Resumo
Este estudo objetivou compreender as condições de possibilidade para a emergência do “fazer científico” na formação inicial em Educação Física (EF) da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ESEF/UFRGS) e está apoiado na teorização de Michel Foucault (2008, 2007, 1997, 1979) e na análise documental proposta por André Cellard (2012). O processo de composição da empiria se deu ao longo de um ano e sete meses de levantamentos nas instalações da ESEF/UFRGS em busca de documentos referentes ao período foco desse estudo: 1970 a 1990. A materialidade documental resultante deste processo abrangeu livros de atas da ESEF/UFRGS, ata de fundação do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, boletins da Associação dos Especializados em Educação Física e Desportos, depoimentos do Centro de Memória do Esporte, documentos internos e externos à ESEF/UFRGS, entre outros. Adicionalmente foram utilizados como apoio os Catálogos de Cursos de Graduação da UFRGS de 1987 encontrados na Biblioteca Central da UFRGS e o marco regulatório educacional brasileiro disponível on-line. A análise empreendida partiu das formulações de Bracht (2013) sobre os fatores que levaram à incorporação do “fazer científico” pela EF nas décadas de 1970, 1980 e 1990, e do estudo de Mazo (2000a) que revela a contribuição do Laboratório de Pesquisa do Exercício para a mudança do perfil clássico do ensino na ESEF/UFRGS. A análise dos documentos permitiu visualizar um grande esforço pela valorização e pelo reconhecimento da EF para combater o que Bemvenuti (2010, p. 20) denominou de “menos valia” da EF. Foi possível encontrar ressonâncias desse esforço em todas as categorias de análise elencadas neste estudo: mudança do perfil docente provocada pela formação stricto sensu na Europa e nos EUA; elevação do status econômico por meio da valorização das Ciências do Esporte; inserção de disciplinas do “fazer científico” na alteração curricular da Escola em 1987; desvalorização gradativa das disciplinas “práticas”; implantação do mestrado na Escola; resistência dos professores pesquisadores contra o poder médico na ESEF/UFRGS. Todos esses elementos conectados tornaram possível visualizar a emergência do “fazer científico” sob a forma de duas disciplinas no currículo de 1987 da Escola, ponto de culminância de um processo de cientifização da EF que demarca, ao mesmo tempo, a assunção de um modelo técnico-científico e o declínio de um modelo técnico-esportivo. Por fim, a análise permitiu apontar as condições de possibilidade para a emergência de algo muito peculiar: um “fazer científico” assentado em uma racionalidade biomédica-desportiva, “arma” potente na luta pela mudança da imagem do professor de EF “prático” e “acrítico” para o status de professor-pesquisador.