Prezados

Reproduzo primeira parte da seção "Tendências e Debates" da FSP de hoje  (04/03/14) para reflexão dos senhores.
Cordial abraço
Lino


PEDRO TRENGROUSE

Clubes podem recorrer à Justiça comum?
NÃO
É dura, mas é a lei
O Poder Judiciário não tem competência para julgar o mérito das decisões da Justiça Desportiva.

Ainda que a interpretação isolada e literal do § 1º do artigo 217 da Constituição levasse à conclusão de que a Justiça comum pode admitir ações relativas às competições, depois de esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, esse entendimento contraria garantias fundamentais não só para o esporte, mas para todo o ordenamento jurídico.

Para alcançar a vontade da Constituição, deve-se interpretá-la de forma sistemática e teleológica. Valores como a livre-iniciativa e princípios como liberdade de associação e autonomia de organização devem pesar na compreensão dos limites da Justiça comum no esporte.

A única exceção ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, segundo o qual sempre que houver lesão ou ameaça a direito não se poderá impedir que o Poder Judiciário, se provocado, aprecie a questão, é exatamente a Justiça Desportiva, e a Constituição é expressa ao estabelecer prazo de 60 dias para uma decisão final nesses casos.

Admitir que a Justiça comum possa rever o mérito das decisões dos tribunais desportivos seria como negar os motivos que levaram o constituinte a estabelecer uma jurisdição própria para o esporte, com um agravante: atrasando o início do processo em dois meses.

A estrutura do esporte mundial é baseada no princípio da não intervenção estatal. A lei de um país não pode alterar as regras esportivas nem a Justiça comum deve se imiscuir nelas. A ingerência estatal põe em xeque a participação do Brasil em competições globais ao expor o esporte nacional à possibilidade de exclusão das entidades internacionais.

O Judiciário deve respeitar as decisões da Justiça Desportiva como faz com a arbitragem, que inclusive trata de questões esportivas nas principais competições do mundo.

De certa forma, o Judiciário age do mesmo modo respeitoso com os juízos de instâncias administrativas como agências reguladoras e o Banco Central, só interferindo em casos extremos. Ademais, o constituinte estabeleceu o fomento às práticas desportivas como dever do Estado. Qualquer medida que as iniba é um atentado à ordem constitucional.

O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) julgou os casos de Portuguesa, Flamengo, Vasco e Atlético Paranaense de forma positivista. "Dura lex, sed lex" ("A lei é dura, mas é a lei"). No entanto, é evidente que a legislação esportiva brasileira é confusa, paradoxal e anacrônica. O medo e a incapacidade de pensar criticamente e contestar as leis quando não são justas já resultou em atrocidades. Nesses casos recentes, enquanto Portuguesa e Flamengo foram apenados no campeonato de 2013, Vasco e Atlético-PR só o serão em 2014. Embora as decisões tenham sido tomadas conforme a lei, terão sido justas?

A última reforma do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) inseriu o princípio "pro-competitione" justamente para garantir a prevalência das competições. Se os julgadores tivessem buscado interpretar a lei sob esse prisma, filigranas jurídicas não poderiam alterar a tabela dos campeonatos.

O envolvimento da Justiça comum coloca em risco o Brasileiro de 2013 e o de 2014. O STJD garantiu às partes o direito à ampla defesa e ao contraditório. Por mais que haja inconformidade com seus julgados, o § 2º do artigo 217 da Constituição é claro: é a decisão final.

Para que haja segurança jurídica, é preciso rever todo o marco regulatório do esporte nacional. Assim como congressistas não podem decidir sobre o número de juízes de uma partida, também não poderiam legislar sobre sanções administrativas das competições. Ao Estado cabe se limitar às políticas públicas.

PEDRO TRENGROUSE, 34, professor da Fundação Getulio Vargas, é consultor da ONU (Organização das Nações Unidas) para legislação esportiva

Comentários

Por Edison Yamazaki
em 5 de Janeiro de 2014 às 05:01.

Ótimo esclarecimento.

Cada macaco no seu galho.

Por Luiz Roberto Nuñes Padilla
em 5 de Janeiro de 2014 às 15:49.

👍 Desde o Ceará, maravilhosa terra de Alvaro Melo Filho, revisitando Jericoaciara (one of top 10 world beaches), pedimos vênia para aderir ao lúcido entendimento do Colega Pedro, aduzindo:

  Há outras situações nas quais o controle jurisdicional não abrange o mérito, como na arbitragem. Também as decisões do corpo de jurados não são revisadas; na apelação, o Tribunal de Justiça limita-se ao controle da legalidade e, constatando evidências de violação das garantias do art 5-LV da CF, anula devolvendo ao júri o mérito. Veja mais no e-book TGP-t em http://www.padilla.adv.br/processo/tgp/   Sobre as sutis distinções entre os Planos de Atuação Humana - o Plano dos Jogos-esportes e o Plano do Direito-econômico-social - e suas respectivas soberanias, cf. a TGDD que pode ser conhecida a partir de http://padilla-luiz.blogspot.com.br/2013/12/direito-desportivo-paradoxo-amador.html?m=1

Por Alexandre Moreno Castellani
em 5 de Janeiro de 2014 às 18:05.

Do Jornal do Brasil
O caso da Portuguesa e a Constituição

Por Ives Gandra Martins

Durante os trabalhos constituintes, tendo participado de audiências públicas e escrito com Celso Bastos, pela Saraiva, os comentários ao texto supremo, em 15 volumes e mais de 12 mil páginas, foi-me possível perceber que a questão dos princípios constitucionais tornou-se o elemento de maior preocupação dos nossos primeiros legisladores.  

Embora adiposa e repleta de normas e regras – muitas delas sem densidade para figurar na lei maior –, o equilíbrio de poderes e o elenco de princípios tornaram-se pontos nevrálgicos que fizeram da Carta Magna de 1988 a mais democrática das nossas Constituições. Entre os princípios implícitos e explícitos da lei das leis, está o princípio da razoabilidade, que, à evidência, como se percebeu no caso da Lusa, foi amplamente ignorado.   

Como considerar que não fere a razoabilidade o fato de, após um campeonato de 38 jogos, 3.420 minutos jogados, em partida sem qualquer relevância, pois a Portuguesa já não mais corria risco de rebaixamento, a entrada em campo de um jogador, por 12 minutos apenas, tivesse o condão de rebaixar um time que mereceu em campo continuar na primeira divisão para colocar outro, que perdeu em campo o direito de nela permanecer, sob a alegação de que aquele jogador estava em situação irregular?  

E tudo porque – ao contrário do que ocorre na Justiça comum, em que as decisões passam a valer APÓS A INTIMAÇÃO FORMAL DAS PARTES e PUBLICAÇÃO DAS DECISÕES – o advogado da Portuguesa estava presente ao julgamento, para produzir sustentação oral, considerando, a justiça esportiva, que esse fato dispensava a regular intimação da decisão. Estranhamente, esse cidadão disse ter comunicado à Portuguesa o teor do julgado, à noite, por telefone, SEM QUALQUER PROVA DE QUE O HOUVESSE FEITO. Note-se que essa prova seria de fácil produção, bastando mostrar o registro telefônico da chamada supostamente feita para o número da Portuguesa ou de seu representante!!!   O ferimento não apenas ao princípio da razoabilidade mas também ao da publicidade, neste caso, está demonstrado por cinco evidências:  

1) a comunicação oficial só foi feita na 2ª-feira, após o jogo;  

2) o site da CBF só publicou a decisão na 2ª- feira, após o jogo;  

3) em situação rigorosamente idêntica, o Fluminense foi declarado campeão brasileiro, não obstante um de seus jogadores ter disputado irregularmente partida, após receber cinco cartões amarelos;  

4) nenhum representante da CBF acusou, quando da entrada em campo do jogador da Portuguesa, que ele estava suspenso;  

5) o estatuto do torcedor, que é lei publicada depois de um mero ato administrativo interno (Código Desportivo), exige QUE HAJA NOTIFICAÇÃO ONLINE.  

Creio que a absurda decisão – criticada pela esmagadora maioria da imprensa, pelo presidente da CBF, pelo ministro dos Esportes, por juristas de maior expressão no país – tem um aspecto positivo, ou seja, levar ao repensar sobre as arcaicas e feudais estruturas da Justiça Desportiva, que devem ser mudadas para exigir que os juízes sejam escolhidos mediante concurso público, e não sejam mais dinasticamente mantidos, como senhores da vida e da morte, no futebol brasileiro.  

Quanto à Lusa, ela pode e deve recorrer a Justiça Comum, por força do artigo 217, § 1º, da CF, que declara:  

“§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei"  

e do artigo 5º, inciso XXXV, cuja dicção é a seguinte:  

“XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”  

Somente a Justiça Comum pode recolocar em ordem o futebol, assegurando que as vitórias sejam conquistadas em campo. Para gáudio dos torcedores, através dela poder-se-á arejar, de vez, o bunker atual dos que decidem, nos bastidores, os destinos do nosso futebol.   

* Ives Gandra Martins é jurista.  
http://www.jb.com.br/ives-gandra-martins/noticias/2014/01/04/o-caso-da-portuguesa-e-a-constituicao/


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