Por Silvestre Cirilo (doutorando em educação física pela Universidade Gama Filho)   A atual demanda gerada sobre a gestão do esporte surgiu a partir da realização dos megaeventos esportivos, na chamada década de ouro para o esporte no Brasil, iniciada em 2007 com os Jogos Pan-Americanos e com o fechamento previsto para 2016, com a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, passando por Jogos Mundiais Militares e Copa do Mundo de Futebol. Surge, então, a discussão sobre a administração esportiva e o seu ambiente prioritariamente amador no país. A discussão sobre o legado dos megaeventos não vem contemplando o desenvolvimento do esporte desde a sua base. Lembrando que o esporte não tem os eventos como atividade-fim. O Brasil encontra-se em uma etapa que deveria representar a inserção do país no universo do esporte como negócio, ou esporte baseado em clubes-empresa e gerido estrategicamente para produzir muitas alegrias aos torcedores, socialização, educação, mas também muitas riquezas. No entanto, o corporativismo impede que essas ideias proliferem em terras tupiniquins. Numa perspectiva mais ampla, e também complexa, esporte também representa desenvolvimento, pois o correto planejamento do trabalho e sua posterior execução demandam aportes de investimentos para desenvolvimento de infraestrutura, para a aplicação de tecnologia e qualificação de mão-de-obra, fatores que são capazes de alavancar a dinâmica econômica e social de cidades e regiões. Para que essa indústria seja alavancada é necessário o fortalecimento da base, onde o esporte tem sua origem e serve como abastecedor das instâncias imediatamente superiores, como numa pirâmide. Nesse ínterim, com a candidatura e realização dos megaeventos e demais eventos de nível internacional, veio à tona a discussão sobre a gestão esportiva do país. Pois, não faz sentido que se discutam os megaeventos apenas como suporte para obras de infraestrutura e melhoria em setores como os de transporte e meio-ambiente. Onde fica situado o legado esportivo nessa discussão? Como se dará o desenvolvimento do esporte após os megaeventos? Como se engendrará o sinergismo para o fomento do esporte em todo o território e, de fato, termos uma política pública voltada ao esporte?  No entanto, qual seria o modelo ideal para sistema brasileiro? Seria aquele baseado no sistema educacional e com as ligas profissionais, como nos Estados Unidos? Ou, os modelos intervencionistas, como Cuba (que leva esse controle ao extremo) ou a Europa? Como é possível que países com dimensões de municípios brasileiros alcançarem resultados tão mais expressivos no cenário mundial? Se analisarmos a história recente do sistema esportivo local, teremos alguns indícios de como chegamos a um nível tão crítico quando nos referimos à continuidade da pirâmide esportiva. Desde os anos 1980, os educadores e pedagogos de plantão vêm demonizando o uso do esporte na escola e surgindo com pedagogias voltadas às atividades que contemplam o comportamento, o ser humano, a saúde, porém exortando o esporte do ferramental para atingir os resultados propostos. Outro ponto que merece destaque é a falta de integração entre os Ministérios do Esporte e da Educação e esporte e educação física, que acabam por não falar a mesma linguagem e são tratados como assuntos dicotômicos. A legislação esportiva que se mostra tão evoluída em alguns aspectos, torna-se arcaica quanto comparada à países como Zâmbia e Japão, que preconizam a integração entre essas duas áreas ou, a Alemanha, em que cada esporte trabalha os três segmentos esportivos (educacional, de participação e de rendimento). Em pesquisa realizada com 102 profissionais de educação física, oriundos de 25 estados das 5 regiões do país, cujo objetivo era saber como estes observavam a gestão esportiva. 47,1% relataram como objetivo da educação física o desenvolvimento motor, mas sem haver uma diretriz consolidada nas ações voltadas ao cumprimento desse objetivo. O esporte foi visto por 67,6% dos respondentes como não tendo um objetivo definido nas suas ações. A coordenação entre a educação física escolar e o esporte apresentou um índice de 80,4% para os respondentes que não verificaram qualquer coordenação entre as duas áreas. Em relação à gestão do desporto, nos seus três segmentos (escolar, participação e rendimento), verificou-se que cerca de 40% dos respondentes observaram que o desporto educacional, o de participação e o de rendimento, apresentava ações sem objetivos definidos. Outro resultado que merece destaque é a aparição do personalismo por parte dos “gestores”, quando estes usam o esporte como trampolim para suas agendas pessoais e tomam decisões a partir de critérios exclusivamente políticos. Com o passar dos anos, o foco do desenvolvimento esportivo no Brasil voltou-se para o desporto de rendimento e, num grau superior, especificamente o futebol. A falta de um sistema esportivo consolidado no país permite-nos que haja uma sobreposição de competências no que diz respeito aos demais segmentos esportivos preconizados na legislação. Percebeu-se através das respostas coletadas junto aos profissionais de educação física, a interferência de manifestações não condizentes com o segmento tratado, assim como, em relação aos objetivos da educação física. Observa-se que o trabalho realizado no segmento do desporto de participação, por exemplo, é realizada pela União, pelos Estados e pelos Municípios, caracterizando o choque de competências entre os entes, não sendo possível, então, a efetivação de uma gestão eficiente no sentido da maximização de resultados e, caminhando para o perigoso caminho das decisões pautadas somente nas questões políticas. A definição dos segmentos esportivos conforme preconizados pela lei, não auxilia na visualização do cenário esportivo nacional, pois existe uma necessidade de objetivos mais claros e que não convirjam, como, por exemplo, o desporto educacional e o de participação que apresentam sentidos muito próximos e, acabam por gerar uma linha tênue entre ambos e, consequentemente, influencia a forma de trabalho. Nesse sentido, existe a necessidade da regulação de cada segmento com o intuito de evitar desvios como o percebido no desporto de participação ou o educacional, por exemplo, nos quais se observam o trabalho voltado às chamadas escolinhas esportivas, distanciando-as do objetivo preconizado na legislação ao evidenciar o lado técnico e a reprodução do treinamento esportivo, com alunos de diferentes níveis técnicos numa mesma turma e, sem apresentarem o mesmo lastro. Por outro lado, o segmento do desporto de participação é vendido como voltado ao social, por possibilitar que as comunidades obtenham acesso ao esporte e, garantindo ótimo retorno político. O estudo concluiu que a gestão esportiva ocorre no país, mas de forma incipiente, sem utilizar os recursos e ferramentas que a administração pode suprir. Faz-se necessário a adoção de uma política esportiva no país. Para tal, seria necessária a discussão de 3 pontos: análise e reestruturação da conceituação do esporte no país com a posterior revisão da legislação; a criação de mecanismos de regulação do esporte similar aos encontrados na Saúde e na Educação, no qual cada ente tem prevista sua área de atuação e suas competências e a adoção de um modelo de gestão que envolvesse não só a administração pública mas, também, o setor privado e o terceiro setor.     Publicado originalmente em http://esporteegestao.blogspot.com.br/2012/10/o-sistema-esportivo-brasileiro-e-sua.html (15/10/2012)

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