Integra

Introdução

O interesse pelo tema em questão surgiu a partir de vivências realizadas em escolas municipais e estaduais dos municípios de Vitória, Vila Velha e Serra1, com o intuito de observar como está sendo trabalhada a Educação Física na educação infantil e no ensino fundamental, onde foi constatado que em grande parte as aulas não passam de um simples "jogar bola".

Nos últimos anos tem se discutido muito a respeito da real contribuição da Educação Física para o universo educativo, seus pressupostos metodológicos e suas formas de avaliação. Será a Educação Física uma simples aula para se trabalhar apenas o desporto?
Baseado nisto é que este estudo propõe-se a tentar "quebrar" o mito de que educação física é apenas "jogar bola", utilizando para isso os vários conceitos de ludicidade, tentando a partir daí levantar uma discussão a respeito da educação física enquanto formador de cidadãos críticos, reflexivos e participativos na sociedade.

Os relacionamentos ao longo da vida da criança interferem de maneira diferenciada em cada uma delas, por isso "[...] todo jogo pode ser usado para muitas crianças, mas seu efeito sobre a inteligência será sempre pessoal e impossível de ser generalizado" (ANTUNES, 1998, p. 57), sendo assim, o lúdico possibilita a interação entre os alunos ao mesmo tempo que trabalha a prática educacional individualmente, proporcionando maior interesse e compreensão no desenvolvimento de atividades.

A ludicidade na educação física

Que profissional de Educação Física nunca se deparou com uma turma que queria apenas jogar futebol e queimada? Ou apenas vôlei ? É comum a todos nós a Educação Física ser vista como uma aula de se "jogar bola" (entenda como jogar bola, o desporto), onde o professor é apenas o técnico e/ou arbitro, enfim, uma hora a mais de recreio. Mas será que a Educação Física é apenas isso?

Gallardo (1998), assim como outros autores2 entendem que a Educação Física depende fundamentalmente da concepção de homem, educação e sociedade de quem a utiliza. Nesse sentido, a educação física tem apontado um caráter de humanização ao levar em conta os conhecimentos prévios trazidos pela criança ao chegar a escola, as características educacionais relativas à aprendizagem motora, os aspectos sociopolíticos envolvidos no processo, considerando assim o ser humano como uma totalidade multidimensionada (social, afetiva, cognitiva, cultural e motora).

Baseado nessa visão multidimensionada é que a ludicidade aparece como uma proposta de trabalho que visa a formação e entretenimento do aluno, despertando-o para a reflexão e a consciência de si e do ambiente em que vive. Essa atividade porém, deve ser concebida dentro de uma prática real das relações sociais e não como entidade abstrata e individual.

Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento de atividades lúdicas (jogos e brincadeiras), principalmente aquelas que promovem a criação de situações imaginárias, tem amplas funções pedagógicas. Assim, tanto pela criação da situação imaginária como pela definição de regras especificas, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal3 na criança, levando a comportar-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real, aprendendo a separar objeto e significado, pois a ação está condicionada a ação.

O que faz a criança desenvolver seu poder combinatório não é a aprendizagem da língua ou da forma de raciocinar, mas as oportunidades que têm de brincar com a linguagem e o pensamento. Na ludicidade, na sua construção imaginada e corporificada, a criança vive e representa um amplo número de relações. Suas ações vão e vem incessantemente, da ação ao pensamento, modificando-se em cada trajeto, até que as representações do individuo possam se expressar de forma cada vez mais compreensível no universo social.

Com base nessas inferências podemos dizer que o lúdico enquanto promotor da capacidade e potencialidade da criança, deve ocupar um lugar especial na prática pedagógica, já que proporciona descontração, lazer e entretenimento atrelado ao aprendizado.

Isso não significa porém que devemos excluir o desporto de nossas aulas. O jogar deve ser utilizado como um meio de educar-se para valores (morais, sociais, políticos e de saúde) ou para desenvolver a cognição. Pimentel (2003, p. 26) conclui que:

Conhecer o jogo não é só praticá-lo. É necessário saber sua historia, os valores envolvidos, sua relação com o desenvolvimento motor, cognitivo e orgânico e suas regras. É por fim uma estratégia para desenvolver outros conhecimentos.

A idéia de recriar os jogos a partir do lúdico seria uma forma de se estar trabalhando ambos os conceitos (ludicidade e desporto), objetivando além da variação ou diversidade, a diferença de visões de mundo que o jogo venha a carregar consigo. Tornando o "novo" jogo numa ampliação da consciência, mostrando a interdependência entre as ações desempenhadas pelos alunos.

A experiência lúdica não pode mudar o mundo, mas é provável que possa contribuir para a mudança da consciência de professores e conseqüentemente de seus alunos, a respeito da sociedade que os cercam. Se o jogo possui uma certa autonomia em relação à sociedade, esta autonomia se dá a partir da contradição.

A escola assim como seus profissionais devem desenvolver a reflexão pedagógica do aluno de forma a pensar a realidade social desenvolvendo determinada lógica, e é neste sentido que a Educação Física deveria estar inserida. Para que está prática não venha a se tornar algo maçante é que sugerimos a ludicidade, como uma forma de estar apreendendo a atenção do aluno e assim conseguindo uma maior apreensão do conteúdo. Finalmente "[...] a ludicidade é o riso no e do mundo ‘sério’ [...]" (RETONDAR, 1996, p. 8).

Considerações finais

É preciso referenciar o lúdico na escola enquanto instrumento de aventura, da curiosidade e da alegria. Mas para isso é preciso que o profissional de Educação Física tenha um compromisso político-transformador que permita ao aluno o
[...] crescimento de sua visão de mundo, de sua compreensão da realidade, de abertura intelectual, de desenvolvimento da capacidade de interpretação e de produção do novo (...) Este conhecimento incorporado será capaz de ajuda-lo, não apenas a acumular informações, mas a compreender a sua realidade, a atender e participar na mudança social. (RODRIGUES apud MATOS, 1993, P.69)

Daí o porque de se trabalhar o lúdico e não apenas o desporto. Isso porém não significa dizer que o desporto seja o vilão da Educação Física. A sua má utilização é que vem a prejudicar um maior aproveitamento e valorização das aulas.

Segundo Santos (1997), a ludicidade é a forma mais perfeita de se perceber a criança e estimular o que ela precisa aprender e se desenvolver. Além de poder utilizar o lúdico como um instrumento pedagógico, que venha a favorecer a formação da criança, para que esta possa cumprir seu papel social, e mais tarde de adulto.

A prática consciente, do professor e do aluno, eliminaria de vez a execução dos movimentos mecânicos e repetitivos, transformando-se em uma prática crítica, onde ambos estariam trocando experiências para que juntos possam ter uma visão menos preconceituosa sobre a Educação Física.


A autora, Fernanda Silva dos Santos, é graduanda em educação física pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES

Notas:

¹ Municípios que fazem parte da Grande Vitória, no Estado do Espírito Santo.

² Ver por exemplo: BRUHNS (1992), RETONDAR (1996) e WERNECK (1997).

³ Zona de desenvolvimento proximal é o domínio psicológico em constante transformação, pois seria a capacidade da criança realizar alguma coisa com a ajuda de alguém hoje, e ser capaz de fazer sozinha amanhã. (VYGOTSKY, 1989).

Bibliografia

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