Integra

No Brasil, o Centro Integrado de Educação Pública - CIEP - surgiu em meados dos anos 80, no Rio de Janeiro -RJ - Brasil, através da concretização do sonho do educador Darcy Ribeiro em construir uma escola inovadora, crítica e prazerosa. Na implantação de uma escola de turno único e tempo integral, voltada principalmente (mas não unicamente) para as crianças oriundas das camadas mais pobres e carentes da população e, capaz de além de "ensinar" o conteúdo das disciplinas, cumprir também um papel assistencial de garantir aos seus alunos uma alimentação de qualidade e apoio odontológico.

"Só uma escola nova, concebida com o compromisso de atender as condições objetivas em que se apresenta o aluno oriundo das classes menos favorecidas, educará o Brasil. Só uma escolarização de dia completa, com professores especialmente preparados e de rotina educativa competentemente planejada, acabará com o menor abandonado que existe no Brasil. Assim é porque só aqui se nega à infância pobre a escola que integrou na civilização letrada a infância de todas as nações civilizadas". (Darcy Ribeiro - 1995).

Mas o CIEP não surgiu apenas dos ideais de Darcy Ribeiro. O projeto tinha raízes e antecedentes na história da Educação Brasileira, como, por exemplo, a experiência da "Escola Parque" implantada pelo grande educador baiano Anísio Teixeira nos anos 50, quando iniciou sua luta incansável pela construção de uma escola pública laica e de qualidade. Trazia ainda algumas idéias de Antonio Gramsci, pensador político italiano que no inicio do século 20 propunha a "escola única", que pudesse superar a dicotomia do velho sistema educacional da Itália, constituído por escolas acadêmicas e teóricas reservadas às elites e escolas práticas, de ofícios manuais, para os filhos dos trabalhadores.

Além de Gramsci, o projeto pedagógico do CIEP apoiava-se na pedagogia de Dewey, o educador americano que propugnava a educação "ativa" centrado na investigação e experimentação prática e no trabalho em grupo e coletivo.

Mas, sobretudo o projeto do CIEP significou um avanço inovador no marasmo educacional brasileiro porque tinha como eixos centrais de sua proposta a transdisciplinaridade a exploração das várias formas de linguagens como formas de expressão do aluno, a gestão democrática das escolas através dos Conselhos Escola Comunidade e articulação da educação com a cultura (em especial a cultura popular), através do trabalho dos animadores culturais e das oficinas.

Em Americana o projeto de implantação dos CIEPs teve início a partir de 1989, com várias visitas à equipe técnica responsável pelos CIEPs do Rio de Janeiro- RJ (inclusive ao próprio Darcy Ribeiro) e a elaboração dos projetos arquitetônicos e pedagógico - administrativo.

Hoje, a Rede Municipal de Ensino de Americana - SP conta , entre outras, com cinco escolas de ensino fundamental que funcionam em período integral, onde os alunos permanecem oito horas diárias. As bases da proposta pedagógica estão calcadas no sócio-construtivismo, abordagem norteadora que vem sendo discutida em nosso sistema.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais³ (Brasil, 1998):

"Na perspectiva construtivista, a intenção é a construção de conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, e para cada criança a construção desse conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo. Nesta concepção, a aquisição do conhecimento é um processo construído pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando pronto ao nascer, nem sendo adquirido passivamente de acordo com as pressões do meio. Conhecer é sempre uma ação que implica esquemas de assimilação e acomodação num processo de constante reorganização".

O objetivo deste trabalho é mostrar como a cultura corporal vem sendo desenvolvida no âmbito das escolas de período integral.

A estrutura das escolas

A escolas diferenciam-se apenas pelo tamanho, mas são dotadas de salas de aula para aproximadamente 35 alunos, anfiteatro, quadras de esportes, vestiários, brinquedoteca, biblioteca, secretaria, gabinete dentário, laboratório de informática e laboratório de ciências. O ensino fundamental corresponde a faixa etária dos seis aos quatorze anos, sendo subdividido em três ciclos de três anos cada. A rotina da escola começa as 7:00 horas quando os alunos chegam para o café da manhã entrando em sala de aula as 7:30hs com um intervalo no período da manhã e outro a tarde quando, neste momento é servido um lanche. O almoço obedece a um cardápio diversificado. Após o período de aula é proporcionada aos alunos interessados, oficina de teatro e/ou atividades esportivas.

A grade curricular da escola de período integral, está estruturada da seguinte forma:

Núcleo comum: português, matemática, história, geografia, ciências, educação física, arte - educação e língua estrangeira (inglês).
Parte diversificada: oficinas de jogos e brincadeiras, música, expressão corporal, teatro, laboratório, informática, xadrez, lazer e oficina de artes plásticas.

Cultura corporal

O ser humano, desde suas origens, produziu cultura. Sua história é uma história de cultura, na medida em que tudo o que faz está inserido num contexto cultural, produzindo e reproduzindo cultura. O conceito de cultura é entendido como produto da sociedade, da coletividade à qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcendendo-os.

A fragilidade de recursos biológicos fez com que os seres humanos buscassem suprir as insuficiências com criações que tornassem os movimentos mais eficazes, seja por razões "militares", relativas ao domínio e uso de espaço, seja por razões econômicas, que dizem respeito às tecnologias de caça, pesca e agricultura, seja por razões religiosas, que tangem aos rituais e festas ou por razões apenas lúdicas. Derivam daí inúmeros conhecimentos e representações que se transformaram ao longo do tempo, tendo ressignificadas as suas intencionalidades e formas de expressão, e constituem o que se pode chamar de cultura corporal.

Dentre as produções dessa cultura corporal, algumas formas foram incorporadas pela educação física em seus conteúdos: o jogo, o esporte, a dança e a ginástica.

Estes têm em comum a representação corporal, com características lúdicas, de diversas culturas humanas.
Assim, a área de Educação Física contempla múltiplos conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento.

Trata-se, então, de localizar em cada uma dessas manifestações seus benefícios fisiológicos e psicológicos e suas possibilidades de utilização como instrumentos de comunicação, expressão, lazer e cultura. (Parâmetros Curriculares Nacionais - 1997). Nas aulas de educação física os jogos e brincadeiras apresentam certas características como: maior flexibilidade nas regras, adaptações de acordo com o espaço, materiais disponíveis, número de participantes entre outros. Os jogos são classificados em competitivos, cooperativos e recreativos podendo também serem utilizados tanto em festividades e comemorações escolares ou ainda como simples passatempo e diversão.

O esporte dentro das escolas tem por finalidade proporcionar, além de um conhecimento específico das regras, técnicas e táticas, permitir ao aluno a partir da prática, compreender, usufruir, criticar e transformar as formas do jogo, não considerando a eficiência, nem o resultado esportivo, mas sim o processo, o jogo como meio de educação.

A ginástica assume um caráter mais individualizado com finalidades diversas como preparação para outras atividades esportivas, relaxamento, alongamento ou ainda de forma recreativa. Cabe ressaltar que este conteúdo apresenta uma relação privilegiada do conhecimento corporal, trabalhando conceitos de respiração, relaxamento e tensão dos músculos, batimentos cardíacos, articulações entre outros.

As danças, as atividades rítmicas e expressivas tem como características comuns a intenção e a comunicação, mediante gestos e estímulos sonoros como referência para o movimento corporal.

As atividades específicas de teatro e expressão corporal acontecem após o horário normal de aulas, por exigir algumas condições como: silêncio, privacidade e tempo mínimo de duas horas sem interrupções. Em alguns trabalhos interdisciplinares são desenvolvidos textos, pesquisas, esquetes e jogos dramáticos que facilitam o entendimento pelos alunos do tema proposto. As aulas de teatro são divididas em dois momentos: num primeiro momento são feitos aquecimentos físicos, vocais e emocionais. Num segundo momento fazemos uma sequência de improvisações com tema, objetos e/ou situações-problemas em que o aluno busca resolver. Com isso estimulamos a criatividade, a socialização, a espontaneidade e a valorização do individual em benefício do grupo. No final de cada aula é feita uma avaliação do desempenho pessoal e do grupo com relação ao exercício proposto. Cada integrante do grupo expõe e analisa seu próprio desempenho, suas descobertas, seus limites, inseguranças e também avalia o trabalho desenvolvido pelos outros. Este ritual tem contribuído muito para a formação do caráter e da personalidade dos alunos. Segundo J. Majault, "Para a criança, a expressão pelo jogo é um "estado de consciência encantada"; a criança não se deixa iludir por ela, sem no entanto chegar a compreender que, ao assumir diferentes figuras ou situações lúdicas, está a ampliar o campo de seus conhecimentos: cada novo gesto é para ela um novo conhecimento. A criança é um autor e um ator invisível. Ela representa o que é, no mesmo momento, e é o que está representando." ( J.MAJAULT,1958 pp.27-33).

Na proposta sócio-construtivista percebe-se que a cultura corporal enquanto conteúdo desenvolvido nas escolas de período integral é ministrada por especialistas na área de educação física e teatro e tem um papel fundamental, pois é considerada um instrumento pedagógico, um meio de ensino pois enquanto joga, dança, brinca e representa a criança aprende.

Considerações finais

Como principal conseqüência da referida estrutura das escolas somadas a coesão e empenho do grupo, constatamos o surgimento de situações cada vez mais freqüentes de interdisciplinaridade, que está corroborando a participação, o interesse e a iniciativa dos alunos.
Podemos afirmar que as escolas de período integral favorecem o desenvolvimento dos conteúdos de maneira que estes rompam com os objetivos e os sequenciamentos individuais das disciplinas, superando assim o ensino fragmentado.

Pretendemos aprimorar o que já vem sendo desenvolvido no contexto da cultura corporal, debatendo a concepção de lazer e oficinas em relação ao nosso projeto educacional, construir caminhos para a transdisciplinaridade, aumentar o número de aulas semanais de educação física, ampliar a visão dos demais educadores sobre o conceito da dualidade corpo/mente ainda presente na nossa educação, com a intenção de minimizá-lo cada vez mais dentro do processo escolar, enfatizando assim o desenvolvimento global do indivíduo.
Estamos conscientes do grau de complexidade das escolas públicas, mas entendemos que é no ambiente escolar que se forjarão as mudanças necessárias para que o aluno e a comunidade sejam os principais beneficiados.

Os autores, João Francisco Magno Ribas, Andréa S. Elias Dollo, Valéria Maciel Battistuzzi, Débora A. Marchini Bortoletto, Maria Estela Deltrégia Gioia, Elaine Rosaura Juliani, Marydalva A. Nogueira Meneghel, Silvana Zanellato Michelani, Walfredo Soares Nascimento e Eliana P. Silva são da Secretaria de Educacão e Cultura de Americana - S. Paulo

Referências bibliográficas

  •  Darido, Suraya Cristina, Educação Física na Escola: Questões e Reflexões, Araras, SP-Brasil. Ed. Topázio, 999.
  • Freire, João Baptista. Educação de corpo inteiro, teoria e prática da educação física, Campinas, SP, Brasil. Ed. Scipione, 1999.
  • Daólio, Jocimar. Da cultura do corpo, São Paulo, SP, Brasil. Ed. Papirus, 2000.
  • Daólio, Jocimar. Cultura - Educação Física e Futebol. Campinas, SP, Brasil. Ed. da Unicamp, 1997.
  • Ribeiro, Darcy. O Livro dos CIEPs. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Ed. Bloch, 1986.
  • Leenhardt, Pierre. A criança e a expressão dramática. Tradução de Maria Flor M. Simões. Editorial Estampa, 1974.
  • Brikman, Lola. A linguagem do movimento. Tradução de Beatriz A. Cannabrava.São Paulo, SP. Editora Summus, 1989.
  • Parâmetros curriculares  nacionais, PCN. Educação Física. Secretaria de Educação Fundamental, MEC/SEF, Brasília, DF, Brasil, 1997.
  • Carlini, Herb. Revista "10 Anos Ciep Americana". Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Americana, SP, Brasil, dez. 2001.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estastísticas- IBGE - ( on line).Disponível no site www. Ibge.net/home/default - junho de 2002.