Integra

Para minha mamae Olga querida

Acordar bem cedinho, no meio da madrugada. Aquele frio.  Aquele silencio. Colocar a camisa da seleção debaixo do pijama quentinho. Desenrolar as bandeiras nacionais, e cantar o hino brasileiro à  capela sob o olhar atônito dos seus filhos…Torcer pela sua seleção com a sua família… Xingar o juiz, o adversário, algum argentino que esteja passando no momento – mas não a presidente, claro, isso não se faz em publico, a representante da nação em meio aos demais representantes, a anfitriã da festa,  uma senhora de mais de 60 anos, onde já se viu? Ridículos, 1500 abdominais no mínimo, 200 flexões de braço, 300 voltas na quadra – sem reclamar senão dobra. Gritar, ensinar alguns gritos de guerra de torcida brasileira para as suas filhas, que felizes da vida gritam juntos. Feito tudo isso, ver o Brasil obviamente ganhar, sem ainda apresentar aquele esperado futebol-arte. Mas vitória!

E agora? Bom, agora se arrumar, levar as crianças na escola e ir trabalhar, tanta coisa pra fazer… Nenhum feriado-copa a vista, pouquíssimas pessoas sabem que esta tendo Copa… quer dizer, ate sabem, mas não ligam muito… Com quem vou discutir ao vivo o pênalti do Fred, o claríssimo e indiscutível pênalti no Fred? Pera lá, se é ‘indiscutível’, porque quero discutir? Porque essa  é a graça, logico. Alias, ilógico. E gostoso. Demais.

Assim é a vida do expatriado que não teve dinheiro para ‘fazer’ a Copa. Mesmo pela TV, esta Copa (fora) do Brasil é absolutamente diferente da Copa de 2010. Pelo menos pra mim. O sentimento é outro, vi um conhecido no estádio! Outro! ‘Pai, você conhece todo mundo!’ comenta o meu filho. ‘Olha, aquele não é o Fabinho, que foi nosso colega sei lá onde?’, pergunta a esposa. A Copa em casa. E a gente fora de casa. Uma opção, sem duvida. Tem gente por ai reclamando muito. Mas ninguém quer vir pra cá ver a Copa.

A cobertura da TV australiana está maravilhosa. Um canal aberto, com gente que gosta de futebol, ex-jogadores da seleção, o Less Murray (aqui conhecido como ‘Mr. Futebol’, que inclusive da nome a um torneio de futebol organizado pelos Canarinhos, um grupo de brasileiros que bebe e faz churrasco todos os domingos no Centennial park, na área central de Sydney – em um lugar que ficou conhecido como ‘Brazilian fields’. Ah, esqueci de mencionar que eles jogam bola lá também, sorry Gel!

A Copa aqui na Australia passa toda em um canal aberto chamado SBS (eles na verdade  tem SBS 1 e SBS 2). Em maio do ano passado, houve um seminário na La Trobe University, em Melbourne, intitulado ‘Brazil in the Centre of the Sport’s World’ (O Brasil no centro do mundo esportivo), com a presença do embaixador brasileiro na Australia, com direito a musica brasileira, feijoadinha e quitutes. Tudo nos conformes. Havia dois palestrantes principais no seminário. Um, o Craig Foster, ex-jogador da seleção Australiana (os Socceroos) e atual analista chefe de futebol da emissora – um verdadeiro rock star, coroao grisalho, boa pinta, fala mansa. O outro palestrante, adivinhem? Isso mesmo, euzinho aqui. O Craig falou algumas generalidades sobre o Maracanazo, da vez que ele jogou contra o Brasil e tomou um coco, e de como ele esperava ansiosamente a Copa no Brasil – e que se fosse para ter atrasos no aeroporto ou problemas de infraestrutura, ele queria mais é viver tudo isso, junto com os brasileiros. Afinal, para ele o Rio é sua ‘segunda cidade favorita no mundo’ – só perdendo, claro, para Sydney – ‘eu sou um Sydney boy’, ele declarou. Muito simpático e charmoso. Polemica zero. Audiencia máxima.

Na sequencia, euzinho aqui falei das questões sociais – meu tema era gênero no futebol, e eu perguntava se o futebol feminino sobreviveria a avalanche da Copa no Brasil…Adivinhem quem foi cercado pelas estudantes universitárias na hora do almoço, para fotos abraçadinhas e autógrafos? Bom, eu ao menos fiz alguns contatos acadêmicos ‘superimportantes’, e os caras me levaram pra jantar em um restaurante tailandês super apimentado, só comi arroz – e ainda rachamos a conta.

Mas este Craig Foster que esta agora no Rio, capitaneando a cobertura australiana da Copa. O estúdio principal da SBS é um arraso, em um prédio bem alto, janelas envidraçadas com uma belissima vista de Copacabana. Ah, eles adoram Copacabana, a princesinha do mar – nesta semana o mar sou eu! No estado onde moro existe ate uma escola chamada Copacabana Public School. Vai entender.

Há mais de um mês, eles focam o Brasil direto. Produziram um programa, chamado ‘This is Brasil’ (‘Isso é Brasil’, com S mesmo!), com uma apresentadora brasileira que mora em Sydney há anos, uma moca na casa dos 30 anos, linda. Ela foi a todas as cidades-sede da Copa, apresentando a cultura local, as musicas, o futebol, a comida, as danças, a gente brasileira, para o publico australiano. Sobrevoou São Paulo de helicóptero, foi a rodas de samba na vila Madalena, comeu pão de queijo com a própria família em Minas, entrevistou o Jayme Lerner em Curitiba para discutir as cidades sustentáveis, deu uma palhinha no frevo e esticou ate Fernando de Noronha…Agora ela esta cobrindo a Copa ao vivo, acompanhando a torcida australiana que aparentemente comparece em bom numero no Brasil.

Ela fez tudo em um clima muito positivo, como tem sido a cobertura em geral da Copa por aqui no SBS. Durante 30 dias o SBS2 esta passando uma mostra de filmes brasileiros, sem dublagem, em português mesmo com legendas em inglês! Já passou ‘Bruna surfistinha’, hoje a noite tem ‘Carandiru’, depois ‘O ano em que meus pais saíram de férias’, ‘Linha de Passe’ e outros. Festa da cultura brasileira. Tudo alto astral, revelando um pouquinho o pais para os não iniciados. Mostram as mazelas, as favelas, um pouquinho da violência – mas prevalece o lado alegre e festivo do Brasil. A vinheta de abertura de todos os jogos da Copa é fantastica, um desenho animado com uns 45 segundos, com moleques jogando bola nas favelas do Rio, olhando a paisagem linda lá embaixo, depois a bola cruzando o pais…nas ruas das cidades, nas matas amazônicas.  Uma vibração incrível.

Ai, você sai as ruas…e nada acontece. No máximo, o professor das minhas filhas que torcia para a Espanha no inicio da Copa, mas agora falou que na verdade torce para a Holanda. Alias isso aqui é muito fácil: primeiro, o time da casa (os Socceroos) não é lá estas coisas, não há grandes expectativas deles avançarem na competição – ainda mais em um grupo com a Espanha, Chile e Holanda – então o pessoal já tem um segundo time na manga. Eles aproveitam que aqui ‘todo mundo’ é imigrante e torcem para o time dos seus pais, ou avos.

Mas nas ruas, o silencio da Copa fora do Brasil é ensurdecedor. Uma aluna minha organizou um grupo de jovens para assistirem o primeiro jogo da Australia contra o Chile em uma sala comunitária onde eles se reúnem semanalmente; colocaram a TV, sofás, etc. Chegaram lá, bem cedinho, sete da manha, e o lugar estava trancado. Ninguém aparece para abrir, ninguém tinha a chave do local. Rapidamente, ela pegou a gurizada e foram para um Mac Donald’s nas cercanias. Um dos patrocinadores do evento, que vende sanduiches chamados ‘Rio’, ‘Brazil’ (com Z aqui), etc… passando o jornal local na TV…ela teve que brigar muito com o gerente da loja para colocar a Copa no ar…

A partir de agora, o grupo vai assistir todos os jogos na lanchonete. Segundo minha aluna, é mais quentinho que no centro comunitário.

Já estou prevendo a batucada…

Por Jorge Knijnik

em 17-06-2014, às 5:15

28 comentários. Deixe o seu.

Comentários

Jorge, delícia de cobertura, a tua!

Imagino o contraste de tua empolgação e da frieza com relação ao tema, ao teu redor.
Mas estamos juntos – vibrando em uníssono nos diversos cantos do mundo.
Um abraço grande

Por Rachel Moreno
em 17-06-2014, às 5:45.

Mais vale uma X family vibrando e vibrante do que uma nacao inteira meia boca! Abracao!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 6:02.

Jorge, como é este futebol no parque? Mande mais informações… pô, vai lá bater uma bola e faça uma crônica!!!

abs

Por Reinaldo Pacheco
em 17-06-2014, às 6:47.

Reinaldo, o futebol no parque basicamente tem uma bola redonda, dois gols, um de cada lado do campo…futebol, sabe como eh? rsrsrsrs…porque voce nao vem jogar aqui, voce sempre se gabou das suas habilidades futebolisticas… furadas…muito injusto voce estar no time da eefusp e eu nao…pelo menos seus rebentos estao salvando a Pacheco family! Abracao!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 7:00.

Jk; que leitura agradável… O bom humor e a riqueza de detalhes que um evento desse porte deve ser admirado. Parabéns

Por Ady
em 17-06-2014, às 7:22.

Ta otima a sua descricao, eu tenho acordado todos os Dias de madrugada, e assito todos os jogos.

Mas Depois realmente nao consigo comentar com ninguem. Os australianos ficam me Perguntando soccer? World Cup? When is that ?
No sabado quase ninguem sabia que Ia rolar jogo dos Socceroos ….
Quem sabe a proxima geracao?
E o programa Full brazilian assistiu ?

Por Laura
em 17-06-2014, às 7:49.

Olha, achei bem razoáveis os Socceroos. Podia ser pior. Podiam arrancar um pontinho da Espanha. Ia ser divertido!!!

Por Gabriel R.
em 17-06-2014, às 8:18.

Um abracao, Ady! Obrigado!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 9:20.

Eu gravei o Full Brazilian, ainda nao assisti…sono…:) me liga pra comentar dos jogos, imagina o Rio agora- cheio de carioca e argentino, deve estar insuportavel :)

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 9:21.

Por que la mirada contra la furia? Aussie aussie oi oi oi!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 9:22.

Grande Jorge

Parabéns pelo deliciosos texto. Lembrei do dia em que eu estava fora do país e levantei às 3 da manhã para acompanhar um jogo pela internet do hotel (horrível por sinal). Que sufoco.
Ainda espero por mais textos para colocar no meu blog. Abraços
Dante

Por Dante
em 17-06-2014, às 14:08.

Oi, JK.

Acho que após o “pontapé inicial”, até os pessimistas se renderam à copa. Não que estejamos contentes ou tenhamos esquecido de tudo aquilo que sabemos e que eu não estou afim de replicar, mas, puxa…, tem sido realmente um grande barato.

E o barato não tem sido apenas os jogos, ótimos por sinal, mas a possibilidade e a oportunidade de trocar “figurinhas” como nossos amigos do mundo. Minha coordenadora estava contando ontem que suas duas filhas adolescentes estão ansiosas por andar pelas ruas e encontrar “estrangeiros” para conversar, quem sabe ajudar alguém perdido e praticar o inglês.

Oportunidade de acrescentar novos elementos de discussão (entenda-se zoeira) para nossas rivalidades locais e internacionais, tipo… “o Rio deve estar um inferno, tá cheia de argentino e carioca”.

Enfim… fazer o que gostamos de fazer… curtir o futebol.

Abraço, JK.

Por ASA
em 17-06-2014, às 14:44.

Belo texto, Jorge, como sempre. Só não concordo que seja bonita a animação da FIFA com o menino em cima de uma telha de zinco (e não da laje). Passa aqui também, deve passar no mundo inteiro.

Por Marilia
em 17-06-2014, às 16:05.

Grande Dante, querido professor e amigo, obrigado pelo prestigio! Voce viu um post que publiquei no historia(s) do sport, sobre basquete judaico em melbourne? Chama sextas sem cestas (se bem me lembro), quer republicar la no blog laranja? Me avisa que agilizo, abracao!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 16:40.

Valeu, Asa! Da pra perceber que a magia do evento envolveu grande parte das pessoas, mesmo… A merda eh o sabor amargo que fica com as porradarias e a s remocoes…. Mas o showw ta lindo, aproveita, best Copa ever!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 16:42.

Obrigado Marilia, pelo carinho, prestigio – e atencao aos minimos detalhes, como sempre! Grande abraco

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 16:43.

Como sempre, uma delícia ler seus textos!!

Por Monica
em 17-06-2014, às 17:43.

Você me saiu um cronista e tanto meu caro. Fazer esse minestrone de ensaio com as crianças tabelado com os brazucas do parque, mais as alunas no Mc, tudo ao mesmo tempo agora, um delícia. Vou só colocar um temperinho de “véio”, de sessenta, nesse quitute gostoso que é sua prosa.

A elite branca desta terra que sempre teve como ideal tornar-se um imenso Portugal (como cantou o Poeta; por vezes lôca prá ir à Maiâmi in shopping… essa sim uma “pobreza” envergonhadora. O Brasil levou 510 anos para ter uma direção Política que não fosse lambebotas de alguma nação com vocação colonizadora e quando inicia um ciclo de dignificação de seu Povo, lá vem ela novamente, aquela mesma elite que não “suporta” ver algumas classes se dessurbordinarizando. Como não sabem argumentar eles xingam. É de uma mediocridade abismal. Essa pobreza é que atrasou o Brasil nesses 510 anos.

Há países em as elites foram promovedoras e promotoras de incentivos nas artes, ciências, política e tudo o mais que fizesse com que os cidadãos crescessem e a sociedade como um todo prosperasse. Aqui é dos poucos lugares onde os escravocratas de plantão apostam no imobilismo social para garantir sua maior ganância. Ô elitezinha probrinha pobrinha!!! Beijão Jorjão laidjão!!!

Por Luiz Alexandre Lara
em 17-06-2014, às 17:51.

Além do que o cara ta virando jornalista!!! adorei!”

Por Veroca
em 17-06-2014, às 18:02.

Jk,

Mas isso não é a “copa”! Isso é a ganância e a falta de escrúpulos de políticos e empresários oportunista que se aproveitam desta situação para lucras às custas, como sempre, do povo. Sim… triste!
Agora, sobre a “copa”, acho que também temos a oportunidade de discutirmos sobre esse modelo imperialista “padrão FIFA”.
Na Alemanha as manifestações populares conseguiram liberar a comercialização de outras marcas de cerveja nos estádios. Aqui, segue-se com o “hot dog” padrão FIFA. Se os estrangeiros vissem do “hot dog” padrão Osasco… acho que haveria outro levante popular! =)

OBS. álcool e hot dog não fazem bem a saúde!

Por ASA
em 17-06-2014, às 18:53.

JK, registro aqui a minha inveja antecipada:
Aí não deve ter patriotada babaca, pieguice em geral e o locutor gritando gooooooollll.
Continua relatando. Se der, passa o endereço da reportagem da menina bonita.
Laercio

Por laercio
em 17-06-2014, às 21:16.

Monikao, delicia e’ ter voce de leitora!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 22:37.

Mr. X, radical! A partir de agora, eu fico com as amenidades e comentarios esportivos – e voce na cobertura politica, com enfase em arrupiar os coroneis da paulista! Abracos de respeito, e UISK neles!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 22:42.

Veroca, ainda bem que voce vai animar o coreto aqui- traz o bumbo!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 22:44.

Isso ai, Asa! Por uma Copa mais healthy! Osasco dogao light!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 22:46.

Ja vi brazuca delirando pelo Galvao…pode isso, Laercio?!

Por Jorge Knijnik
em 17-06-2014, às 22:47.

Jorge,

Um amigo australiano tava no Rio, me mandou uma mensagem Dissendo que so tinha Argentino la….rs
Assiste o Full Brazilian, uma das Matildas ta sempre la de convidada.
Bj

Por Laura
em 18-06-2014, às 16:28.

Laaaaura, num deve ta mole la nao… Argentino com Carioca….vai sobrar nada…. O maradona e’ melhor do que o Pele’?

Por Jorge Knijnik
em 18-06-2014, às 16:41.