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Introduçâo

A Educação Física escolar vive uma crise histórica de legitimidade, estando na maioria dos casos, relegada a segundo plano no cotidiano escolar. E isso tem muita relação com a complexa e diferenciada construção que a envolveu durante mais de um século de inserção no currículo escolar.

Envolvidos nas discussões presentes nesse contexto, que de alguns anos para cá, vem gerando uma vasta produção teórico-crítica na área, estão os graduandos da UFRRJ, cursando a disciplina Prática de Ensino de Educação Física I, que caracteriza-se por proporcionar a práxis do ensino da Educação Física no espaço escolar.

Antes dessa vivência prático-teórica nas escolas, os alunos discutem, ainda na universidade, conhecimentos e problemáticas mais presentes na área, aprofundando-se em relevantes questões, como a crise de legitimidade, o histórico da disciplina, abordagens pedagógicas, PCN’s, planejamento, dentre outros.

Partindo para o período prático, que dura em média três meses, percebeu-se anseios muito comuns entre os alunos da Prática de Ensino: A incerteza sobre a presença e relevância da Educação Física no currículo escolar, culminando numa certa crise de identidade da disciplina e do aluno-professor.

Percebendo a riqueza contida na tentativa de superação de tal "crise existencial", gerando pensamentos, materializados em aulas bastante diferenciadas, alguns estudantes, envolvidos com escolas diferentes, dispôs-se a trocar idéias sobre suas primeiras experiências, ao final do período, fomentando um interessante espaço para a manifestação de conhecimentos, anseios e propostas relacionados à escola, questões didáticas e principalmente sobre a complexa identificação do "verdadeiro" papel da Educação Física Escolar, o que possibilitou a construção deste trabalho.

Justificativa

O trabalho foi desenvolvido com base nas primeiras experiências vivenciadas pelos graduandos de Educação Física da UFRuralRJ em duas escolas públicas do município de Seropédica, com o intuito de desvelar suas atuais inquietações e concepções sobre Educação Física Escolar.

Quando mencionado tal precariedade, nem se está referindo ao que seria de maior relevância social do professor de Educação Física, que seria o compromisso com um projeto político pedagógico com vistas à ascensão crítica e cultural da classe trabalhadora, mas sim, aponta-se para um problema ainda mais preocupante: um cotidiano escolar, em que essa autoridade "intelectual", encontra-se perdido e desinteressado por qualquer plano de formação ou orientação do educando para qualquer sentido que seja.

Pela riqueza contida nos anseios e reflexões que envolveram o grupo ao final do curso da disciplina, discutindo principalmente a respeito do atual momento de crise de identidade referente ao papel do professor de Educação Física na escola, percebeu-se a importância da construção desse trabalho, fomentado uma interessante troca de experiências no processo de formação dos futuros professores.

Objetivo

Verificar a reflexão e reação dos alunos frente a identificação e intervenção relacionados a sua função social nas primeiras experiências em âmbito escolar.

Discutir o sentido que pode ser dado à Educação Física na escola e sociedade, fundamentados pelo complexo histórico de inclusão e permanência no currículo escolar.

Apresentar e discutir manifestações dos alunos, referentes a tentativa de superação dos modelos tradicionais que envolvem a Educação Física Escolar.

Metodologia

O trabalho foi desenvolvido com base nas experiências de alunos da Prática de Ensino de Educação Física I, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, realizadas em duas escolas públicas do município de Seropédica (CAIC "Paulo Dacorso Filho" e E.E. Prof.

Waldemar Raythe), e foi motivado pelo complexo confronto entre a bagagem teórica construída na universidade e a realidade do ensino de Educação Física Escolar com turmas de Ensino Fundamental e Médio.

As reflexões a que se ateve este trabalho partiram principalmente das seguintes questões: o descompromisso social de muitos professores das escolas de tal município, caracterizado por ações destituídas de qualquer projeto político pedagógico; e as possibilidades de consolidação de um projeto de ensino-aprendizagem da Educação Física contendo como eixo central, a integração crítico-reflexiva do educando no universo da cultura corporal de movimento.

No período "prático" da disciplina, que durou aproximadamente 3 (três) meses, divididos em 12 (doze) aulas, os alunos, organizados em duplas, trios ou quartetos, estiveram em tais escolas onde, sob a orientação presencial do professor da universidade, ministraram aulas para as turmas cedidas, cada grupo com uma mesma turma até o final do período.

Foram elaborados planos de ensino referentes ao total de aulas a serem ministradas. Antes de cada aula também, os alunos entregavam um plano de aula ao professor orientador, que por sua vez, encarregava-se da observação e discussão de cada aula.

Na última avaliação do período, foi passado um trabalho para a turma, no qual eles deveriam relatar suas experiências na escola em questão, expressando sua atual concepção sobre Educação Física escolar.

Então, após o final do período, deram-se seqüência às discussões, através de constantes reuniões com alguns alunos interessados em elaborar esse trabalho, que foi possibilitado pelo embasamento em algumas das diversas produções teóricas na área, principalmente as de referencial mais crítico.

Fundamentação teórica

No final do século XIX e na primeira metade do século XX, a Educação Física permaneceu ligada a questões de higiene, saúde, eugenia e formação do homem forte disposto a servir a pátria e apto ao trabalho com maior eficiência.

Na segunda metade do século XX, após a segunda guerra mundial, temos uma mudança no enfoque da disciplina, assumindo os princípios, valores e finalidades duma outra instituição, também apropriada pelos interesses capitalistas, que é a esportiva. Aqui, a ótica continua sendo a da aptidão física, porém voltado para o esporte, visto o projeto fomentado na época referente à pirâmide esportiva, a qual teria sua base formada na escola.

Após o período de ditadura militar, em que tivemos a reabertura dos espaços de discussões, começa-se a repensar o papel da Educação Física na sociedade, alguns ainda dentro duma tendência pedagógica liberal e outros, identificados com uma perspectiva de transformação social, tentando romper com os ideais alienadores, enraizados na disciplina, buscando sua relevância e legitimidade para a classe trabalhadora, seguindo a tendência progressista da educação.

Darido (1998), apontando alguns pensadores da Educação Física, que sistematizaram propostas na tentativa de romper com o tradicionalismo/tecnicismo, destaca quatro diferentes concepções, sendo consideradas, por ela, as mais representativas: abordagens Desenvolvimentista, Construtivista-interacionista, Crítico-Superadora e Sociológica-Sistêmica.

Como a hegemonia política não mudou, a Educação Física não vem acumulando forças como disciplina escolar, suas discussões críticas em nada convergem com os interesses dominantes, que são antagônicos. Vemos surgir uma nova política-econômica, configurando um neoliberalismo, trazendo uma série de mudanças nas relações sociais, as quais vão prescindir mesmo daquela prática alienadora.Percebemos também, a negligência do Estado (assim como em outros setores da sociedade) para com a saúde e lazer do povo, nos quais pode também operar o mercado, individualizando tal responsabilidade (Bracht, V. 2001).

Conclusão

Em relação ao descompromisso social de alguns professores de Educação Física do município de Seropédica, o grupo entendeu que tal fato pode estar associado à diferenciada construção histórica que envolveu a disciplina, em diferentes contextos político-econômicos vividos pelo país. Percebeu-se que a falta de autonomia no seu pensar e agir durante toda a história, pode ser responsável pelo atual descaso e pela falta de especificidade pedagógica no cotidiano escolar de muitos professores. Porém, é importante dizer que apesar da ausência de ideais político-pedagógicos, os professores das escolas sentiam certo incômodo com a presença e intervenções dos graduandos em seus espaços. Em alguns momentos até tentavam justificar o "acomodamento", falando sobre as dificuldades relativas a recursos físicos e materiais, além da questão dos baixos salários, o que essencialmente não justifica tal posicionamento.

Sobre a identificação do papel da disciplina no atual contexto, o grupo entende que a Educação Física escolar legitima-se como um componente curricular que, além de ensinar as práticas da cultura corporal de movimento, respeitando e dialogando com os gestos motores culturalmente construídos pelos alunos, possibilita a reflexão crítica e contextualizada das mesmas, sendo dessa forma, um elemento fundamental para a formação integral do aluno, e, portanto indispensável ao projeto político-pedagógico da escola.

Entre todos os graduandos, manifestaram-se ainda alguns anseios, como a dificuldade na sistematização didática da Educação Física; e o complexo posicionamento diante de alguns princípios pedagógicos progressistas sugeridos na área, como a proposta de Mauro Betti (1991), que fala dos princípios da diversidade e não-exclusão. Em relação ao primeiro, o grupo relatou que sentiu dificuldade na sugestão de outros elementos da cultura corporal, além do desporto, em seus planejamentos, principalmente em relação as de caráter mais expressivo, como a dança. Já no atendimento ao princípio da não-exclusão, os estudantes relataram também certa dificuldade diante de espaços bastante estereotipados.

Contudo, em meio a discussões tão enriquecedoras e conflitantes, foi numa resposta de Valter Bracht (1992), dizendo que "a verdadeira Educação Física é aquela que acontece concretamente, e não uma entidade metafísica que estaria hibernando em algum recanto a espera de sua descoberta", que o grupo identificou uma interessante vertente para o fortalecimento e inspiração de seus ideais de transformação social.

Obs. Os autores, Patrick Gaigher Bermudes (patrickrural@ hotmail.com), Aline de Carvalho Moura (licacmoura@ hotmail.com), Joanna de Angelis Lima Roberto (nanaufrrj5@ hotmail.com) e Viviane Graça Rodrigues de Oliveira (vivioliver@ gmail.com.br)

Bibliografias

  • Betti, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
  • Bracht, Valter. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre: Magister, 1992.
  • Brasil, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio - Brasília: MEC, 1999.
  • Brasil, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Educação Física, Brasília: MEC, 1998.
  • Castellani Filho, Linno. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 4ª ed., Campinas, SP: Papirus, 1994.
  • Coletivo de autores. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
  • Darido, Suraya Cristina. Educação Física na escola: questões e reflexões. Araras: Topázio, 1999.
  • Freire, João Batista. Educação de corpo inteiro. Teoria e prática da Educação Física. Campinas: Scipione, 1989.
  • Ghiraldelli Jr, Paulo. Educação Física progressista. São Paulo: Loyola, 1988.
  • Kuns, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.
  • Tani, Go, et al. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP, 1988.