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Durante muitos séculos o sol e as estrelas foram a orientação para viajantes, navegantes e andarilhos de toda espécie. Na falta de mapas, gps ou qualquer sinal para referenciar uma localização ou ponto de chegada o céu era o maior fornecedor de pontos de referência. Diariamente, fizesse chuva ou sol, mesmo que as nuvens impedissem uma leitura atenta, o firmamento oferecia a orientação necessária para se chegar ao destino traçado.

Isso posto é possível entender por que as pessoas que conquistam destaque em suas funções e posições são chamadas de estrelas. A resposta mais rápida e óbvia parece ser porque elas brilham nessas atividades. Essa denominação começou com os artistas destacados do cinema e, com o advento das transmissões do esporte pela TV, passou a ser utilizado também para se referir aos atletas das grandes competições e eventos esportivos.

Já no final do século passado, a imagem de atletas passou a ser utilizada para inúmeros fins comerciais, atrelando à sua imagem vitoriosa a diferentes produtos. Mas, a imagem de atletas não é (ou foi) usada apenas para fins comerciais. Mais do que um pacato cidadão que cumpre seus deveres e paga seus impostos o atleta desde sempre é confundido com a figura mítica do herói.

Cada treino acabado com esmero, cada conquista de um bom resultado, cada medalha – por menor que seja o torneio –, pontua no céu único do atleta o seu brilho de estrela. E então essa luz começa a iluminar o seu caminho e chamar a atenção sobre si, principalmente em um mundo tomado pela escuridão.

Rapidamente esse atleta percebe que se não houver cuidado todas as dimensões de sua vida se tornam públicas e a depender de quem o cerca ele passa a ser aquilo que os interesses comerciais e o público desejam que ele seja. Empurrado para a condição de modelo ideal, o atleta tem que ser um “exemplo” de conduta para a sociedade. Ele tem que ter uma vida regrada, disciplinada, virtuosa em todos os sentidos porque é isso que o leva a ser um campeão.

Nesse caso não há espaço então para posicionamentos políticos e ideológicos, não há permissão para contestação ou formação de opinião, não há qualquer possibilidade de recolhimento em função da tristeza ou depressão. Destituído de humanidade espera-se do atleta ação e brilho ininterruptos, 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. Não há como um ser humano, mesmo dotado de habilidades incomuns, suportar tudo isso por muito tempo. A exigência desmedida consuma-se em desumanização.

Não é à toa que notícias sobre o afastamento de um atleta da vida esportiva cause sensação. Porque aos olhos do público essa é a vida que todo e qualquer humano deseja para si. Glamour, viagens, visibilidade, assédio, dinheiro... incrível no que a sociedade se transformou e transformou o esporte.

Essas questões tão comuns a jovens parecem imperdoáveis a atletas porque fogem ao estereótipo ação, determinação, enfrentamento e coragem, óbvio dentro das regras do jogo. E para quem escreve as determinações, ser atleta é respeitar de forma inconteste as regras, com o risco de se perder a carreira e o brilho.

A condição de atleta olímpico faz esses seres humanos se fixarem para sempre numa espécie de firmamento. E assim como a constelação de Órion, figura de um caçador ferido mortalmente por escorpiões se põe no oeste, enquanto a de Escorpião nasce no leste, numa perseguição incessante, os atletas continuam a perseguir suas próprias identidades, mesmo quando o brilho das vitórias esportivas deixa de iluminar suas vidas.