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O que dizer das pessoas que desanimam? A capacidade de enfrentamento das dificuldades varia de pessoa para pessoa. Julgar é sempre muito mais fácil do que compreender as razões que levam um atleta a se superar ou a desistir. Performances públicas geram debates acalorados porque, para quem está de fora, tudo parece simples e fácil. Ganhar um jogo, completar uma prova, subir uma montanha ou correr 42 quilômetros é absolutamente natural para quem não tem que fazer o esforço de quem está na ação.

A vida privada de um atleta envolve solidão, esforço extremo, expectativa de reconhecimento que pode ou não ser satisfeita. Ao público que torce resta o momento da competição, onde tudo precisa dar certo para que o pódio esperado se concretize. Porém, é no processo de preparação que o sonho se materializa ou se torna um pesadelo.

Acompanho com atenção a carreira do maratonista Daniel Chaves. O qualificador
“maratonista” já diz muita coisa. Prova mítica, que tem sua origem associada ao pedido de ajuda dos atenienses aos espartanos diante da invasão persa, teve o desfecho dessa solicitação na morte do soldado Feidípides, que cruzou a planície de Maratona como emissário. São 42,195 km percorridos em espaços públicos, com subidas e descidas sujeitas ao clima do lugar que recebe a prova. Não é desafio para qualquer pessoa.

Daniel é um maratonista que dedica a sua vida a rodar muitos quilômetros todos os dias em busca das condições ideais para o dia da competição. Sua vida é marcada por um episódio de depressão profunda que o levou a quase cometer suicídio e foi justamente a corrida que o fez voltar à vida. Teve o apoio de um amigo para se cuidar e sua reabilitação contou com remédios e a corrida. Quanto mais corria, menos precisava de remédio. Em dezembro de 2018 conseguiu a 18ª colocação na maratona de Valência com 2h13min16s, o melhor tempo de um atleta brasileiro no ano. Classificado para o mundial de Doha em 2019 está em busca do índice para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020 e aguarda, como todos os demais atletas, as convocações para as disputas internacionais.

Essa semana Daniel usou suas redes sociais para um desabafo. Embora tenha feito o índice para o campeonato mundial há mais de seis meses nenhuma convocação oficial foi emitida. Faltando 20 dias para a competição ele foi “sondado” pela Confederação Brasileira de Atletismo para ir a Doha. É importante lembrar que a recuperação de uma maratona não é a mesma de uma corrida de 100 metros, de um jogo de voleibol ou de uma prova de ginástica. Maratonas não são corridas todas as semanas porque levam o corpo ao limite do desgaste.

A chamada periodização de treinamento para uma modalidade como a maratona é feita seguindo rigorosamente um projeto de trabalho que envolve a preparação progressiva do corpo para que ele esteja no pico de seu rendimento máximo no dia da prova. E isso demanda tempo, planejamento e respeito pelo processo. Junto com isso caminha a preparação mental, fundamental para as provas de fundo na qual o diálogo entre o corpo e a cabeça é o grande responsável pelo abandono ou continuidade da competição.

O final da prova mostra ao público não apenas vencedores, mas aqueles que melhor planejaram o treinamento e a prova. Nenhum atleta faz isso sozinho. O resultado de um atleta é a face pública de uma complexa cadeia que envolve talento individual e políticas institucionais. Portanto, não cabe julgamentos, nem rancor sobre aqueles que desistem.