A Dança na Escola: Uma Proposta Para a Educação Física Escolar
Por Luciana Santos Collier (Autor).
Em IX EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
O que é dança?
A Dança apesar de sua origem popular e rotineira é considerada Arte, sendo a mais antiga manifestação artística criada pelo homem. No resgate da história da dança constatamos que as manifestações dançadas (rituais e cultos primitivos) antecedem às formas de comunicação verbal, ou seja, em sua evolução, "o ser humano dançou antes de falar. Esta foi sua primeira manifestação social que sempre serviu para auxiliá-lo a afirmar-se como membro da sociedade" (FAHLBUSCH, 1990, p.1 apud BREGOLATO, 1994, p.57).
Partindo da idéia de que os povos primitivos dançavam sem precisar de aulas para isso, e se comunicavam pela dança, é impossível aceitar quando as pessoas, hoje em dia, dizem que não sabem dançar. Todos sabem dançar, muitos não sabem que sabem.
A partir das manifestações dançadas dos povos primitivos, a dança passou por diversas fases originando inúmeras vertentes. Estas diferenciações vão surgindo de acordo com o desenvolvimento histórico cultural dos povos. Isso explica a diversidade de estilos da dança existentes na atualidade. Eles se interpenetram, trocam informações, retrocedem a estilos às vezes esquecidos e vão se multiplicando e se desenvolvendo de forma dinâmica, acompanhando as criações culturais das diferentes sociedades. Segundo Bregolato (1994, p.58 ) "A dança exprime a alma de um povo, as características de sua formação étnica, seus hábitos, as tradições de seus costumes, um ritmo próprio expresso no compasso de suas músicas". Para Fahlbusch (1990 apud BREGOLATO, 1994, p.58) "ela tem mudado assim como a cultura humana, pois a dança é criada por indivíduos que pertencem a meios particulares". A miscigenação dos estilos, possibilitou a diversificação e proliferação da dança; ao mesmo tempo em que a elitizou, na medida em que a desviou da sua essência como manifestação individual, forma de comunicação entre os indivíduos.
Atualmente convivemos com estilos padronizados de dança, divulgados através da mídia, que determina como se deve dançar cada música. Este modelo imposto faz da dança uma atividade inacessível para a grande maioria, limitando a possibilidade de expressão através dela. Se um estilo de dança inibe a movimentação livre, através de "regras" socialmente estabelecidas, a dança morre como arte. Com isso ela vai deixando de fazer parte da vida dos indivíduos e, conseqüentemente, desaparece da aula de Educação Física na escola.
Da realidade a uma proposta concreta de mudança
A dança nas escolas costuma se limitar às festividades, eventos comemorativos e culminâncias. Nestas ocasiões, a professora prepara uma coreografia para as alunas apresentarem, escolhe aquelas que tem a melhor performance e no dia da festa o "show" acontece.
Algumas vezes a música escolhida já remete a uma coreografia pronta, veiculada pela mídia. Esta coreografia é imitada mecanicamente pelas alunas, que pretensamente dançam bem. Desta forma a dança realmente não se enquadra na Educação Física Escolar que pretende ser inclusiva e objetiva a formação do cidadão crítico e autônomo. Outro fator que influi de forma decisiva é o preconceito contra o homem na dança, difundido pela sociedade de forma generalizada. Raramente os meninos participam das apresentações de dança na escola.
Em 2000 quando comecei a trabalhar na E.E.Maria Pereira das Neves as turmas eram de Alfabetização à 4ª série do ensino fundamental e nunca tinham tido aulas de Educação Física. Na época, comecei a ensaiar um grupo de Ginástica Rítmica com alunos de ambos os sexos, a pedido dos meninos, fora do horário das aulas. Atendendo a solicitação dos alunos comecei a incluir alguns movimentos do desporto também nas minhas aulas. Eram basicamente movimentos acrobáticos e malabarismos com os aparelhos, que soavam como desafios. A partir destes desafios eles acabavam criando outros, incluindo movimentos da capoeira, já conhecida deles, vencendo suas próprias limitações e traçando novos objetivos. Além disso, sempre usei muitas atividades musicadas que exploram a expressão corporal e a dança, paralelo aos jogos e brincadeiras populares mais comuns na maioria das aulas.
No final de 2001, passei a trabalhar apenas com as 5ª séries. Dentro destas turmas começam a destoar os alunos vindos de outras escolas que não tiveram dança ou expressão corporal em suas aulas de Educação Física de 1ª à 4ª série. Esta diferença ainda pode ser percebida nos dias atuais. Na medida em que permaneci como única professora de Educação Física nesta escola, alguns alunos foram me acompanhando ano após ano e participando regularmente de vivências, brincadeiras, jogos e experiências que envolvem música, expressão corporal e dança. Outros alunos entram nas turmas no início de cada ano letivo e estranham bastante esta forma de trabalho.
É nítida a resistência inicial em participar das atividades propostas que envolvam a dança, às vezes por medo, vergonha ou preconceito.Vencida a resistência é notória a dificuldade em usar o seu poder criativo, a sua autonomia, capacidade de decisão, fatores desenvolvidos nas atividades que se utilizam da dança. Para Dieckert (1980 apud HASELBACH, 1988 p.5) a dança não deve ser ensinada como disciplina específica, mas como recurso que auxilia na formação da personalidade e desta forma ela não é só um atributo do campo do conhecimento específico, mas faz parte do campo emocional, comunicativo, criativo e cognitivo.
O que diferencia esta proposta de trabalho de outras que também envolvem a dança, é a forma de abordagem. Se começarmos a resgatar a dança enquanto movimento natural do ser humano, estaremos contribuindo para este processo. Dentro desta perspectiva, vale ressaltar que este resgate não é importante somente pelo aspecto de dinamizar ou variar as aulas de Educação Física Escolar. A importância maior reside em suas consideráveis contribuições para a formação do cidadão autônomo, responsável, crítico e com espírito democrático.
São inúmeras as possibilidades de atividades que utilizam a dança, a expressão corporal e a música em seus procedimentos:
Brincadeiras com palmas, batidas de pés ou em diferentes partes do corpo, batidas em instrumentos de percussão (pandeiros, coquinhos, atabaque...) ou alternativos (jornal, plástico, bastões...) com ou sem movimentação paralela, evitando sempre a imposição de ritmos, o que favorece a inibição e dificulta a criatividade.
Movimentação corporal iniciando por partes isoladas do corpo até chegar ao movimento do corpo como um todo.
Caminhada, corrida ou saltitamento, iniciando com movimentos naturais e rotineiros a fim de permitir que os alunos vençam os preconceitos e a inibição pretendendo a evolução desses movimentos.
Brincadeiras como piques, corridas ou jogos que com largada e chegada ou início e fim determinados, utilizando a música como comando ( início e fim). Com isso o aluno acaba começando a dançar sem sentir enquanto está brincando.
Jogos de imitação (pantomina) e mímica simulando objetos, sentimentos ou situações concretas; contando histórias ou a partir de sugestão musical. Sem comunicação verbal, somente pela expressão corporal. Este tipo de atividade pode ou não ter acompanhamento musical.
Organização de seqüências coreográficas com a participação dos alunos respeitando suas limitações.
Movimentação livre com utilização de diferentes tipos de objetos.
As atividades devem ser propostas como tarefas ou desafios, possibilitando a criação individual ou do grupo na solução dos problemas.
Dieckert (ibid.p.5) sugere : " Os estímulos são dados através da apresentação de tarefas para o desdobramento de criatividade e expressão individual." Os movimentos são improvisados, criados na hora individualmente ou em grupo. De acordo com Haselbach (1988, p.7) o ato de improvisar prevê a execução de algo sob condições não planejadas previamente; dando uma forma espontânea e adaptando-se às dificuldades; é o ponto de partida para uma mudança individual ou composição concreta.
A criatividade é o fundamento mais importante desta proposta de trabalho é a forma de conhecermos as idéias do aluno, deixar ele se expressar através dos seus movimentos, é um exercício de cidadania. A partir disto os grupos exercitam o respeito entre seus componentes, a capacidade de organização e escolha que colaboram com a formação do espírito democrático. É importante ressaltar também que a atividade criativa desperta no aluno também o sentimento de propriedade, um orgulho, um carinho por aquele movimento ou seqüência coreográfica que ele ou o grupo criou, não importando a qualidade técnica da mesma. É também uma forma de mostrar que o aluno é capaz de produzir, o que, sem dúvida, eleva a sua auto-estima. Paralelo a isto, é nítida a necessidade de reflexão para a realização destas tarefas. O raciocínio lógico é imprescindível para atrelar o movimento corporal a um ritmo musical ou batida rítmica, e ainda para organizar a movimentação dentro de um determinado espaço. A capacidade de abstração é explorada, pois se faz necessário imaginar "como vai ficar a coreografia?", e a memória também pela necessidade de "guardar" os passos para repeti-los depois. As atividades que envolvem mímica (pantomina) também são ótimos recursos desta proposta de trabalho, pois exercitam a capacidade de comunicação e reflexão criativa para a resolução de problemas.
Conclusão
Esta proposta não pretende defender a utilização da dança como atividade única nas aulas de Educação Física Escolar, até porque isoladamente ela não tem como abarcar todas as necessidades de movimento e reflexão dos alunos. O objetivo é resgatá-la nas aulas e não isolá-la nos eventos comemorativos. Para aqueles que pensam a Educação Física Escolar como disciplina compromissada com a formação do cidadão crítico e autônomo, capaz de criar e se responsabilizar por suas (cri)ações, e principalmente capaz de discutir e reivindicar por melhores condições de vida para si mesmo e para sua comunidade, exercendo seus direitos políticos; esta proposta de trabalho é um excelente exercício a ser vivenciado nas escolas. De forma sutil e prazerosa podemos desenvolver valores e conceitos indispensáveis, porém esquecidos pela sociedade. Citando Nanni (1998, p.129): a criatividade explorada através da dança é de vital importância no processo educacional de transformação do homem, possibilitando a libertação do indivíduo do poder de dominação. Através da dança o homem é capaz de criar, se sensibilizar, se comunicar com seus semelhantes, enfim se humaniza. A dança é portanto um veículo de transformação pela humanização do ser.
É fundamental lembrarmos, já que este encontro pretende discutir a licenciatura, que a não utilização da dança nas aulas de Educação Física é reflexo dos cursos de graduação. Se durante as aulas de dança na faculdade, o trabalho é feito com ênfase na técnica e na performance, através de imitação e repetição, limitando a criatividade e sem valorização do movimento livre e autônomo, o professor jamais terá capacidade de trabalhar de forma criativa a dança com seus alunos. Para Dieckert (ibid.p.5) é de fundamental importância que os professores de Educação Física promovam e cultivem em suas aulas a criatividade e expressão em suas múltiplas possibilidades.
Para que a dança saia dos planejamentos e passe a ser conteúdo presente nas aulas de Educação Física é mister que se modifique a visão que a sociedade tem da mesma. Esta modificação começa na escola com a valorização do movimento natural e criativo que permita a expressão dos seus participantes.
Referências bibliográficas
- Bregolato, R.A. Textos de Educação Física para a sala de aula. 2.ed. Cascavel, Assoeste, 1994.
- Collier, Luciana Santos. A inclusão da Ginástica Rítmica nas aulas de Educação Física do ensino fundamental. Rio de Janeiro: UCAM, 2001.
- Haselbach, B. Dança, Improvisação e movimento: expressão corporal na Educação Física. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1988.
- Nanni, D. Dança Educação: Princípios, Métodos e Técnicas. 2.ed. Rio de Janeiro, Sprint, 1998.