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Edição 4572

Gilberto Velho é homenageado na ABC

O antropólogo, falecido em abril deste ano, foi lembrado por pesquisadores e amigos.
Generoso, comprometido, irônico, leal, amigo. Essas foram algumas facetas do antropólogo Gilberto Velho lembrada ontem (28), durante a homenagem 'Gilberto Velho - Um Cientista Singular', promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) em sua sede, no Rio de Janeiro. O evento contou com a participação de familiares, como sua ex-mulher Yvonne Maggie, amigos, ex-alunos e ex-orientandos.

Falecido no dia 14 de abril deste ano, aos 66 anos, Velho deixa "uma lacuna" nas Ciências Sociais. "Ele fez parte da primeira e seleta leva de cientistas sociais a integrar o corpo da ABC e o primeiro a dela se despedir", lembra o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte, um dos palestrantes da homenagem. Ele dividiu a bancada com Sérgio Miceli Pessôa de Barros (USP), Maria das Dores Horta Guerreiro (Instituto Universitário de Lisboa) e Ruben Oliven (UFRGS). Também participaram, em outra mesa do evento, Elisa Reis (UFRJ), Mariza Peirano (UnB), Karina Kuschnir (UFRJ) e Antonio Firmino da Costa (Instituto Universitário de Lisboa). Todos trabalharam ou se relacionaram com Velho de alguma forma.

Sérgio Miceli relembrou os tempos de juventude, quando se reunia com Velho e outros amigos para jogar, beber e conversar sobre assuntos diversos, como literatura, cinema e ópera. E disse que o antropólogo era "alguém que havia encontrado um caminho", diferentemente da maioria, que, na época, ainda estava em dúvida em relação ao futuro. Além disso, citou Velho como "referência" para ele e para muitos de sua geração por ser um "antropólogo inovador" de "inteligência institucional". "Ele está vivo dentro de mim e de todos que compartilharam aqueles momentos decisivos de nossas vidas", completa.

Antropologia urbana - É consenso no meio científico que o trabalho de Velho é pioneiro especialmente na área da antropologia urbana, tanto no Brasil quanto fora. Sua contribuição se deu em áreas como o estudo das camadas médias e elites urbanas, antropologia das sociedades complexas, estudos de transe e possessão, teoria da cultura, antropologia e sociologia da arte, violência e a problemática do uso de drogas, além do papel social e político destas.

Maria das Dores lembrou seu trabalho como membro do conselho editorial da revista portuguesa 'Sociologia - Problemas e Práticas', que publicou este mês um de seus últimos textos, o artigo 'O patrão e as empregadas domésticas'. Baseado na experiência do autor, o texto é uma etnografia marcada por um depoimento pessoal que se refere a vários anos de interação e convívio com essa categoria social.

Ela destaca o trabalho "gratificante" que foi lidar com Velho, que "dava seus pareceres rapidamente" a respeito do conteúdo da revista e "sobrelevava sempre aspectos positivos dos textos, sem deixar de apontar lacunas e sugerir modificações". A pesquisadora também destaca o artigo 'Becker, Goffman e a Antropologia no Brasil', no qual o autor trata da influência das obras de Erving Goffman e de Howard Saul Becker, sobre a ciência social brasileira, e comenta a sua experiência e contatos com a Escola de Chicago.

Singularidade - "O tema das relações entre as várias ciências sociais é recorrente em vários de seus artigos. Gilberto Velho afirma que as fronteiras entre as ciências sociais são consideradas às vezes arbitrárias, mas também fluidas", destaca Maria das Dores, citando outro artigo, que aborda o futuro das ciências sociais. "A era da informática gerou uma rotina avassaladora de conversas e relatórios e instaurou uma cultura de base produtivista e tecnocrática", sublinha no texto, concluindo que "seu desaparecimento é uma perda irreparável".

Luiz Fernando Dias Duarte pontuou outras características do trabalho do antropólogo ao ler o texto 'Fenomenologia e Singularidade - O pensamento de Gilberto Velho', onde analisou o horizonte epistemológico no qual se desenvolveu sua atividade. "Não era do feitio de Gilberto dedicar-se a intrincadas elucubrações filosóficas sobre seu trabalho. A prática da antropologia era para ele um cardápio na experiência vital, imediata, concreta dos sujeitos socialmente observados", conta.

Ele lembrou autores citados com frequência por Velho em seus trabalhos, como Georg Simmel e Alfred Schutz, "que compartilham de um horizonte comum com novos representantes de uma linha do pensamento erudito ocidental fundamental para o desenvolvimento das ciências humanas" e destacou os conceitos fenomenológico, interpretativo e hermenêutico. "É interessante que a Academia tenha usado a categoria 'singular' no título dessa homenagem, já que esse termo é intimamente ligado à corrente de ideias que o inspirou", compara.

Ironia e generosidade - Por sua parte, Ruben Oliven lembrou dois aspectos da personalidade de Velho. O humor, marcado pela ironia, dando como exemplo os telefonemas que ele dava aos amigos se identificando como um militar, em plena ditadura. "Ele conseguia ser sério, mas não era sisudo", avalia. O outro aspecto era sua generosidade. "Ele tinha um interesse genuíno pelos outros, queria saber o que estavam fazendo, fazia perguntas, dava sugestões, nunca como concorrente e sempre reconhecendo o grupo", recorda Oliven.

O cientista social da UFRGS também sublinha a capacidade que Gilberto Velho tinha de transitar entre os intelectuais acadêmicos e o público de fora, por meio de seus textos e de sua atuação política na liderança de instituições. Ele lembra que Velho orientou mais de 100 dissertações e teses, além de ter criado redes e ajudado a esses discípulos a se inserir na academia.

Um deles, Karina Kuschnir, também palestrante, destacou que "se Gilberto teve 100 orientandos, deve ter tido uns 500 quase orientandos, pela enorme quantidade de pessoas que ele ajudou". "Ele mantinha muitos vínculos e vínculos com pessoas muito diferentes", completa Oliven. "Deveríamos estar tristes com seu desaparecimento prematuro, mas, por outro lado, deveríamos estar alegres com tudo aquilo que ele nos deixou, tanto no seu exemplo pessoal como nos vários alunos que ele formou. Ele está muito presente", conclui o pesquisador.

(Clarissa Vasconcellos - Jornal da Ciência)
 

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