Resumo
O género é uma produção humana e é, fundamentalmente, uma relação. As relações de género são construídas pela ordem hierárquica das relações sociais de homens e de mulheres. As práticas físicas e desportivas apresentam-se como actividades genderizadas que (re)produzem ou desafiam a ordem de género. A Educação Física (EF) é um espaço de construção do género e das relações de género. Deste modo, é importante saber o que pensam os/as professores/as e os/as alunos/as acerca das actividades físicas e desportivas e do género, e como percepcionam as relações de género no âmbito das aulas de EF. Neste estudo, realizado em escolas do Distrito do Porto, foram efectuadas entrevistas a 10 docentes (5 mulheres e 5 homens) e a 40 discentes (2 de cada sexo de cada um dos/as docentes), e foram observadas 6 aulas de cada docente (n=60). Procedeu-se a uma análise indutiva dos dados das entrevistas, ou seja, as categorias de análise emergiram dos próprios dados, e a um sistema de observação do tipo tecnológico. As entrevistas, bem como o registo dos discursos ocorridos entre docente e discentes e das intervenções dos/as docentes nas aulas observadas, foram sujeitas a uma análise interpretativa. Como estudo complementar procedeu-se a uma análise documental aos conteúdos programáticos de todas as disciplinas dos cursos de licenciatura que formam professores/as em EF, nas universidades públicas do continente. No âmbito do presente estudo podemos concluir no que concerne ao desporto e ao género que: os/as docentes são portadores de crenças que condicionam as práticas de actividades físicas e desportivas a uma adequação ao género; os/as discentes percepcionam diferenças de oportunidades de práticas desportivas entre géneros, claramente em desfavor das raparigas e das mulheres; a genderização do corpo biológico alicerça e sustenta um corpo social performativo com visíveis repercussões nas formas e movimentos que os corpos masculinos e os corpos femininos no desporto devem apresentar e desenvolver. No que respeita à EF e às relações de género conclui-se que: a EF e os contextos das suas aulas não parecem providenciar nenhum poder emancipador no que respeita à situação das raparigas e das mulheres no desporto, na medida em que reproduzem e reforçam crenças e ideologias androcêntricas do desporto; algumas alunas queixam-se de comportamentos e atitudes dos seus colegas que as incomodam, as ofendem e as levam a um desinvestimento nas actividades; as práticas físicas e desportivas parecem ser propagadoras de uma masculinização hegemónica e de uma feminização acentuada. Os cursos de formação de professores/as abordam o tema do género pontualmente e, salvo raras excepções, não o enquadram numa abordagem pedagógica e didáctica. As relações de género e diferentes discursos acerca da EF devem fazer parte do conhecimento do/a professor/a no sentido de estes/as serem capazes de reflectir criticamente acerca de como o género é construído/estruturado na e através da EF. A formação inicial de professores e de professoras parece constituir-se como o contexto apropriado no e pelo qual deve ser desenvolvida uma abordagem transversal das questões de género e das relações de género nas actividades físicas e desportivas.