1936 e 1968, dois pesos e duas medidas. O COI e seu cinismo apolítico
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Em 1955, na cidade de Montgomery, nos EUA, Rosa Parks voltava para casa de ônibus. Cansada após o trabalho, sentou-se em um banco situado no meio do coletivo. Pela lei, os negros só poderiam se sentar nas fileiras do fundo. O motorista, branco, exigiu que ela se levantasse. Ela se negou. Foi presa por isso. Como num rastilho de pólvora, a notícia se espalhou pelas ruas e elas foram tomadas por negros. Protestos se seguiram nas semanas seguintes por todo o país. Era a luta pelos direitos civis negados pelo apartheid norteamericano. Rosa Parks se tornou a "mãe dos movimentos pelos direitos civis" nos EUA.
Duas décadas antes, em 1931, o Comitê Olímpico Internacional, o COI, determinou que os Jogos Olímpicos de Verão de 1936 fossem realizados em Berlim. A escolha marcava o retorno da Alemanha à cena mundial. Outrora banida e condenada a um isolamento como preço a ser pago por sua derrota na primeira guerra.
Em meados do ano de 1936, não era mais possível ignorar o que estava ocorrendo na Alemanha. Hitler era o comandante do país. Ele ordenava uma perseguição a judeus, ciganos, partidos de esquerda, homossexuais e pessoas com deficiência. O destino dos indesejáveis pelo nazismo eram os campos de concentração já em funcionamento. Era véspera dos Jogos Olímpicos de Berlin. O Comitê
Olímpico, o COI, ignorou os alertas sobre o que ocorria no país.
Os 11º Jogos Olímpicos de Verão, mesmo assim, ocorreram em Berlim como se tudo estivesse normal. Era agosto de 1936.
A Alemanha sob o domínio nazista foi a grande campeã da 11ª Olimpíada. Os atletas alemães ganharam o maior número de medalhas, e a hospitalidade e a organização alemãs receberam elogios dos visitantes e do COI. Em um intervalo de dois dias após os Jogos Olímpicos, Wolfgang Fuerstner, então chefe da Vila Olímpica, suicidou-se. O motivo sua demissão dos serviços militares por ter origem judaica. A cada medalha ganha pelos atletas alemães, a saudação ao nazismo era feita no pódio. O COI nada fez para proibir.
Em 1963, a Cidade do México estava entre as quatro cidades finalistas que se candidataram a sediar os XIX Jogos Olímpicos de verão, que ocorreriam em 1968. Seria a primeira vez que um país em desenvolvimento sediaria os jogos.
Em 1968, foram assassinados Martin Luther King e Robert Kennedy, nos Estados Unidos, onde o movimento dos Panteras Negras - em defesa dos direitos civis da população afrodescendente - ganhava força. Também em 1968, meses antes da abertura dos jogos no México, estudantes foram assasinados em protestos estudantis. O movimento estudantil mexicano era parte do movimento que aconteceu em outros países, como a França, Alemanha, Japão, Brasil, Estados Unidos e Itália.
Mesmo após o massacre de estudantes pela repressão mexicana, o COI nada fez.
Na delegação dos EUA na Cidade do México, dois atletas, Tommie Smith e John Carlos foram suspensos dos Jogos Olímpicos de 1968 por fazerem um gesto contra a desigualdade racial no mundo e nos EUA. O gesto foi feito durante a cerimônia de premiação no atletismo, e consistia em erguer os punhos cerrados. Era um gesto de saudação dos Panteras Negras.
Os atletas nazistas medalhistas em 1936 não tiveram as medalhas cassadas pelo COI. Mas os atletas negros, os panteras negras de 1968 sim. Por quê?
No dia 23 de julho de 2020, o Comitê Olímpico Internacional, o COI, publicou em sua conta no falecido Twitter, um trecho do documentário Olympia, da cineasta Leni Riefenstahl, atleta e cineasta do nazismo durante os jogos olímpicos de Berlin, em 1936. O COI teve que retirar os vídeos após protestos e repercussão negativa.
O COI nunca fez uma revisão de sua conduta. Mas afirma que não aceita política nos jogos.