Nei Jorge dos Santos Junior

Lima Barreto foi, de fato, um crítico implacável do futebol. Famoso por sua antipatia a qualquer prática esportiva, notadamente “o jogo do ponta-pé”, o autor não freava seu ímpeto às corriqueiras críticas. “Para gente desse calibre”, como ele mesmo denunciou, “a grandeza de um país não se mede pelo desenvolvimento das artes, da ciência e das letras. O padrão do seu progresso é o grosseiro football e o xadrez de ociosos ricos ou profissionais” .

Movido por pela ironia e tensões íntimas, ora entusiasta, ora inimigo da vida moderna, o futebol adquiria para ele uma seriedade ímpar, que o obrigaria como “crítico de costumes” a dedicar um tempo significativo do seu trabalho ao novo fenômeno. Talvez, por essa razão, o autor criaria, ao lado de Mario de Lima Valverde, Antonio Noronha Santos e Coelho Cavalcanti, uma “Liga contra o foot-ball”, na tentativa de aludir às “verdadeiras atrocidades promovidas pelo futebol” .

Lima Barreto
Contudo, quando o escritor de Policarpo Quaresma funda a famosa Liga juntamente com seus amigos, não luta, na realidade, contra a prática esportiva, mas sim em oposição às desigualdades sociais propagadas pelo futebol e pelo tipo de sociedade que esse esporte elucida. Na verdade, o autor manifestava-se em contraposição ao preconceito que se transpunha a prática esportiva. Lima Barreto acreditava que nenhum indivíduo pudesse se sentir afastado ou diminuído dentro da sociedade. Mais precisamente, seu pensamento buscava uma modernização dos sentidos em discordância às ambiguidades e contradições que a modernidade apresentava. Por isso, consideramos que algumas de suas reflexões estivessem conectadas ao desejo de cada homem descerrar-se à imensa diversidade e riqueza que o mundo moderno apresenta.

Um exemplo dessas ações foi exposta em artigo publicado em Careta, de 1 de janeiro de 1921. O autor revela o tratamento diferenciado oferecido aos clubes aristocratas . Para dar conta à crítica, Lima Barreto põe em discussão a notícia publicada pelo jornal A Noite, em 13 de dezembro de 1920, quando o periódico noticia um conflito entre as equipes do Mangueira e do Fluminense, destacando as confusões que vinham ganhando espaço nos jogos dos clubes de elite.

Barreto também chama a atenção para o fato de que não era somente nos campos dos clubes de “terceira ordem” que os conflitos ocorriam; nos estádios das agremiações das elites “também se tem timbrado nesses desrespeitos à assistência, não atendendo sequer á presença de senhoras, que são atropeladas nas correrias e até agredidas, devido á confusão” . Para ele, aliás, “trancos e pontapés” eram típicos da modalidade, logo “clubs aristocratas e puros” não seriam distintos dos “clubezinhos do subúrbio”: “O football é uma e mesma coisa em toda parte!”.

De fato, percebemos que estas análises sobre as “ordens” do futebol são, na realidade, retalhos e estigmas de uma parte da cidade do Rio de Janeiro que sempre ficou segregada a um plano inferior. Por essa razão, o defensor suburbano procurava construir elementos que desmistificassem a fidalguia do futebol. Para Barreto, o futebol representava um projeto político-ideológico de uma elite que ansiava por uma prática que demarcasse a sua diferenciação com relação às demais classes sociais. E Lima Barreto, em suas análises sobre o antigo esporte bretão, compreendeu esse discurso.

_________________________________

Lima BARRETO, “As glórias do Brasil”, 07/01/1922, reproduzido em Feiras e Mafuás, p. 270-2.
Careta, em 04 de dezembro de 1920.
Careta, 1 de janeiro de 1921, p.5

Fonte: www.historiadoesporte.wordpress.com

 

Comentários

Nenhum comentário realizado até o momento

Para comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.