A partir de 1760 a Inglaterra passou a sediar a Revolução Industrial, acontecimento que - ao lado da Revolução Francesa - modelou a história da civilização ocidental. Vários fatores foram decisivos para que a Revolução Industrial se desenrolasse entre os ingleses. A Inglaterra expandiu o seu comércio e assegurou mercado consumidor e mercado fornecedor de matérias-primas já no século XVIII. O desenvolvimento comercial possibilitou também a acumulação de capital, e além disso a Inglaterra dispunha de bastante carvão e ferro. As revoluções do século XVII haviam tirado poder da aristocracia em favor da burguesia, desejosa de promover o desenvolvimento econômico. Por outro lado, a doutrina do puritanismo e do calvinismo inglês estimularam o enriquecimento e a acumulação de riquezas. A Revolução Industrial significou a passagem do trabalho artesanal para o trabalho industrial, do trabalho doméstico para o trabalho fabril e transformação do artesão em trabalhador assalariado. A Revolução Industrial mudou radicalmente o regime de produção econômica, proporcionando uma inédita acumulação de riquezas e gerando transformações em todas as instâncias da sociedade inglesa dos séculos XVIIl e XIX. Desenvolveu-se a tecnologia industrial, a população urbana cresceu muito nas grandes cidades, a classe média tornou-se mais numerosa e mais rica, o proletariado a partir decerto momento organiza-se para lutar contra as péssimas condições de trabalho e os baixos salários, e a agricultura moderniza-se para atender a um crescente consumo. A partir de 1850, a Revolução Industrial foi exportada para outros países da Europa e da América, iniciando pela Bélgica, França, Alemanha, Itália e Estados Unidos, após a estabilização de seus quadros políticos.Situação das Instituições Educacionais A Inglaterra foi mais demorada - em comparação com outros países europeus - em estabelecer uma educação pública nacional controlada pelo Estado. Segundo Luzuriaga (1979) os ingleses consideravam a educação mais como responsabilidade da sociedade civil que do Estado. Até as primeiras décadas do século XIX, a educação esteve exclusivamente nas mãos da Igreja e de entidades particulares de caráter beneficente. As classes média e alta financiavam sua própria educação, enquanto que a educação elementar para os pobres era paroquial ou beneficente.

As transformações produzidas pela Revolução Industrial, o crescimento e a concentração da população nos centros fabris e mineiros levaram gradualmente à intervenção do Estado na educação (Luzuriaga, 1979;Mclntosh, 1973). Em 1833 o Parlamento concedeu uma subvenção às sociedades filantrópicas para construção de prédios escolares. O Departamento de Educação foi criado em 1856 para administrar os fundos governamentais. O Ato de Educação de 1870 formou a base da educação primária mantida pelo Estado, e em 1876 foi introduzida a obrigatoriedade escolar. O Esporte como Meio de Educação A Educação Física inglesa do século XIX não foi muito influenciada pela filosofia nacionalista, tendo um desenvolvimento diferenciado em relação ao restante da Europa. A disciplina e o treinamento físico impostos ao povo nos países continentais, visando a defesa nacional, não se fizeram necessários na Inglaterra, pois sua posição geográfica isolada e sua poderosa marinha livraram-na de invasões estrangeiras. Por isso, sua maior contribuição não foi no campo da ginástica, mas do esporte. O movimento esportivo inglês do século XIX formou o outro pilar da sistematização da moderna Educação Física, e guarda relação com as transformações sócio-econômicas produzidas pela Revolução Industrial naquele país a partir de 1760 (Eyler, 1969; Mclntosh, 1975; Rouyer, 1977). Até o final do século XVIII o esporte era uma prática tipicamente aristocrática na Inglaterra, tendo este panorama se modificado substancialmente no decorrer do século seguinte, com a proliferação do esporte em outras camadas sociais e sua institucionalização em órgãos diretivos. As tradicionais Escolas Públicas (PiMic-Schools), fundadas entre os séculos XIV e XVII, as Universidades e a classe média emergente da Revolução Industrial tiveram participação fundamental neste processo.Os estudantes das Public-Schools promoviam seus próprios jogos - futebol, caça e tiro - desafiando às vezes a proibição das autoridades educacionais que os consideravam perigosos e violentos. A partir de 1832, a classe média, que ascendera a uma posição de poder político e influência social por conta do desenvolvimento industrial, passou a reivindicar maiores privilégios educacionais, o que conseguiu efetivamente por volta de 1860, e fez erguer muitas novas escolas públicas espelhadas no modelo das antigas (Mclntosh, 1973, 1975). Esta conquista revelou-se decisiva para a proliferação dos jogos esportivos. Mclntosh (1975)entende que a obtenção de privilégios educacionais Peia classe média"coincidiu e foi responsável pelo desenvolvimento dos jogos organizados,particularmente o críquete e o futebol" (p. 88). Em meados do século XIX o modelo esportivo predominante era o da classe média, que deu aos vários jogos esportivos, alguns descobertos em estado embrionário, organização, regras, técnicas e padrões de conduta para os praticantes, em grande parte vigentes até hoje. A partir de 1857 e até o final do século fundaram-se dezenas de associações esportivas nacionais na Inglaterra. Para Eyler (1969) parece existir uma relação entre o aumento do tempo de lazer, em parte induzido pela Revolução Industrial, e o desenvolvimento esportivo. Rouyer (1977) analisou o esporte com relação ao lazer e ao trabalho no quadro do emergente capitalismo inglês; constatou que o esporte era uma atividade de ócio da aristocracia e da alta burguesia e um meio de educação social de seus filhos, e que a Inglaterra era o primeiro caso típico da realidade do esporte num país capitalista. A Inglaterra foi pioneira em divulgar o esporte entre uma população industrial e urbana (Mclntosh, 1975). O esporte tornou-se acessível às classes trabalhadoras inglesas depois de ter surgido pra a classe média, em decorrência de conquistas trabalhistas. Por volta de 1870 os trabalhadores passaram a reivindicar - e obtiveram - uma redução da jornada de trabalho.Segundo Mclntosh (1975) "Foi então, e só então que se de?u a grande proliferação de clubes desportivos e organizações distritais" (p. 38). A Inglaterra foi também pioneira em aceitar e utilizar o esperte como um meio de educação. O exemplo da Escola de Rugby onde seu diretor Thomas Arnold (1795-1842) suprimiu a ilegalidade de alguns jogos esportivos,generalizou-se nas demais Escolas Públicas na segunda metade do século XIX, que tradicionalmente dedicavam parte da vida escolar à organização e supervisão de atividades pelos próprios estudantes, e o auto-governo foi altamente desenvolvido nos jogos e esportes. A "capacidade de governar outros e controlar a si próprio, a atitude de combinar liberdade com ordem"(Comissão Real das Escolas Públicas, citado por Mclntosh, 1973, p. 119) era o modelo aceito da Educação Física nas Escolas Públicas. No entendimento de Rouyer (1977), no princípio do século XIX, as classes dirigentes que enriqueceram encontram-se física e moralmente degradadas, ao mesmo tempo que a Inglaterra entra numa época de prosperidade e segurança. Este desenvolvimento da produção leva, diante da necessidade de importar e exportar, à exploração e expansão de um império colonial, o que exige: (...) homens fortes, empreendedores, que saibam tomar as suas responsabilidades neste mundo da livre troca, do struggle for life, descoberto por Darwin nesta época da história, e transformado em princípio pedagógico por Spencer. São necessárias equipes de homens de ação solidários, prontos a jogar com o espírito de iniciativa, segundo as regras do jogo capitalista. É necessária uma educação apropriada, para formar, a exemplo do recordado cidadão romano, o prestigioso cidadão britânico, (p. 173-174) As Escolas Públicas, segundo Mclntosh (1973), produziram lidere sem muitas esferas da vida inglesa - na indústria, na política, no exército, nas empresas comerciais através do mundo e na administração de um vasto e crescente império colonial. Para Van Dalen e Bennet (1971) as Escolas Públicas enfatizaram a influência socializante dos jogos e seu uso para promover liderança, lealdade, cooperação, auto-disciplina, iniciativa, tenacidade e espírito esportivo - qualidades necessárias à administração do império britânico. Contudo, foi apenas ao final do século XIX e início do século XX que o governo inglês adotou uma política de apoio à Educação Física nas escolas mantidas pelo Estado. Após o Ato de Educação de 1870, o Departamento de Educação efetivou acordo com o Gabinete Militar para que sargentos ministrassem instrução em Educação Física nas escolas. E curiosamente, o sistema imposto às escolas não foi o modelo esportivo das Escolas Públicas, mas o sistema ginástico sueco de Per H. Ling, que fora in-troduzido na Inglaterra entre 1840 e 1850 por graduados do Instituto Central de ginástica da Suécia. Em 1904, o sistema sueco foi adotado oficialmente nas escolas, o que gerou uma dualidade de sistemas na Educação Física Inglesa; jogos organizados na Escola Pública e ginástica na escola primária, objetivando, segundo During (1984), a formação de bons chefes de empreendimento e bons oficiais na primeira, e através da disciplina e dos efeitos fisiológicos do exercício sistemático, bons operários e soldados na segunda. A partir do final do século XIX, o movimento esportivo inglês estava pronto para ser exportado. Embaixadores, administradores coloniais, missionários, comerciantes, marinheiros e colonos encarregaram-se de difundir o esporte inglês pelo mundo (Mclntosh, 1975). As primeiras associações esportivas nacionais de muitas modalidades surgiram na Inglaterra, e somente depois em outros países (Mclntosh, 1975). No princípio do século XX "o desporto estava em posição favorável para se tomar um fenômeno de expansão mundial, um fenômeno internacional"(Mclntosh, 1975, p. 125). Para Krawczyk, Jaworski e Ulatowski (1979) o esporte tomou da tradição helênica a idéia da rivalidade entre indivíduos pela vitória em condições de competição com igualdade de oportunidades, e este princípio "era absolutamente congruente com a ideologia do liberalismo do século XIX" (p. 142). Gradualmente, o esporte institucionalizou-se em quase todos os países do mundo, e também os programas de Educação Física em todo o mundo passaram a aceitá-lo e adotá-lo.

 

Texto do Livro: Educação física e sociedade. De Mauro Betti. São Paulo: Movimento, 1991. Trabalho realizado por Leonardo Delgado

 

Fonte: http://www.slideshare.net/ferrochel1/resumo-livro-educao-fsica-e-sociedade-mauro-betti

Comentários

Por Evair Ferreira da Silva Borges
em 15 de Setembro de 2014 às 09:27.

Gostei muito do texto, me ajudou bastante.
Queria saber se tem algo que fale sobre a influência do Sistema esportivo ingles no Brasil?

Desde já lhe agradeço


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