Futebol e narcotráfico: uma releitura do caso de Pablo Escobar na Colômbia

22/08/2016

por Eduardo de Souza Gomes

Em tempos de Jogos Olímpicos, peço licença nesse texto para abordar de forma mais específica o futebol colombiano. Desde a Copa do Mundo ocorrida em 2014 no Brasil, onde a seleção colombiana alcançou as quartas de final (seu melhor desempenho na história da competição até o presente momento), o futebol do país tem tido grande destaque no cenário sul-americano e mundial.

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Colombianos comemorando um gol na Copa do Mundo de 2014. Foto: Reprodução.

Colombianos comemorando um gol na Copa do Mundo de 2014. Foto: Reprodução.

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Muito desse sucesso se deve ao clube Atlético Nacional, da cidade de Medellín. Nos últimos anos, o clube se tornou o maior campeão nacional do país, vencendo quatro dos últimos sete campeonatos colombianos. Além disso, expandiu suas fronteiras e alcançou duas finais continentais, tendo sido vice-campeão da Copa Sul-Americana em 2014 e campeão da Copa Libertadores da América em 2016.

O sucesso continental do Nacional de Medellín, ao conquistar a mais importante competição da América do Sul em julho de 2016, além de colocar novamente em evidência o futebol colombiano no continente em que está inserido, fez também com que fosse resgatada a memória do primeiro título da competição conquistada pela equipe, no ano de 1989.

Essa primeira conquista é, até hoje, muito contestada pelos torcedores rivais do Nacional, por um motivo simples: a provável influência do narcotraficante Pablo Escobar no desenvolvimento do futebol no clube, o que de acordo com os rivais é uma mancha que desvaloriza essa primeira conquista continental da equipe.

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Atletas do Nacional de Medellín comemoram a conquista da Copa Libertadores da América 2016. Fonte: www.conmebol.com

Atletas do Nacional de Medellín comemoram a conquista da Copa Libertadores da América 2016.
Fonte: http://www.conmebol.com

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Nesse texto buscaremos problematizar as possíveis relações existentes entre Pablo Escobar e o futebol na Colômbia. Não tendo até o momento realizado pesquisas mais profundas sobre esse período do futebol colombiano, me proponho mais a levantar questões acerca de trabalhos, sejam jornalísticos ou acadêmicos, já realizados, do que concretizar alguma hipótese baseada em investigação empírica.

Diversos indícios dos anos 1970 e 1980, apontam para a influência de diferentes cartéis de drogas em clubes de futebol na Colômbia. Como exemplo, podemos citar a relação dos irmãos Orejuela com o America de Cali e de Gonzalo Rodríguez Gacha, “El Mexicano”, com o Millonarios de Bogotá. Todavia, opto nesse texto por problematizar especificamente a relação existente entre Pablo Escobar e os clubes de Medellín, principalmente o Atlético Nacional. Entendo que, apesar de não desconsiderar as influências que o famoso narcotraficante exerceu no mundo do futebol, essa relação deve ser relativizada. Principalmente se analisarmos algumas das teorias jornalistas já desenvolvidas sobre o fato, onde em muitos momentos, é afirmado que o sucesso do Nacional de Medellín nos anos 1980, e por consequência do futebol colombiano, se deu exclusivamente pela grande influência exercida pelo famoso narcotraficante.

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Torcida do Millonarios chegou a levar para os estádios uma bandeira em homenagem a Gonzalo Gacha,

Torcida do Millonarios chegou a levar para os estádios uma bandeira em homenagem a Gonzalo Gacha, “El Mexicano”. Fonte: http://www.doentesporfutebol.com.br

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Essa teoria se justifica, claro, por possíveis evidencias que demonstram a influência de Escobar no futebol de Medellín. Como exemplo, podemos citar o assassinato do arbitro assistente Álvaro Ortega, em 1989. Em um confronto entre as equipes do America e do Independiente de Medellín, ocorrido na cidade de Cali, a equipe local venceu por 2×1, tendo sido um gol do Medellín anulado pelo assistente. Em novo confronto entre as equipes ocorrido em Medellín no mesmo ano, em que terminou com empate sem gols e também com atuação do assistente, Ortega foi assassinado após a partida. Para muitos, não existem dúvidas de que tal assassinato teria sido uma retaliação de Escobar pelo gol anulado anteriormente.

Porém, mesmo com fatos como esse e entendendo que o futebol se demonstrava como um importante campo da sociedade colombiana que se fez propicio para o investimento por parte dos narcotraficantes, de forma que servisse, entre outros fatores, para a lavagem de dinheiro ganho ilegalmente, sempre questionei a profundidade que Escobar teria tido nesse processo. Esse questionamento surge, como dito anteriormente, não por pesquisas próprias já concretizadas, mas sim por evidenciar uma falta de sustentação em trabalhos realizados sobre a temática.

O fato da sociedade colombiana, como já nos destacou Hobsbawm em seu livro Tempos Interessantes (2002), conviver com a violência de forma constante durante praticamente todo o século XX (e com mais força a partir dos anos 1940, com o período de La Violencia), faz com que esse aspecto seja naturalizado dentro da sociedade como um todo. Durante a década de 1980, não seria impossível relacionar o futebol aos narcotraficantes, dada a grande influência que esses possuíam em diferentes setores do país. Mas, no caso de Pablo Escobar, até onde teria ido essa influência no futebol?

O filho de Escobar, Juan Pablo Escobar, escreveu uma biografia sobre o pai, intitulada “Pablo Escobar: meu pai” e diminuiu a importância de sua participação no futebol. Além de afirmar que seu pai era um torcedor fanático do Independiente de Medellín, o que contraria o possível investimento para o maior rival local Nacional ser campeão continental, Juan Pablo Escobar destaca que a maior parte das histórias que relacionam seu pai ao futebol, inclusive as que tratam de assassinatos e compras de jogos, não passam de lendas. Em entrevista recente, afirmou que:

A figura do meu pai é utilizada para inventar quantidade de mentiras em torno de sua história, seu personagem. Diziam que ele havia comprado a Libertadores de Nacional de Medellín, em 1989. Os paraguaios (do Olimpia) sempre acreditaram que ele era torcedor do Nacional, porque queriam justificar sua derrota, colocando a responsabilidade em meu pai. Não tenho porque ocultar essas coisas. Meu pai é responsável direto por histórias muito mais graves, essa (influência) seria uma besteira, não é o caso. Nunca foi dono de nenhuma equipe. Era fanático, gostava, assistia às partidas, escutava pelo rádio, mas nunca foi dono de jogadores, nada disso. Os gols que erraram uns, os pênaltis que erraram outros, meu pai não tinha a mão tão larga para interceder nisso. Se apoiasse o Nacional seria como defender um rival. Nacional e Independiente é como Boca Juniors e River Plate. São da mesma cidade e são rivais de morte. Isso é uma incoerência. Creio que se fala nisso porque não aceitam as derrotas.

Claro que os usos da memória de Juan Pablo Escobar devem ser problematizados. Afinal, se acreditar em tudo que se fala sobre a relação de Pablo Escobar com o futebol pode ser um equívoco, ignorar sua participação nesse esporte poderia também, no mínimo, beirar a ingenuidade. Porém, o entendimento da participação de Escobar no mundo futebolístico colombiano deve ser feito com maior rigor e análise, de forma que possamos desconstruir certos mitos. É fato que são esses mitos, muitas das vezes, que dão vida ao esporte. Todavia, mesmo sem desconsiderar as tradições já inventadas sobre essa e outras temáticas, realizar uma análise que problematize com maior rigor, não só esse, mas qualquer fato histórico, se faz necessário. Isso, claro, não nos impede de pensar como os mitos e tradições se disseminaram e se refletiram socialmente em forma de identidades ou memória, sendo a percepção desse caminho um dos exercícios mais interessantes e fascinantes do cientista humano e social.

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Pablo Escobar dando o pontapé inicial em uma partida de futebol em Medellín. Foto: Reprodução.

Pablo Escobar dando o pontapé inicial em uma partida de futebol em Medellín. Foto: Reprodução.

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A relação do narcotráfico com outros clubes de futebol (algo que também precisa ser melhor investigado e problematizado, apesar de já ser mais evidenciado), como os já mencionados no início do texto, pode também ser um fator que leva muitas das vezes a naturalização das relações de Pablo Escobar com esse esporte. Afinal, se o narcotráfico se fez presente com força no futebol, seria natural que o maior narcotraficante também o fizesse. Clubes como o América de Cali, que chegou a vencer por cinco vezes seguidas o campeonato nacional de 1982 a 1986, e chegou a três finais consecutivas da Copa Libertadores da América entre 1985 e 1987 com um time caro e repleto de jogadores estrangeiros, despertaram os olhares para aqueles que já desconfiavam da relação existente entre o futebol e os narcotraficantes. Mas então podemos perguntar: será que somente a influência do narcotráfico determinou o sucesso dos clubes colombianos nesse período?

Se analisarmos a conquista do Nacional de Medellín em 1989, por exemplo, veremos que mais que o “dinheiro sujo” e os possíveis jogos comprados, existia uma grande equipe. Equipe essa que, diferente do rival America de Cali, era formada por grandes nomes colombianos do quilate de Higuita, Andres Escobar, Perea e Leonel Álvarez. Somado a grandes jogadores do país que atuavam em outros clubes, como Valderrama, Rincón, Valencia, Asprilla, Aristizábal, Valenciano, entre outros, se fez possível a formação de um selecionado nacional que conseguiu pela primeira vez levar a Colômbia para três Copas do Mundo seguidas entre 1990 e 1998. Em 1994, inclusive, a Colômbia havia sido inicialmente apontada como uma das favoritas para o título, depois de ter realizado uma ótima eliminatórias, onde venceram a Argentina por 5×0 em 1993, no estádio Monumental de Nuñez.

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Equipe do Nacional campeã da Libertadores em 1989. Foto: Reprodução.

Equipe do Nacional campeã da Libertadores em 1989. Foto: Reprodução.

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Ou seja, estamos falando da até então maior geração de jogadores colombianos na história do país, que fizeram com que esse esporte consolidasse uma identidade nacional na Colômbia, sem agora ter a necessidade de investir em atletas estrangeiros, como havia ocorrido anteriormente no período El Dorado, nos primórdios da profissionalização do futebol entre 1948 e 1954.

É óbvio que não devemos deixar de apurar se ocorreram, não só com o Nacional, mas também com outros clubes, manipulações de resultados e influências de narcotraficantes nos jogos das equipes. Punições já foram realizadas em casos semelhantes, sendo as mais famosas na Itália. A atual pentacampeã nacional Juventus, por exemplo, foi rebaixada para a segunda divisão em 2006, devido um esquema de manipulação de resultados que havia lhe rendido o bicampeonato italiano em 2005/06, conquistas essas que foram cassadas.

O que levanto nesse texto é que, mesmo com a influência do narcotráfico, a Colômbia teve de fato grandes nomes nesse período no futebol, que em muitas das vezes são ofuscados pelo momento negro em que o país estava inserido. E notadamente sobre o caso de Pablo Escobar, destaco que pesquisas mais profundas devem ainda ser realizadas, de forma que nos possibilite melhor compreender a relação existente entre um dos maiores narcotraficantes da história e o esporte mais popular do planeta.

 

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