15%: a classe operária é internacional
Resumo
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Integra
Quando a crise do COVID-19 começou na China e o governo australiano proibiu pessoas daquele pais de ingressarem na Austrália, as universidades Australianas ficaram de sobressalto. Há centenas de milhares de alunos e alunas chineses estudando na Austrália, da graduação, pós-graduação até o doutorado. Este pessoal representa uma parcela considerável do orçamento destas universidades, que na última década deixaram de receber bilhões de dólares do governo federal, e tiveram que se virar por conta própria. Houve universidades oferecendo apoio financeiro para alunos chineses que viessem para cá após fazerem a necessária quarentena em um pais vizinho, tipo Taiwan, Hong Kong ou Vietnã.
Quando o fechamento do pais chegou, há dois meses, as coisas pioraram. O governo federal abandonou os milhões (isso milhões) de estudantes internacionais por aqui, não ofereceu ajuda alguma. Falou literalmente para ‘voltarem para casa’. São milhões de asiáticos, mas também milhares de alunos do Oriente Médio, e muita gente da África e da América do Sul, ai incluindo o Brasil. Este pessoal se sustenta com trabalhos na indústria de hotelaria, entre outras, que basicamente fecharam durante o ‘lockdown’. Sem trabalho, sem grana para pagar aluguel, começaram a ficar na ‘fila da sopa’ para sobreviver. Um horror.
Por outro lado, as universidades perderam bilhões, algumas que dependem muito destes alunos, como a tradicional University of Sydney, chegaram a anunciar débitos de 500 milhões de dólares apenas para 2020. O governo federal, desconsiderando que o setor universitário e’ a terceira indústria do pais, não ofereceu nenhum apoio para recuperar o setor. Os pacotes destinados a ajudar trabalhadores demitidos, e negócios fechados em virtude da crise, foram cautelosamente preparados para excluir (isso mesmo, excluir ) o setor. Resultado: cortes e demissões em massa.
Mas pode isso, Laercio? Como se demite acadêmicos concursados em universidades públicas? Bom, para os mais desavisados, cabe lembrar que mais da metade do ensino de graduação aqui é feito por professores/as com contratos temporários, ou seja, o pessoal (muitas vezes alunos de doutorado, ou doutores que ainda não conseguiu uma vaga, ou professores de escolas) vem, dá as aulas que existem, corrige as provas, etc, e quando acaba o semestre, see ya later, aligátor. Voltarão se houver aulas no semestre que vem. Até paga bem (entre 300 e 500 reais a aula), mas é inseguro, nunca se sabe o próximo semestre. Outras milhares de atividades, como assistentes de pesquisa, e muitos cargos administrativos, também funcionam na base do contrato temporário. Assim, houve universidades que simplesmente cancelaram estes contratos e babau.
O sindicato nacional dos acadêmicos (NTEU, uma espécie de ANDES daqui) imediatamente se comunicou com seus membros, por meio de um e-mail do meu ponto de vista desastrado. Eles falavam que iriam negociar com os ‘patrões’ (os reitores das universidades, pessoas que centralizam tudo, alguns que já estão há décadas em seu cargo, com salários que chegam a um milhão e trezentos mil dólares por ano...) , mas já de antemão avisando que estavam dispostos a ceder um monte de conquistas históricas em troca da manutenção dos empregos. E assim foi, esta semana chegaram com uma proposta nacional já acordada com os reitores, que prevê cortes de 15% nos salários... uma vergonha, destruirão os acordos sindicais bravamente conquistados com greves e lutas, para entregar de bandeja uma proposta que ferra todo mundo... uma peleguice total. Dizem que precisam fazer isso para salvar 12 mil empregos casuais...de um total de 30.000. Mas o acordo só garante estes empregos até o final deste ano... um desastre.
Estamos lutando . A proposta tem encontrado resistência. Há muitas assembleias, mas é difícil, além dos caras terem toda a máquina do sindicato nacional e dos estaduais na mão, realizar assembleias via teleconferência é bem complicado.
Falando em teleconferência....vale lembrar que todo mundo aqui, literalmente, todos os professores e professoras se mataram para não abandonarem seus alunos no meio do semestre – todo mundo transformou seus cursos para o modo online em questão de dias.
Mas isso e’ outra discussão.
O Laercio tinha me pedido um texto sobre o pagamento de taxas para publicar artigos em revistas cientificas no exterior. Eu escrevi outra coisa, como dá para perceber. Até porque, com esta crise, ninguém mais vai ter $$ de pesquisa para pagar estas taxas. Nem tempo para fazer pesquisa. A minha verba, mesmo, como a de várias colegas, foi pro espaço. Não sei se no ano que vem teremos nada parecido. O pessoal dos institutos de pesquisa está tendo que descer para o chão e dar aulas para a graduação... online...