Editora Autores Associados. Brasil 2003. 362 páginas.

Sobre

O livro que neste momento apresentamos é fruto de um esperançoso diálogo. Esperançoso no sentido de desenvolver e aprofundar a cooperação, na área da educação física, entre dois países, Brasil e Argentina, que, além de vizinhos geograficamente, compartilham problemas, desafios e esperanças políticas e históricas. Esperançoso, também, no sentido de, em reunindo esforços, contribuir para desenvolver um pensamento na educação física brasileira e argentina, que impulsione a construção da autonomia das reflexões desta área nestes países. Autonomia, aqui, não significando isolamento, e sim, capacidade de pensar e pensar-se com base em sua radicação geográfica, cultural e histórico-política específica.

O conteúdo deste livro foi gestado por ocasião de um seminário bilateral, reunindo pesquisadores brasileiros e argentinos da área da educação física. A dinâmica do seminário consistiu na eleição de um tema geral, "a identidade da educação física" e de sete subtemas: epistemologia, constituição do campo da educação física, metodologia da pesquisa, formação profissional, cultura escolar e educação física, corporalidade, escola e educação física, parâmetros curriculares nacionais e conteúdos básicos comuns. Foram constituídos pares de pesquisadores, sempre compostos por um(a) brasileiro(a) e um(a) argentino(a), que elaboraram textos sobre suas respectivas temáticas para um primeiro debate. Este ocorreu na Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória(ES), de 23 a 27 de setembro de 2002. Com base nas contribuições deste debate, os pesquisadores retornaram aos seus textos com o objetivo de revisá-los, incorporar as contribuições e submetê-los à nova rodada de discussões, desta feita na Universidade Nacional de La Plata de 25 a 29 de novembro de 2002. Nessa ocasião também, foram elaborados os textos introdutórios aos dois textos individuais de cada subtemática. O resultado de todo esse processo configura o conteúdo deste livro, embora seja preciso dizer que o aqui divulgado não expressa todo o enriquecimento pessoal e profissional e as possibilidades de cooperação abertas com este intercâmbio.

A idéia do seminário surgiu durante o intercâmbio no âmbito da nossa (Valter Bracht e Ricardo Crisorio) recorrente participação nas edições do Congreso Argentino de Educación Física y Ciencia, que o Departamento de Educación Física da Universidade Nacional de La Plata organiza a cada dois anos. Nestes debates, o problema da identidade da educação física colocava-se com freqüência e insistência, ou, dizendo de forma mais pontual e enfaticamente, a sensação de uma crise de identidade de nossa área era uma tônica (um "fantasma") dos debates. Esta situação comum, que muito provavelmente não seja específica desses dois países, nos fez adotá-la como tema geral ou pano de fundo dos debates do seminário.

Embora esta questão possa e deva ser discutida pelo prisma epistemológico (como no capítulo I), entendemos que a questão da identidade da área apresenta-se em suas muitas e outras diferentes dimensões ou práticas. Este critério orientou a escolha das abordagens ou subtemáticas.

Uma perspectiva de análise eleita foi a da constituição do campo da educação física ou a gênese do campo. Observe-se que o termo campo, para quem está familiarizado com as teorias sociológicas, indica uma referência teórica, qual seja, a teoria do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Fernanda Simone Lopes de Paiva e Osvaldo Omar Ron buscam identificar o engendramento das condições de possibilidade da constituição da própria educação física no Brasil e na Argentina, para com isso identificar também as características constitutivas que conformam a sua identidade na sua gênese. A abordagem permite identificar e discutir as disputas no campo em torno da definição de sentidos, o que é extremamente esclarecedor para se compreenderem as características que são vencedoras e que conferem então a "cara" da educação física. Paiva considera, em síntese, que a educação física é o campo do conhecimento produzido para e pela pedagogização e escolarização da "educação física". Esta síntese é então problematizada com base na pergunta pela autonomia do campo, nas suas relações com outros campos. Neste aspecto, a autora analisa as influências externas ou de lógicas que atendiam a interesses externos ao campo, lógicas essas que lhe deram identidade. Osvaldo Omar Ron, por sua vez, analisa, num primeiro momento, três características próprias do campo - escrita, oralidade e circulação de informação -, as formas com que estas se relacionam e suas implicações no campo, num segundo momento, debate em torno das relações entre "saber" e "fazer" na educação física e, logo a seguir, em torno do capital cultural do campo. Finalmente, o texto inclui uma análise quanto à constituição do campo a partir da ginástica como a prática corporal mais antiga, legítima e genuína da educação física.

A legitimação da educação física passa, sem dúvida, pela ciência moderna. A inserção da educação física na comunidade acadêmica levou-a a incorporar as práticas científicas. Desde logo se colocou a pergunta pela especificidade do fazer científico da educação física, na sua relação com as mais diferentes áreas do conhecimento. Existe um fazer científico próprio da área? Alexandre Fernandez Vaz e Carlos Carballo enfrentam esta questão, identificando as dificuldades e os paradoxos com os quais a área se defronta em relação a este problema.

Talvez seja no processo de formação profissional que a questão da identidade da área apresente sua maior agudeza. Marcelo Gustavo Giles, Vicente Molina Neto e Rosane Maria Kreusburg Molina discutem os principais pontos polêmicos da formação profissional em educação física, contextualizando essa formação no plano social e político mais amplo, não descuidando, porém, das especificidades próprias dos dois países.

Dois capítulos são destinados mais especificamente à educação física enquanto prática presente na instituição escolar. Na parte IV, "Educação física, corporalidade e escola", Maria Eugenia Villa e Marcus Aurelio Taborda de Oliveira discutem como e em que medida o corpo e/ou a corporalidade estão presentes no projeto de educação escolar. Maria Eugenia ocupa-se mais com as diferentes abordagens disciplinares sobre a corporalidade identificáveis ao longo da história, e Marcus enfoca a corporalidade a partir da pergunta pela sua potência formativa na escola contemporânea. A preocupação, neste e na parte "Cultura escolar e educação física", é o de identificar o lugar pedagógico e a responsabilidade em relação à corporalidade que a educação física pode e deve assumir em um projeto escolar.

Gabriel Cachorro e Tarcísio Mauro Vago ocupam-se da inserção da educação física naquilo que se chama cultura escolar. Gabriel oferece-nos uma etnografia da cultura escolar, na qual é possível identificar a presença de elementos, temas, comportamentos que dizem respeito direta e indiretamente à educação física. Tarcísio discute o conceito de cultura escolar e propõe que a entendamos como algo vivo e em constante construção, como uma instância criativa e não apenas reativa e que pode, assim, assumir o papel ativo na transformação da cultura mais geral. Assume também o desafio de pensar as contribuições da educação física no trato da cultura que lhe é própria.

Em função das políticas públicas adotadas para a área da educação no Brasil e na Argentina, a área da educação física nos dois países passa pela experiência de desenvolver o que no Brasil foi chamado de Parâmetros Curriculares Nacionais, e na Argentina de Conteúdos Básicos Comuns. Enquanto proposta que contém uma sugestão de como desenvolver a prática pedagógica em educação física nas escolas dos dois países, estes documentos podem ser entendidos como uma síntese propositiva oficial do que deva ser a educação física, portanto da sua identidade. Na parte VII, María Graciela Rodríguez e Francisco Eduardo Caparroz analisam contextualizadamente estes documentos.

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