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Nos últimos vinte anos, de acordo com dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, houve um assustador crescimento da epidemia da Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida (aids), desde quando o diagnóstico passou a ser realizado em nosso país.

Apesar da relativa estabilização do aparecimento de novos casos nos últimos oito anos, como podemos observar no Gráfico 1, não podemos, nem devemos nos vangloriar com os resultados obtidos, pois, a cada ano, mais pessoas se contaminam com o HIV e, conseqüentemente, mais cedo ou mais tarde, desenvolvem a aids e, normalmente, chegam a óbito.

De acordo com Ayres (2000), a aids tem atingido atualmente os "menos cidadãos", que são os indivíduos que possuem menos recursos materiais e intelectuais e, coincidentemente, possuem menores possibilidades de se proteger dessa doença. Dessa forma, começou-se a enxergar o que foi denominada de pauperização da epidemia da aids, que é, em suma, a tendência atual de uma maior incidência de novos casos de contaminação pelo HIV, predominantemente entre as pessoas mais pobres.

Muitos educadores têm atualmente se deparado com crianças soropositivas para o HIV em suas escolas, sobretudo as públicas, por questão da já comentada pauperização da epidemia e, de acordo com Seffner (apud AGRA DO Ó, 2000, p. 70) essas instituições merecem destaque por serem nelas que encontramos "[...] as classes pobres e desfavorecidas (grupos definidos pelo baixo poder de barganha na estrutura sociopolítica) [e] serem, ao mesmo tempo, sua maior clientela e os grupos mais atingidos pela Aids".

A escola é um espaço de extrema importância no combate da aids, pois, afinal, trata-se de um local no qual os alunos passam uma boa parte de seu tempo e, em geral, eles sentem prazer em estar na escola, seja pela relação de amizade com professores e colegas, seja pelos conteúdos que esperam e acreditam receber. Já o professor, mediador principal da assimilação e transmissão de conteúdos naquela instituição (no restrito sentido de que ele ensina ao aluno e aprende por intermédio do aluno), pode fornecer informações básicas sobre como anda a epidemia de aids no mundo, no Brasil e na região em que vive, e também sobre os métodos de prevenção e os meios de contaminação dessa doença.

Entretanto, uma dificuldade se coloca diante deste trabalho prevencionista que o professor pode fazer: como garantir a qualidade da informação no combate à contaminação pelo HIV, quando se tem uma enorme variedade de professores com as mais diversas graduações, crenças, religiosas ou não, distintas e que, conseqüentemente, podem enxergar o mesmo problema de maneiras tão diferentes?

Não que um professor de Matemática não possa trabalhar a sexualidade e todas as demais questões com ela relacionadas, como mandam os PCNs de forma a "[...] abordar a sexualidade da criança e do adolescente não somente no que tange aos aspectos biológicos, mas também e principalmente aos aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos e psíquicos dessa sexualidade" (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, v. 10, p. 127-128). Aliás, pode e deve, por exemplo, após a aula em que esse mesmo professor mostrou o que é um gráfico e ensinou como fazê-lo, pedir aos estudantes que construam um gráfico para posterior discussão em sala.

O problema é que poucos têm sido os professores que vêm trabalhando em sala a sexualidade e suas nuances, ficando o tema em segundo plano, quando não é deixado de lado completamente. É justamente nesse ponto que se encaixa o professor de Educação Física, pois o fato de ter estudado em sua graduação conteúdos da área de saúde, como Anatomia Humana, Higiene, entre outras, dá maiores condições para esse profissional orientar seus alunos a respeito da aids/HIV, utilizando-se de uma abordagem mais científica, ao contrário do que poderia acontecer se ele recorresse ao senso comum ou a dogmas e crenças religiosas que mais confundem e desinteressam seus alunos do que informam ajudando na prevenção da doença.

Vale ressaltar que o maior diferencial que o professor de Educação Física tem, em relação às outras disciplinas na escola, deve-se ao fato de que, segundo Gariglio (2004, p. 67), "[...] a aula de Educação Física tem como característica central ser uma disciplina que possibilitaria maiores chances para vivências afetivas mais intensas e para intervenções pedagógicas menos formais". Outras particularidades mencionadas, exclusivas da disciplina, foram a "especificidade do ambiente físico", "a abertura à expressão mais livre dos alunos", "a possibilidade de materialização de experiências grupais" e o "contato menos formal entre professores e alunos", sendo, portanto, o ambiente ideal para a veiculação de informações seguras e sadias a respeito da doença da aids e das suas formas de contaminação e de prevenção do HIV.

Finalmente, esperamos ter contribuído de forma significativa na abordagem desse assunto, com as primeiras aproximações que fizemos neste trabalho com o referido tema. Consideramos ser de fundamental importância que o professor de Educação Física assuma o papel de um verdadeiro "educador sexual" na escola, utilizando-se dos conteúdos que adquiriu em sua vida acadêmica e de sua posição privilegiada em relação às demais disciplinas na escola.

Por hora, deixaremos para pormenorizar esse assunto em outros momentos, apresentando os resultados que obtivermos no decorrer do estudo de campo que faremos a respeito da aids/HIV na escola e a ação do professor de Educação Física em outros congressos de nossa área.

Obs.Os autores acadêmico Walk Loureiro (walkl@samarco.com.br) e a posgraduanda Kenia dos Santos Francelino Loureiro (walkl@samarco.com.br) são do LESEF/UFES

Referências

  • Agra do Ó, Alarcon. Educação preventiva: aspectos da vulnerabilidade docente. In: PINTO, Teresinha; TELLES, Izabel da Silva (Org.). Aids e escola: reflexões e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez, 2000. p. 69-79.
  • Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais, Brasília, 2001. v.10.
  • Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Boletim epidemiológico, Brasília, Ano 1, n.1, 2004.
  • Gariglio, José Ângelo. A cultura docente de professores de educação física de uma escola profissionalizante: saberes e práticas profissionais em contexto de ações situadas. 2004. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontífice Universidade Católica, Rio de Janeiro. 2004.