O que fazer quando se perde um amigo?

            Hoje perdi um amigo. Para muitos, Mauricio Tadeu Sabbatini foi um dos melhores judocas ligeiros (até 60 kg) que o país já teve. Com pequena estatura, mas um grande Judô, ele conquistou inúmeros títulos estaduais, algumas vezes o campeonato brasileiro. Medalhou também em várias etapas do circuito europeu de Judô, quando morou na França. Mais tarde, integrou a equipe brasileira, sagrando-se terceiro colocado e vice-campeão Mundial de Masters. Logo após foi atleta laureado no Clube de Regatas do Flamengo. Na sua academia, no Leblon, formou vários faixas-pretas e alguns campeões.

            Mas, para mim, ele foi mais do que um bom judoca. Cresci no Judô e durante a infância, adolescência e juventude conheci vários judocas. Um deles, em especial, acabou convivendo comigo durante décadas. Nos anos 70, quando adolescentes, fomos apenas colegas de treino na academia do Professor Rudolf de Otero Hermanny, em Ipanema. Éramos garotos (os menores) treinando na academia que tinha acabado de ser campeã estadual por equipe de faixas-preta, mas continuamos firme em frente. Anos depois, nos reencontramos nos treinos da Universidade Gama Filho e do Clube de Regatas do Flamengo, mas ainda não éramos amigos. A nossa amizade começou mesmo quando eu saí do Flamengo e fui treinar no Judô-clube Kastriget Mehdi. Lá sim, foi tudo diferente. Durante o período letivo, treinávamos de segunda a sábado por quatro horas. Durante as férias ainda fazíamos o treino matinal das 7:00 as 10:30. Nós nos submetíamos a muito treino técnico, tático, forte preparação física e, pelo menos, uma hora de treino de luta específico para o aperfeiçoamento técnico-tático. Na maior parte, aprendíamos e praticávamos inúmeras técnicas, variações, combinações e contra-golpes, pois demandavam maior volume de treino. Chegávamos cedo 16:00 a academia, treinávamos, depois ajudávamos na aula das crianças. Ainda fazíamos o treino dos adultos com toda a disposição do mundo. Aprendemos muito e evoluímos como judocas, dentro e fora dos tatames.

            Nessa época formávamos um grupo de 4 judocas que conviviam, se ajudavam e se enfrentavam todos os dias. Nós, Maurício Sabbatini, Omar Emir, Marcelo Behring e eu, vivemos intensamente o Judô nesses 5 anos. Todos os dias um era o parceiro, o amigo, o apoio, o desafio e o algoz do outro. Na luta não temos adversários, temos companheiros de jornada com quem vamos aprender, praticar, lutar, conversar, dividir sonhos, alegrias, dores e, também, o nosso lazer na praia, cinema e etc.. Assim se formam as grandes amizades.

           Após uma controversa e, para muitos, injusta decisão de negar-lhe a vaga na seleção brasileira, ele foi para a França. Logo que chegou, ficou em Saint Etiénne com a mãe do sensei Mehdi para se adaptar e começar a aprender francês. Depois viveu em Nice, onde passou alguns anos trabalhando, treinando, lutando e aprendendo outra cultura. Foi uma ótima experiência de vida para ele.

            Voltando ao Brasil, rodou um pouco pelo nordeste até se fixar no Rio de Janeiro e finalmente montar academia no Leblon. Nesse período de retorno carioca, voltamos a nos encontrar. Quando eu resolvia por o quimono para treinar, preferia ir aonde ele dava aula, pois gostava da qualidade do treino, do ambiente amigo, disciplinado e respeitoso. Rever um amigo de quimono no tatame é sempre muito bom. Como também sou professor de Judô, sempre dava uma atenção especial aos seus alunos durante os treinos. Eu acompanhei quando lecionava Judô junto ao Projeto de Boxe no Vidigal do professor Raff Giglio, no Colégio Mira Flores, no Forte Duque de Caxias, na sua academia em Copacabana e depois no Judô-Clube Sabbatini, no Leblon.

            Nesse meio tempo, ele se casou com a Isabel e formamos, com nossas esposas, dois casais bem amigos. Algum tempo depois nasce a Anna Victória, sua filha, e o casal convida a mim e minha esposa para sermos os padrinhos dela. Junto conosco estavam também Omar Emir e Cleiber Maia que, com suas esposas e filhos, formavam um grupo bem gostoso de se conviver. Curtimos muito essa fase e nossos laços se intensificaram muito mais. Nossas filhas, com 13 e 12 anos, são grandes amigas até hoje.

            Durante décadas, fomos amigos, confidentes e companheiros de jornada nas horas difíceis e boas. Assim como as grandes amizades, a nossa amizade nunca foi um mar de rosas pleno, pois duas pessoas com personalidades fortes e obstinadas sempre se chocam um pouco. Porém se as qualidades e a capacidade de perdoar forem maiores do que os problemas, a amizade sobrevive, como uma árvore de raiz forte. Ela pode perder as folhas, quebrar uns galhos grossos ou até rachar o tronco, mas se a raiz da amizade for forte, ela sobrevive e volta crescer firme. Para mim ela sobreviveu, até mesmo a essa última fase em que nos afastamos por causa do meu doutorado e depois por causa da sua doença.

            Todos temos cruzes para carregarmos na vida e após vários anos de luta sem tréguas contra um câncer, a doença finalmente venceu a carne do meu amigo, apesar do espírito e da sua determinação continuarem firmes e incansáveis na luta pela vida.

            Em termos pessoais, quem conheceu o Maurício como eu, teve o prazer de ver a superação em pessoa. Fico feliz por ter convivido com um verdadeiro judoca, que adorava ler, que era caseiro, dono de um coração grande e uma personalidade forte e determinada. Dói muito perder um amigo, Mauricio soube ser um bom amigo e, como tal, marcou presença. Levarei comigo algumas características que adquiri dele e espero poder ser um bom padrinho. Quem sabe poderei reencontrá-lo após essa vida?

 

Até qualquer dia, amigo,

Mauro Cesar Gurgel de Alencar Carvalho

 

PS: infelizmente não fomos ao enterro, pois preferimos fazer companhia a outras pessoas queridas que também não estavam lá.

Comentários

Por Claudio Marcio da Silva
em 1 de Abril de 2012 às 17:25.

Caro Mauro,

Meu nome é Cláudio Márcio, trabalho em uma industria química em Belford-Roxo(BAYER).

A vida me proporcionou a grata opotunidade de conhecer o Maurício Sabbatine e durante um breve período pude treinar judô com ele no clube da empresa em que trabalho.

Foi com grande emoção que li seu relato sobre o Maurício e consegui reconhecê-lo em tudo que você declarou,sua determinação, seu profundo respeito ao judô, seu conhecimento e sobretudo sua amizade que nos acolhia.

Um grande abraço,

Cláudio Marcio

Por Edison Yamazaki
em 2 de Abril de 2012 às 00:03.

Mauro,

Não conheci o sr. Sabatinni, mas carrego comigo um pouco do judô e sua filosofia. Meu professor foi o Carlos Catalano e também possuo ótimas recordações dele. Vim de uma família tradicional no judô presenciei inúmeros encontros entre vários "senseis".

Sei o que deve estar sentido.

Abraços,

Por Mauro Cesar Gurgel de Alencar Carvalho
em 28 de Maio de 2014 às 14:51.

Caros Claudio e Edison

Obrigado pelas palavras amigas.

 

Um abraco,

Mauro


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