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“Eso es intolerable (…) esa afición tan desmedida por el fútbol es una locura!”
(Dom Pelayo, Diretor da Cia. General de Transportes Aéreos, sede do time El Volador F.C.).

Essa brincadeira de assistir a mais filmes sobre futebol, após a conclusão de meu doutorado, está começando a ficar boa. Com um pouco mais de tempo, venho apreciando alguns dos vários títulos que consegui garimpar na Espanha. A fita de hoje é um clássico do quase gênero comédia esportiva. Campeones!!, de 1942, dirigido por Ramón Torrado. Uma película singela, de argumento simples, baseada principalmente na exploração da popularidade alcançada por grandes nomes do futebol espanhol da época. Guilhermo Gorostiza, Ricardo Zamora e Jacinto Quincoces, principalmente, têm grande participação no enredo e na trama delineada. Como o próprio texto inicial afirma, tratar-se-ia de “refletir na tela cinematográfica o atual e aceso entusiasmo que se acentua cada dia mais em Espanha” pelo esporte bretão (tradução livre).
Esses três “ases” mencionados acima (principalmente os dois primeiros) davam matéria para alguns posts (talvez eu faça isso mais tarde; pra descansar um pouco dos filmes e falar um pouco de futebol… vamos ver). De qualquer modo, o goleiro Ricardo Zamora percorreu uma trajetória vitoriosa e inusitada. Circulou entre o Espanyol e o Barça (maiores rivais locais); defendeu a seleção Espanhola e encerrou sua carreira no Real Madrid, sempre com sucesso. Depois de 1936 iniciou-se como treinador, inclusive da seleção, aposentando-se em 1958. É nessa nova função que aparece no filme. Zamora, El Divino, é uma lenda na Espanha e até hoje o goleiro menos vazado da Liga espanhola é agraciado, todos os anos, com um troféu com seu nome.
Guilhermo Gorostiza, el bala roja (por associação a sua inusitada velocidade), tem um papel de destaque na película. Representa mais ou menos a si próprio, um jogador habilidoso, camarada e extrovertido. Até número musical ele faz. Gorostiza era um extremo izquierdo habilidoso e goleador (foi duas vezes artilheiro espanhol e marcou cerca de 185 gols em 14 temporadas). À época do filme havia se transferido para o Valência.
Em um paralelo imediato (posto que gerado por pura impressão instantânea) essa dupla me fez lembrar de duas personagens de nosso próprio futebol: o goleiro Marcos Mendonça, do fluminense e da seleção e o eterno Mané garrincha. Mendonça e Zamora parecem compartilhar origens sociais (ambos bem nascidos; Zamora inclusive teria enfrentado a oposição do pai que insistia que concluísse medicina ao invés de dedicar-se ao esporte), preocupações com o estilo no vestir e de praticar o seu ofício. O goleiro tricolor ficou famoso pela impecabilidade de seu uniforme e por uma fita roxa (Marcos Carneiro de Mendonça. Disponível em: http://www.flumania.com.br/marcos.htm . Acessado em 10 de fevereiro de 2014). Zamora, por sua vez, teve sua imagem associada a uma indefectível combinação de “boina e uma blusa de lã de gola ‘V’ ou rolê, de acordo com a estação do ano”: “inconfundível para os torcedores” (Ricardo ZAMORA. Disponível em: http://pt.fifa.com/classicfootball/players/player=44774/. Consultado em 10 de fevereiro de 2014). Aliás, no filme dá pra reconhecer o dito cujo de primeira, exatamente pelo boné…
Ademais, isso me faz lembrar de memoráveis páginas de O negro no futebol brasileiro nas quais Mario Filho alega que Marcos de Mendonça “tinha uma jogada peculiar, só dele. Pegava a bola um pouco de lado, na frente, amortecendo-a. A bola, trazida pela mão direita, se encaixava na asa do braço esquerdo (…). Além de complicada, a pegada (…) era debochativa. Naturalmente tudo isso se passava (…) tão depressa que muita gente não via (…)”. Essa manobra teria sido reinventada nas peladas, nomeada de “pegada à Marcos de Mendonça” e se tornado “uma espécie de carteira de identidade de gol-quíper (…): se era quíper tinha de mostrar que sabia fazer a pegada” (Ed. Mauad, 2003, p. 74-75).
Pois bem, na Espanha, quem parece ter tido a vontade (e a habilidade) para assinar suas defesas teria sido exatamente El Divino. Pelas terras de Cervantes, criou-se algo similar, uma “defesa Zamorana”. Esta seria resultado da impressionante auto- confiança do arqueiro e consistiria “em afastar a bola com o antebraço ou o cotovelo” em um movimento arriscado e por isso pouco imitado por seus rivais (Ricardo ZAMORA. Disponível em: http://pt.fifa.com/classicfootball/players/player=44774/. Consultado em 10 de fevereiro de 2014).
Essas coincidências devem ter a ver com momentos de afirmação, tanto do futebol quanto dos candidatos a heróis dessa nova modalidade desportiva/espetacular. Quem sabe? (talvez seja interessante aprofundar esses paralelos numa outra oportunidade).
E quanto a Gorostiza, el bala roja, e Garrincha? Bom, uma primeira aproximação poderia se dar pela rapidez e capacidade de envolver a marcação, conforme as descrições afirmam. Ademais eram extremos (de lados invertidos, é verdade). Considerados, não obstante, gênios da bola, um em cada continente. Mas, o que chamou mesmo a atenção foi o gosto pela birita e os respectivos desfechos tristes. Vejamos esse comentário publicado no Cuadernos del fútbol, periódico espanhol:
“Gorostiza podia ser um problema fora de campo, mas sobre o terreno de jogo resultava imprescindível (…). [Mesmo já somando 34 anos, na temporada 1943-44, ainda] jogava endiabradamente, eletrizando o público e livrando-se das defesas adversárias. Não obstante seguia bebendo como um cossaco a despeito das admoestações dos dirigentes”
(Guillermo Gorostiza: de “bala roja” a bala perdida. Enero de 2012 por José Ignacio Corcuera (Miembro del CIHEFE). Disponível em: http://www.cihefe.es/cuadernosdefutbol/2012/01/guillermo-gorostiza-de-bala-roja-a-bala-perdida/. Consultado em 10 de fevereiro de 2014).

Por esse e outros relatos, Gorostiza parece superar em muito, pelo menos no gosto pela bebida e pela noite, o nosso genial gênio das pernas tortas. Ou não? (querendo deem uma olhada na seguinte matéria: http://globoesporte.globo.com/bau-do-esporte/noticia/2013/01/alcool-e-bola-30-anos-apos-morte-de-mane-bebida-ainda-estraga-carreiras.html. Consultado em 10 de fevereiro de 2014).
O fim de Garrincha nós conhecemos. Desconfortável, morto com cirrose hepática aos 49 anos. Goros (outro apelido) durou um pouco mais, porém não muito: foi até os 57. Envelhecido, muito magro, internado em um hospital para tuberculosos e pedindo ajuda à Federação Espanhola ou a quem pudesse ajudar. Este assunto, inclusive, nos permite voltar ao filme, largado vários parágrafos atrás (e encaminhar um final para essa conversa).
Bem, a película mesma consiste em uma comédia romântica circunstanciada em um ambiente de trabalho (uma empresa carril e uma empresa de aviação) e de disputa futebolística entre os respectivos times das duas organizações. Alguns temas são levemente abordados ou deixam sua marca. A relação entre o gosto pela prática e acompanhamento do esporte e a repulsa e assombro com a relevância social que o futebol vai assumindo é um dos elementos, destacado na epígrafe deste texto (muito próximo ao que vimos no último post, lembram? Deem uma olhada também na epígrafe do texto referente a El fenômeno, de 1956). Um artigo de 1984, do jornalista Diego Galán, destaca que, em plena segunda guerra mundial, o filme mostra uma incrível leveza e puerilidade, concluindo que parecia atestar que na “Espanha, todos eram felizes”. O artigo também faz uma acertada reverência à obra, compreendendo-a como importante antecessora e possivelmente inspiradora de outras incursões na década de 1950. Referimo-nos a Once pares de botas, de 1954, Saeta Rubia, de 1956 (comentada neste blog) e Los Ases Buscan la Paz, do ano de 1955 (Campeones’, juventud sana, vejez patética. Por Diego Galán 26 mar 1984. Disponível em http://elpais.com/diario/1984/03/26/radiotv/449100001_850215.html em 09 de fevereiro de 2014).
Um aspecto curioso em Campeones diz respeito exatamente ao tema da relação entre o consumo de álcool e a prática desportiva. Há um personagem (não é o interpretado por Gorostiza, o filme não é tão realista), Julio, um goleiro borracho. Ele acaba tomando pito do treinador (Zamora: com Gorostiza ao seu lado, emprestando apoio moral…) e é expulso do time. Isso porque “álcool e esporte não são compatíveis!”. O engraçado é que isso é dito em uma mesa de restaurante, com umas quatro garrafas de vinho. Todos estão comendo e bebendo, inclusive o treinador. Ah, e vemos pelo menos três deles fumando. Julio é um beberrão que chega tarde aos treinos, falta compromissos e é indelicado com os colegas e mulheres. Isso é que está sendo reprimido, mais do que o hábito de beber, desde que não interferisse (demasiadamente) no trabalho e no desempenho esportivo.

 

Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com

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