Integra

Entre todos os meus personagens de histórias, desenhos e livros a Poliana nunca foi a minha querida. Claro que na infância eu não tinha a menor ideia do que representava ver a vida de forma ingênua, com um otimismo tolo. Depois de grande fui entender que aquilo significava lidar com a vida de uma maneira menos dolorosa. Depois que me tornei psicóloga compreendi que aquilo era apenas um mecanismo de defesa. E que muita gente se manifesta meio fora da caixinha deliberadamente para tentar sofrer menos. 

Ou seja, um copo com água pela metade pode ser considerado meio vazio. Ou meio cheio. 

Tudo é uma questão de ponto de vista. Ou, melhor ainda, como afirma a teoria dos lados do Menino Maluquinho, de Ziraldo: todo lado tem seu lado/Eu sou o meu próprio lado/e posso viver ao lado/Do seu lado, que era meu.

Não parece fácil o exercício para fugir do binarismo claro e escuro, certo e errado, bom e mau, bem e mal, direita e esquerda, vitória e derrota. Entre esses extremos há tantas possibilidades que costumam fugir dos padrões que não caberiam nesse texto. 

Isso me faz lembrar da disputa de uma eleição em um lugar em que trabalhei. O cenário era trágico em função dos candidatos que se apresentavam. E o argumento “falta de opção” funcionava como uma arma a mirar o crânio dos votantes. O que mais me aterrorizava era ver esse argumento ganhar força à medida que o tempo passava e se aproximava o escrutínio. Sugeri então uma saída não pensada, absolutamente improvável. Era legal e moralmente defensável, muito embora não fosse consensual. E, de opção improvável, tornou-se a candidatura possível, foi vencedora e colaborou de forma oportuna e não oportunista. Na condição de vice exerceu seu papel, sem planejar golpes ou se aproveitar de qualquer vacância do titular para “deixar sua marca para a história”.

Ou seja, jogou com as regras do jogo e com fair play.

Ah, como o esporte ensina valores. E a lição mais importante aprendida nas quadras, campos, piscinas e ginásios, não vem das regras formais, nem do fair play formal ou informal. Vem da derrota. 

Nada como perder para colocar o mundo no seu devido eixo. O trem sobre os trilhos. A corrente na coroa da bicicleta. Mostra que algo deu errado, simples assim. Então, basta analisar para se encontrar o problema, corrigir, refazer a rota e seguir o jogo. Simples assim. Tal como o método científico para quem acredita que a terra é redonda e que vacina protege contra doenças.

Porém, nesse mundo invertido em que vivemos a derrota deixa de ser uma entre tantas possibilidades em uma disputa, fazendo o resultado ser a razão de ser da situação. E o esporte como uma ação pública, socialmente partilhada, ensina que o derrotado deve cumprimentar o vencedor, mesmo sob pranto incontido ou a raiva extrema.

A derrota é o remédio exato, em dose única, para a onipotência do arrogante.

Mais do que nobre, admitir a derrota é pedagógico e produtivo, porque se trabalha sobre os erros cometidos. Pior que isso, é o derrotado incitar a torcida contra o vitorioso. Que coisa lamentável! Desprezível! 

Ou ainda a arbitragem, daí a importância da boa formação dessas pessoas que detêm o poder de finalizar ou prosseguir com o jogo. E a vida já mostrou que para se conhecer bem a índole de alguém basta dar a ela dinheiro, poder e liberdade.

E, como bem diz a teoria dos lados, todo lado tem seu lado. O derrotado quer fazer todos os lados serem o seu, com ou sem torcida.