Integra

INTRODUÇÃO:

Pretendeu-se pesquisar a problemática da Educação Física/saúde na escola, privilegiando aspectos da história da Educação Física brasileira em fins de 1800, período de crise do modelo agrário-comercial exportador dependente e de incentivo à industrialização; de crônica pobreza do Estado, que inviabilizava investimentos em saneamento básico e exigia dos indivíduos a responsabilidade com a saúde pública e privada. E, como solução, os médicos provocaram uma inserção e transformação escolar integrada à transformação mais ampla na sociedade brasileira pela educação, ganhando prestígio sociopolitico. A Educação Física passou a ser considerada e diferentes justificativas de seu objeto de estudo passaram a ser fundadas cientificamente no discurso biológico (possibilidade de produção, reprodução e acumulação de riqueza, centrada no paradigma biológico da reprodução/melhoria eugênica da espécie humana). Investiguei como a Educação Física escolar foi compreendida no processo de formação do Estado Nacional pelas teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Parti da constatação de que o estado da arte da pesquisa em Educação Física no Brasil, relacionada à saúde, revela tendências de aplicação escolar utilizando-se do discurso médico para sua legitimação. A reflexão sobre a ordem médica no Brasil privilegia o discurso orientado para a Educação escolar através da Educação Física, principalmente, ponto ainda pouco aprofundado pela historiografia da área e de alta relevância científica.

METODOLOGIA:

Das 17 teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro analisadas, três foram priorizadas: Da educação physica, intellectual e moral da mocidade do Rio de Janeiro e de sua influencia sobre a saúde - Amaro Ferreira das Neves Armonde - 1874; Educação physica, moral e intellecutual da mocidade do Rio de Janeiro e de sua influencia sobre a saúde - João da Matta Machado - 1874; e Educação physica - Severino de Sá Brito - 1891. Consultamos outras produções (discursos, teses de concurso e periódicos nacionais da época; livros, dissertações e teses atuais) para reconhecer conseqüências sociais da Educação elaborada pelo saber médico e suas relações com a gênese da influência médica nas questões referentes à Educação Física escolar brasileira. O referencial dialético materialista histórico foi escolhido para auxiliar a compreensão do desenvolvimento histórico na escola/sociedade em relação à saúde, no viés dos intelectuais. Adotou-se os seguintes procedimentos: situar o contexto considerando o objeto situado na realidade (as teses foram elaboradas num ambiente sociocultural que exigia a construção de um novo ‘tipo ideal de homem’, sociedade e educação); analisar a questão dos intelectuais, verificando a consolidação das transformações do saber médico relacionado à Educação, Educação Física e Política, esta entendida como a direção assumida e imprimida aos interesses públicos por confrontos e conflitos de posições de classes sociais, sob a responsabilidade do Estado.

RESULTADOS:


Os saberes produzidos ora atacavam a realidade reprodutora do Estado e da Educação hegemônica, ora denunciavam o atraso com o espírito do século e à Educação. E a Educação Física foi convocada e justificada: Armonde e Machado acreditavam que ela não se limita ao físico, já que "a intelligencia se aguça, a sensibilidade regularisa-se, a vontade e mais enérgica"(ARMONDE,1874:19). A "própria natureza indica que a educação physica deve preceder e acompanhar a educação moral e intellectual;(...)tão intima é a dependência das faculdades physicas que o seu desenvolvimento progressivo acompanha em regra geral ao da parte material do homem"(MACHADO,1875:17). Para Brito ela era fundamental à vida e à Política, pois o "desenvolvimento das forças activas e o preparo para a vida cívica e social se faz pela educação physica"(BRITO,1892:14). Este saber elaborado sobre o modelo de ciência historicamente constituído no século XIX pressupõe a apreensão de propostas de poder (Estado, povo, modelos de conhecimento). Cada discurso traduziu uma proposta de intervenção médico/social pretendendo tornar-se estratégia de hegemonia dominante. A Educação Física era direcionada a um público específico: branco, rico, poderoso; o negro (maioria na Corte) foi desconsiderado ou denominado não-humano nestes discursos. A Educação Física proposta fazia parte do projeto de modernidade, estendendo a dicotomia cartesiana da modelação dos corpos/objetos e da desconsideração das condições objetivas de vida.

CONCLUSÕES:

Os discursos sobre a Educação Física revelaram ser tanto modelos de conhecimento sobre a estrutura e o desenvolvimento biológico como propostas de intervenção social reorganizadora corporal (higiene e disciplina) para o tipo de relações sociais ascendentes. A saúde se relacionava ao poder do Estado, ideologias e modelos de conhecimento que viam na desorganização escolar a manutenção, extensão e reprodução das precárias condições de vida. Cada tese traduziu uma proposta de intervenção médico-social na Educação/escola/sociedade, pretendendo tornar-se estratégia de hegemonia dominante, discurso do Estado. O rigor dos discursos sobre saúde/educação fomentou uma política cientifica da Educação Física em que a desigualdade social e a discriminação racial estavam presentes, ressaltando um processo de fetichização das relações humanas. As elites foram o alvo principal destas propostas que, ao tratarem da Educação abordaram as condições conjunturais como solução dos problemas (saúde e caos urbano), não tratando das condições estruturais (geradoras do caos social). Na atualidade permanecem traços de continuidade com esta política que necessitam ser desvelados e modificados. Na sociedade neoliberal, excludente e a caminho da barbárie; e na Educação Física que suprime a cultura corporal historicamente construída (luta de classes) e considera o ser humano um instrumento político de constante remodelação numa relação direta à saúde desconsiderando-se qual saúde e para qual população.