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Diferentes estudos têm surgido com grande interesse na discussão da importância da brincadeira para o desenvolvimento geral da criança. Estas pesquisas têm sido realizadas por diversas áreas do conhecimento, como por exemplo, a psicologia, a fonoaudiologia, a medicina, a educação, entre outras.

Em relação a educação física, acreditamos que uma das preocupações que fazem parte desta prática social é a sua inter-relação com a brincadeira no âmbito escolar, especificamente, no primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental.

Alguns estudos como: CARVALHO (1996), PINTO (1996) e SCHWARTZ (!998) têm surgido com o intuito de refletir a maneira pela qual a brincadeira pode ser desenvolvida pelos professores de educação física e possíveis motivos pelos quais o lúdico pode estar em maior ou em menor grau sendo favorecido no espaço da brincadeira durante as aulas de educação física escolar.

Com relação a questão do desenvolvimento da brincadeira nas aulas de educação física escolar, alguns destes estudos, apresentam sugestões próximas aos ideais da cultura corporal de movimento. Esta teoria sugere o desenvolvimento com as crianças de determinados conteúdos culturais, como: o jogo, a brincadeira, o esporte, a luta, a dança e a ginástica. Observa-se a preocupação destes autores em ressaltar a importância deste/a professor/a de educação física em proporcionar a seus alunos espaços para o ato de brincar.

Contudo, outros autores ligados, principalmente, à área psicológica percebem a brincadeira como possuidora de cunho formador para a vida adulta.

A partir destas apreciações, podemos observar que no contexto escolar existem duas funções para a brincadeira: a função lúdica e a função instrumental. A função lúdica, aqui chamada por brincadeira essencial, é aquela que conserva os elementos do lúdico, do divertimento, da busca de prazer e não precisa de objetivos específicos para acontecer. O seu potencial está na sua vivência livre e autônoma. A função instrumental, aqui chamada de brincadeira instrumental, é aquela que, muitas vezes, perde o aspecto lúdico essencial, pois direciona as ações para o alcance de objetivos já pré determinados, com o intuito de ensinar algo que poderá completar o indivíduo com relação ao seu saber.

Especificamente, este trabalho, tem como propósito refletir sobre esses diferentes enfoques que podem ser dados as brincadeiras dentro do contexto das aulas de educação física escolar. Destacando-se o não aparecimento do elemento lúdico na brincadeira instrumental, assim como o desequilíbrio da vivência destes dois tipos de brincadeiras, a instrumental e a essencial, durante as aulas de educação física.

A metodologia utilizada nesta pesquisa é do tipo exploratória, na medida que pretende descrever e interpretar o conteúdo da produção acadêmica, cujos temas ser referem as questões do brincar, do brinquedo, da brincadeira, do jogo, do lúdico relacionadas ou não ao universo da educação física.

Acreditamos que este estudo somado as demais pesquisas que vêm sendo realizadas em torno das temáticas: brincadeira, jogo, lúdico seja uma contribuição de grande importância para os profissionais de educação, no sentido de possibilitar um maior esclarecimento em torno dos conceitos usualmente utilizados no cotidiano da vida escolar. E, principalmente, chamar a atenção do/a professor/a de educação física para o valor da reflexão desta temática, pois esta se encontra intimamente ligada a sua prática pedagógica.

Mesmo reconhecendo suas limitações, julgamos que este trabalho apresenta uma visão crítica-reflexiva das formas como a brincadeira pode estar presente no processo ensino-aprendizagem no meio escolar. Além disto, aponta para a necessidade de uma maior sensibilização dos/as professores/as de educação física para a importância de se engajarem no mundo da criança, buscando entender os seus desejos, as suas expectativas, seus medos e seus momentos de imaginação e criatividade.

A brincadeira instrumental e a brincadeira essencial e suas inter - relações com a educação física escolar.

Para refletirmos com maior contextualidade a maneira pela qual podemos desenvolver a brincadeira nas aulas de educação física escolar do 1º e 2º ciclos do ensino fundamental, é interessante destacarmos a qual educação física estamos nos referindo.
Podemos discorrer que a prática da educação física escolar precisa estar voltada para o desenvolvimento corporal da criança, das suas competências motrizes, sem o intuito da performance, possibilitando a vivência de diversas experiências culturais que fazem parte do universo infantil, como podemos citar: os jogos, brincadeiras, ginásticas, danças, entre outros. Além disso, as aulas de educação física devem promover a autonomia da criança, a segurança na realização das atividades, o desenvolvimento da criatividade, da imaginação, do domínio corporal, do prazer e principalmente, da ludicidade.

Neste período escolar da criança, constata-se que a educação física faz interface tanto com o jogo esportivo quanto com o jogo infantil. O jogo esportivo entendido como cultura direcionada para a formação e voltado para a competição. O jogo infantil visto como brincadeira.

Acreditamos que nesta faixa etária, o jogo infantil (brincadeira) seja mais apropriado, visto que trata a questão do brincar como fim em si mesma, onde o lúdico latente e vibrante se encontra presente, fluindo. A expressão, a liberdade, a autonomia, a criatividade, o prazer do brincar da criança ficam assegurados, pois
"... o brincar, por sua natureza livre, desvinculada de finalidades outras que o prazer em si da brincadeira, propicia ao ser humano flexibilidade, criatividade e autonomia" (KISHIMOTO, 1996, p. 69-70).

Podemos dizer que esta conceituação de jogo infantil está contemplada no que denominamos brincadeira essencial, isto é, aquela que conserva os elementos do lúdico, do divertimento, da busca de prazer e não precisa de objetivos específicos para acontecer. O seu potencial está na sua vivência livre e autônoma. A brincadeira essencial por possuir este lúdico vivo e irradiante, se apresenta como possibilidade de ser um espaço educativo, visto que por sua essência, não possui finalidade imediata, promovendo a criação e expressão: significados básicos para a existência de uma situação pedagógica.

Com a prática da brincadeira essencial, a criança poderá manter acesa a chama da consciência, da valorização e do respeito ao pluralismo e diversidade cultural.

Como já foi destacado anteriormente, esta forma de ver a brincadeira não é seguramente a única. Temos uma outra que é desenvolvida com aspectos instrumentais, com objetivo que é exterior a sua prática e que aqui chamamos de brincadeira instrumental. Ela é vista com uma função metodológica capaz de ensinar algo que poderá completar o indivíduo em relação ao seu saber. Dependendo da maneira como o/a professor/a de educação física desenvolva esta brincadeira, podemos, muitas vezes, observar a diminuição ou a perda do espaço do lúdico essencial, pois poderá estar havendo um direcionando excessivo das ações das crianças, sem permiti-la vivenciar momentos de escolha de suas ações e de seus papéis, de alegria, de espontaneidade, de prazer, e de descontração.

Postulamos, que o aparecimento da idéia de uma brincadeira instrumental pode ter advindo de um contato que esta começou a manter com a prática pedagógica desenvolvida no cotidiano escolar. A escola aqui pensada como as relações sociais nela presentes e que fazem a todo momento a sua própria reconstrução de significados e estigmas.

Na escola, lugar criado por adultos, pode-se esperar uma grande dose de racionalidade, que tenta sucumbir o lúdico inerente ao ato de brincar. Na grande maioria dos casos, infelizmente, a escola tem a intenção de modelar as ações e de padronizar os elementos constituintes das suas relações, seja por parte do corpo docente, seja pela parte organizacional da escola.

A escola exige certa imobilidade da criança, principalmente quando esta se encontra dentro de sala de aula (FREIRE, 1989, p.13,14).  A instituição acaba reprimindo a necessidade que a criança tem de se movimentar, de construir conhecimentos e saberes através dos movimentos e de conhecer um pouco mais sobre as suas potencialidades corporais.

Portanto, a brincadeira não nasceu no seio da escola. Mas, ela foi transportada para dentro da mesma com todas as suas características, ou seja, fim em si mesma, descanso, livre organização, espontaneidade e prazer. No entanto, percebemos que ela vai se adaptando, quando necessário, ao universo da própria da escola, muitas vezes, perdendo um pouco da sua identidade.

É importante que nós entendamos que esta junção, não deve significar que a brincadeira precisa se descaracterizar para se adaptar a escola. Pelo contrário, um dos valores da brincadeira está na sua capacidade de transpor muitos dos seus valores para o íntimo do contexto escolar e dar-lhe mais movimento, mais flexibilidade e mais alegria.

Embora reconheçamos que os jogos e as brincadeiras são uma maneira de linguagem da criança, ainda está bastante tênue a idéia de serem reconhecidos enquanto conteúdos educativos por si mesmos dentro da escola, possivelmente porque ainda possuam uma conotação de não sério no imaginário das pessoas.

Postulamos, que esta questão pode ser uma mola propulsora que faz com que o/a professor/a de educação física necessite dar uma aparência mais séria às suas aulas, utilizando-se de atividades físicas que tenham objetivos exteriores ao próprio ato de brincar/jogar.

Neste sentido, o/a professor/a de educação física deve ter cuidado em não achar que toda brincadeira da criança precisa ter um objetivo pré estabelecido, para que possa ter como justificar a seriedade de sua aula, e assim ter como dizer a si mesmo, que a mesma teve um conteúdo educativo. No entanto, acreditamos que o mais significativo será ele reconhecer a necessidade de, naquele espaço pedagógico, existir a ênfase na criança, nos seus sonhos, fantasias, criatividade, na sua vivência lúdica e perceber que esses elementos são importantes para sua formação.

Logo, uma das questões que precisam ser priorizadasnesta discussão é a importância de proporcionarmos às crianças as brincadeiras instrumentais que não deixam de lado as particularidades do próprio lúdico, isto é, a autonomia, participação, expressão, criação, liberdade, prazer, cooperação, criatividade, interação, imaginação e espontaneidade.

Não podemos perder de vista o lúdico existente tanto nas brincadeiras essenciais quanto nas instrumentais. Esse lúdico se traduz na existência da espontaneidade, da imaginação, da interação. Cabe a nós professores/as darmos ênfase a utilização e a multiplicação dessas brincadeiras essenciais ou das brincadeiras instrumentais que permitem no seu interior este lúdico, onde através dele, aprende-se a brincar e a manejar os símbolos que a sociedade produz e reproduz.

A prática do professor de educação física e adoção das brincadeiras tanto essenciais quanto instrumentais.

Dentro deste contexto, existem aulas de educação física escolar que objetivam a prática de atividades espontâneas, mas que são eminentemente disciplinadoras e racionais. Citando um exemplo, podemos apontar na educação da criança uma acomodação ao jogo sistematizado, sem que haja, por parte do/a professor/a, estímulo a busca de uma maior clareza sobre os conteúdos de mensagem existentes no interior do jogo.

Para tentarmos vislumbrar concepções diferenciadas, é preciso que haja uma transformação no cotidiano da relações do educador com o educando.

É necessário que o professor passe a observar o jogo infantil de um outra maneira, valorizando aspectos importantes desta atividade lúdica, visualizando-as como um caminho de aprendizagem. Principalmente, é preciso que o/a professor/a se posicione enquanto parceiro da criança no seu processo de desenvolvimento, tentando proporcionar espaços em aula onde a criança possa continuar brincando e desvendando os mistérios do mundo lúdico.

Ampliar o espectro de possibilidades do brincar da criança é um aspecto primordial na infância, pois ela não está em uma fase de especialização, pelo contrário, é o momento de vivenciar formas diversificadas e democráticas de atividades corporais lúdicas. È fundamental deixarmos penetrar no seio da aula de educação física, as expressões e sentimentos que a brincadeira traz em si.

Optando por este posicionamento, nós professores/as, podemos dinamizar mais sistematicamente o espaço escolar e tentarmos contribuir na formação de crianças mais críticas das suas possibilidades, principalmente aquelas interligadas a transformação dos espaços que ocupam, do conhecimento e crítica aos valores pertencente aos movimentos corporais que sejam significativos para sociedade onde vive.

Acreditamos que sem um olhar mais crítico com relação a utilização exclusiva das brincadeiras instrumentais nas aulas de educação física escolar, principalmente aquelas que não enfatizem o lúdico, poderemos estar fortalecendo os ideais de uma sociedade que privilegia, na sua essência; a supressão da liberdade, a discriminação, a exclusão e a negação da diversidade de interesses e desejos de seus cidadãos.

Equilibrar a utilização tanto da brincadeira instrumental quanto da essencial é a nossa proposta. Compreendermos os momentos adequados para a utilização de cada uma delas, também é fundamental. Nesta perspectiva, não é de nosso interesse descaracterizar a importância da brincadeira instrumental, mas alertar para a importância da manutenção de determinadas características fundamentais para criança nesta faixa etária. O prazer, a diversão, a liberdade, a imaginação, o descanso, as condições de aposta e também, de competitividade moderada, o prazer de enfrentar a realidade ainda obscura e a manutenção das relações sociais com os outros são valores importante na formação dos nossos alunos.

Considerações finais

Acreditamos que para conseguirmos este equilíbrio é necessário que todos os/as professores/as de educação física estejam envolvidos/as. Sugerimos que um primeiro passo seja mergulharmos em um aprofundamento teórico sobre a questão do lúdico, das brincadeiras tanto essenciais quanto instrumentais e suas respectivas importâncias para o desenvolvimento da criança.

Um outro é refletirmos sobre que tipo de aluno queremos ajudar a formar: um aluno autônomo, que tenha condições de ser criativo e de liberdade de escolha, ou um outro que só segue as informações pré determinadas e não têm condições de caminhar com os próprios pés, de viver a vida com grandes doses de liberdade e criatividade.

Referência bibliográfica

  • Carvalho, Nazaré Cristina. Lúdico: sujeito proibido de entrar na escola. Motrivivência, Florianópolis, Ano VII, nº8, p.300-307, 1996.
  • Freire, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione, 1989.
  • Kishomoto, Tisuko Morchida. Jogo, brincadeira e a educação física na pré-escola. Motrivivência, Florianópolis, Ano VII, nº8, p.66-77, 1996.
  • __________ O jogo e a educação infantil. In: Kishimoto, Tisuko Morchida (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 1997.
  • Passos, Katia Cristina M. O lúdico essencial e o lúdico experimental: o jogo nas aulas de educação física. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1996.
  • Pinto, Leila Mirtes Santos de Magalhães.Sentidos do jogo na educação física escolar. Motrivivência, Florianópolis, Ano VII, nº8, p.95-108, 1996.
  • Schwartz; Gisele Maria. O processo educacional em jogo: algumas reflexões sobre a sublimação do lúdico. Licere, Belo Horizonte, n.1, p.66-76, setembro.1998.