Integra

Sei que o usual na construção da ideia desse título é fazer uso da conjunção coordenativa alternativa ou em lugar da conjunção coordenativa aditiva e. Tenho certeza de que se eu tivesse sido uma aluna melhor na disciplina de português seria bem mais fácil explicar meu ponto de vista. O ou indica sucessão de fatos que se negam entre si, enquanto o e possui a função de adicionar. Ou seja, a bolsa se adiciona à vida e vice-versa, sendo a bolsa um objeto de uso pessoal, o lugar onde são feitos negócios ou ainda o benefício dado a estudantes e atletas cujo mérito faz jus ao suporte recebido.

A expressão a bolsa ou a vida é em si falaciosa, como já apontou o psicanalista Jacques Lacan. Escolher pela bolsa significaria ficar sem a vida, que não teria qualquer sentido sem a existência de quem a pudesse portar. Moral da história, a vida vem sempre em primeiro lugar e tudo o mais é busca, desejo ou frustração.

A última semana foi marcada por assombros: mais de uma centena de mortos devido a uma explosão causada não por terrorismo, mas por negligência no Líbano. Nada muito diferente daquilo que acontece no Brasil onde já se chega aos 100 mil mortos oficiais em função do covid-19. E os danos não param aí. Alterando a vida de milhares de jovens no Brasil, foi cancelada a bolsa atleta, benefício que há anos colabora para o desenvolvimento do esporte no país.

Como toda bolsa, esse benefício era concedido por mérito àquelas e aqueles que se descaravam em suas modalidades, fosse em nível nacional ou internacional. A manutenção desse destaque dependia de dedicação que gerava resultados, reforçando o modelo esportivo de excelência.

Como psicóloga tive a oportunidade de acompanhar atletas que usavam desse benefício para buscar aprimorar suas qualidades emocionais para treinar e competir. A função da bolsa-atleta era essa, dar autonomia a atletas que antes eram reféns de sistemas que dominavam suas vidas, tornando-os presas materiais e emocionais de pessoas inescrupulosas que manipulavam as verbas necessárias para seu desenvolvimento esportivo.

Antes da existência de recursos como o bolsa atleta restava o consagrado “paitrocínio”, fomento originário de famílias com recursos suficientes para bancar um filho determinado. Ou ainda o mecenato, fruto de rede de relações construídas a partir de habilidades pessoais que levavam a patrocínios para campanhas específicas, quase nunca longevas. E assim surgiram medalhistas como Sarah Menezes, Felipe Kitadai e todos os medalhistas dos Jogos do Rio, em 2016, exceto o futebol. Em uma década foram mais de 17 mil beneficiados.

Pobre país que se vê refém de uma estratégia que, com arma em punho, coloca cidadãos, e atletas entre estes, contra a parede, exigindo a vida não com a alternativa ou, mas com o aditivo e. Levam a bolsa e junto com ela a vida, uma vez que, sem as condições mínimas de sobrevivência, atletas não podem treinar em condições de igualdade com seus maiores adversários. Isso representa o fim de uma carreira, a morte para o esporte. Nada que surpreenda, quando se vê que políticas em outras instâncias levam a população do país ao esgotamento ou ao desenvolvimento de uma resistência natural, capaz de criar os anticorpos necessários para sobreviver sem qualquer uso de drogas ou vacinas. Vítimas da seleção natural os mais frágeis sucumbem, não sem dor ou sofrimento, escancarando a arrogância e a insensibilidade dos mais fortes. Resta acreditar que a força e o poder são temporários. E esse jogo ainda não acabou.