Resumo

Valores são conteúdos das aulas de Educação Física, disseminados por alunos e professores, de forma consciente ou inconsciente. Entretanto, embora muito se fale sobre a relação entre Educação Física e construção de valores, pouco sabemos sobre como essa construção se dá no cotidiano das aulas e como esses valores se apresentam no currículo. Mediar a construção de valores não depende apenas da vontade, da competência ou da boa intenção do professor de Educação Física. Inúmeros fatores agem nessa construção, dificultando a intervenção docente. Pesquisas têm indicado que alguns professores identificam dificuldades para implementar a construção de valores. Quais são as dificuldades percebidas por esses professores? Qual a origem dessas dificuldades? Para responder estas questões, elaborei o presente estudo com o objetivo de compreender o que dificulta o trabalho de professores que se propõem a fazer das aulas de Educação Física um espaço para a construção dos sistemas de valores de seus alunos. A Hermenêutica Crítica constitui a base epistemológica deste estudo, no qual procurei me aproximar do cotidiano escolar, local onde as dificuldades tornam-se concretas. Acompanhei a prática de três professoras, escolhidas intencionalmente. Para buscar as informações necessárias no cotidiano escolar dessas professoras utilizei como recursos a observação e a entrevista semiestruturada com professoras e alunos. Construí notas de campo para registro de observações das aulas e de aspectos relevantes das entrevistas, que foram devidamente gravadas e transcritas. A partir da análise dos dados identifiquei diversas dificuldades enfrentadas, relacionadas à aspectos internos e externos às professoras, como aquelas relacionadas à infraestrutura e aos recursos materiais disponíveis na escola; à organização escolar; aos valores e atitudes da equipe escolar; à concepção de educação física presente na cultura escolar; à elaboração e aplicação das aulas de educação física; ao relacionamento com os alunos ; e ao estado emocional das professoras. Contudo é possível identificar a existência de uma interrelação entre interioridade e exterioridade, à medida que as concepções das professoras sobre as possibilidades de estimular os alunos a construir valores na escola constituem seu habitus profissional e interferem nas expectativas construídas e na percepção das dificuldades enfrentadas. O habitus, numa relação dialética com fatores conjunturais, produz as práticas, que exteriorizam as disposições interiorizadas, e tendem a reproduzir a estrutura social que definiu as condições para sua produção. E parte do habitus de professor de Educação Física a disposição para fazer de suas aulas espaço para a construção de valores morais. Esta disposição é uma forma de ilusão, inconscientemente utilizada pelo professor, na tentativa de construir um sentido para sua prática. Ela tem levado ao estabelecimento de expectativas irreais, incoerência entre discurso e intervenção e, no caso das professoras participantes deste estudo, ao sentimento de frustração ou de impotência. Romper com esta ilusão é essencial para que o professor possa adotar uma perspectiva crítica, reconhecendo-se como agente social que tem possibilidades e limites em sua intervenção, como faz uma das professoras investigadas. Nessa medida, é preciso rever o espaço que a construção de valores morais deve ter nas aulas de Educação Física e criar maneiras de trabalhar valores de forma relacionada ao conteúdo específico da disciplina.

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