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Relatos no esporte apontam para desigualdades vividas e negadas

Já faz alguns anos que esse episódio aconteceu. Foi precisamente na posse do presidente Barack Obama. Uma emissora de TV me convidou para um programa ao vivo sobre racismo no esporte. Isso porque o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos da América tomava posse e porque ele gostava de esporte. Logo, o foco do programa seria racismo e esporte. Ao meu lado estava um sociólogo carioca que estuda as questões do racismo no Brasil.

E aquilo que parecia ser uma conversa despretensiosa ganhou contornos de tensão quando o âncora resolveu afirmar que o racismo é coisa de americano e que não existia pecado do lado de baixo do Equador. Como num jogral, começamos a apontar os casos de discriminação racial no esporte brasileiro, dos mais visíveis aos mais velados, e como isso afetava a vida dos atletas vítimas do preconceito.

A discussão prosseguiu até que a produção enviou pelo ponto do ouvido a determinação para que ele mais ouvisse do que falasse.

Esta semana, o óbvio ululante se confirmou, não por parte de um atleta, mas daquele cuja função é aplicar a regra e manter a ordem dentro de campo. O ex-árbitro e hoje comentarista Márcio Chagas manifestou-se sobre os casos de racismo vividos quando ele estava na ativa e agora na função de comentarista de arbitragem.

É chocante ler episódios naturalizados como “brincadeiras”, que não são investigados nem punidos, colaborando assim com a violência que atitudes e comentários promovem. Infelizmente, Márcio não é o único a passar por esse tipo de constrangimento.

O preconceito é uma sombra social que se manifesta quando as relações são desiguais. E no desequilíbrio vivido entre luz e sombra, ela se adensa ou se dissipa.

O esporte deveria ser aquela manifestação sociocultural de promoção de respeito e amizade, mediada por regras, para que a igualdade fosse respeitada, e a vitória fosse o resultado de uma disputa justa. Mas o jogo imita a vida e vice-versa.

Os relatos de racismo no esporte apontam para as desigualdades vividas e negadas que deixam marcas perenes em quem as viveu. O discurso da democracia racial parece muito apropriado para apagar os vestígios deixados por relações seculares que atendiam a interesses que levaram o Brasil a ser um dos últimos países do mundo a acabar com a escravidão.

Mas o preconceito não é algo que se extermina por decreto. Ele está entranhado nos seres humanos que viram e ouviram assertivas dentro de casa, na escola, nas arquibancadas dos estádios, dentro dos vestiários e da boca de dirigentes e técnicos, estes últimos muitas vezes referenciados como a autoridade máxima para um atleta.

Os casos vivenciados por Baiano, Grafite e Márcio Chagas são apenas os mais destacados, porque esses atletas e o árbitro tiveram a oportunidade de comunicar em meios de amplo acesso.

Há inúmeros outros que permanecem escondidos e esquecidos porque, além do canal de comunicação, falta a formação pessoal para entender que o ataque sofrido é discriminatório e, portanto, criminoso. Mas o empoderamento exige informação, formação e educação para tal. E o esporte pode cumprir esse papel.

No futebol, pelo poder inegável de multiplicação. Nos esportes olímpicos, pela aplicação dos valores universalmente propagados, razão de ser de todo o sistema olímpico. Feito isso, ficaria evidente que, mais do que um esforço de marketing, o que se pretende com a prática do esporte é o inegável esforço de fazer o ser humano ser apenas humano.

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