A Escola e a Educação Gerontológica
Por Silvio de Cássio Costa Telles (Autor).
Em VII EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
É notório em todo o mundo o crescimento demográfico da população de idosos. Estimativas comprovam que os gráficos populacionais, que antes eram piramidais, caminham para um formato retangular (Hamilton, 2002). Cada vez mais pessoas atingem o topo do gráfico populacional devido principalmente aos avanços tecnológicos e à queda da mortalidade infantil, que reduzia em muito a expectativa de vida, principalmente nos países em processo de industrialização. Segundo Ian Hamilton (ibid) em 2040 o percentual de pessoas ativas (ou seja, em idade de trabalho) em relação ao de inativas (aposentados) será de 3 para um , o que atualmente nos países industrializados é de 5 para 1.
Tal evolução demográfica de idosos vem mudando o perfil da população mundial. Países que antes se caracterizavam como jovens, irão presenciar a transição de sua população para a idade idosa.
No Brasil, a situação não é diferente: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 1992 a 2000 a população de 60 anos ou mais de idade aumentou em 3 milhões de pessoas, chegando a 14,5 milhões de idosos (BRASIL. IBGE. 2002), o que constata o envelhecimento do povo brasileiro, fruto de vários fatores, como a participação da medicina na prevenção, tratamento e controle das doenças, a melhoria das condições sociais, políticas e econômicas, e a preocupação com a adoção de um estilo de vida saudável.
Dessa forma, a demanda por serviços crescerá tanto no campo da atenção à pessoa idosa, quanto nos aspectos sociais envolvidos (Faria Junior, 1999).
A forma como encaramos a idade idosa, vem se modificando com o passar dos anos. Possivelmente, tais modificações sobre os idosos, são resultantes de transformações sociais que ainda estariam em pleno processo, e acreditamos ainda, estar longe de atingirem um estado de desaceleração.
Apesar dos números estatísticos, muitos campos profissionais, como o da educação, não têm considerado prioritários programas e serviços voltados para as pessoas idosas. Por isso, acreditamos que os programas de atenção ao idoso, na perspectiva de uma educação gerontológica, ainda não têm apresentado desenvolvimento satisfatório. Entretanto, a educação teria uma contribuição mais abrangente na perspectiva da prevenção de muitos problemas comuns aos idosos.
Como percebemos, no parágrafo supra citado, mudanças conceituais se fazem imperiosas para que não venhamos a nos deparar com um caos social deflagrado pelo despreparo da sociedade em compreender as novas tendências populacionais.
Isto posto, o objetivo do trabalho consiste em propor uma ação da escola, que seria importante para atingir uma consciência em prol dos idosos que, como já vimos, serão em número significativo nas décadas que estão por vir.
Dessa forma, uma escola voltada para questões sobre e para o envelhecimento desenvolveria um modelo participativo, sustentado não somente por informações, mas também por ações visando a segurança da criança, do jovem, do adulto e do idoso.
Leis como a 8842/94, que dispõe sobre a política nacional do idoso e que se refere a ações governamentais na área da saúde, tais como: "prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas, ratificam uma ação educacional oriunda da instituição escolar, local propício para disseminação de ações profiláticas. Ações nesse sentido poderiam minimizar situações presentes em nosso cotidiano , quando nos deparamos com os idosos sem noções básicas de higiene pessoal, salubridade ambiental e segurança do trabalho (para os que ainda estão inseridos no mercado de trabalho), porque nunca haviam sido antes alertados para tais problemas. O ideal seria que as escolas também fornecessem este tipo de informação e desencadeassem uma série de mudanças de comportamento no sentido de promover a autoproteção nas diversas situações de risco que a vida lhes pudesse oferecer em todas as faixas etárias
Assim, o processo educacional deve ser apoiado em bases sólidas, abrangentes e voltadas para a construção da cidadania, para um aumento da qualidade de vida e conseqüente, para a promoção da saúde. Cabe neste contexto, esclarecer que entendemos como promoção da saúde qualquer intervenção deliberada que buscasse promover a saúde e prevenir doenças incapacitantes (Faria Junior, 2000).
Como já vimos anteriormente, o crescimento da população idosa é um fato, e implicará em mudanças significativas na sociedade.
Mudanças no sistema previdenciário são, a todo momento, levadas à discussão e já transitam no âmbito político desencadeando transformações na formas de contribuição, possivelmente criando , modificando ou aumentando impostos, causando descontentamento de muitos, o que pode ocasionar um ostracismo social em relação ao idosos.
Tal situação já foi discutida no artigo apresentado no V Seminário internacional sobe Atividades Físicas para a Terceira Idade (2002), no artigo "Conhecimentos sobre envelhecimento e escolhas de um grupo de crianças em aula de educação física". Neste artigo os autores comentam a questão do "ageism" que seria: "Um termo ainda sem correspondente na língua portuguesa, mas que pode ser entendido como um processo sistemático de elaboração de esteriótipos, preconceitos e discriminações com base na idade das pessoas, da mesma forma que os termos racismo e sexismo" ( op.cit ,2002 )
Assim, Faria Junior (ibid) afirma que as diferenças entre jovens e idosos são socialmente construídas, e não são necessariamente redutíveis a causas biológicas.
No trabalho já citado foi realizado um estudo com crianças de 10 e 12 anos (23 crianças) da 4ª série do ensino fundamental da rede municipal de ensino com o objetivo de identificar algumas impressões sobre os idosos tais como, identificação do idoso, envelhecimento, ageism, dentre outras.
Nas conclusões, as crianças entrevistadas souberam distinguir adolescente de adultos e idosos, foi identificada a construção da idéia do que é ser idoso em alguns entrevistados e outros perceberam envelhecimento como algo ruim, acarretando transformações negativas. O ageism foi identificado no campo da prática desportiva, pois nenhuma criança escolheu, dentre as fotos apresentadas, o idoso como companheiro para a prática.
Na tentativa de identificar se tais afirmações atingem outras séries do ensino fundamental, o que ajudaria a corroborar com uma maior necessidade de uma intervenção da escola na conscientização de uma educação gerontológica, já que tal construção não estaria se diluindo com o passar dos anos, o que seria possível com a influencia escolar em séries superiores do ensino. Portanto, realizamos uma pesquisa com pré-adolescentes e adolescentes da rede estadual do Rio de Janeiro num bairro da Baixada Fluminense, com alunos de 12 a 16 anos matriculados na 6ª e 8ª séries.
Foram entrevistados 28 alunos: na 6 ª série as entrevistas foram feitas com 08 pessoas do sexo feminino e 07 do sexo masculino, e na 8ª série com 07 pessoas do sexo feminino e 06 do sexo masculino.
Foi feito um questionário com seis perguntas em entrevistas semi- estruturadas durante as aulas de educação física. As respostas foram gravadas tendo-se o cuidado de registrar o nome, idade e série.
Não percebemos diferenças significativas nas respostas com relação à série, onde esperávamos um maior discernimento na turma mais adiantada. Possivelmente tal fato se deu devido à faixa etária específica dessa turma de 6ª série ser próxima da 8ª série.
Quando perguntados sobre em que idade para eles uma pessoa era considerada idosa, apenas 5% disseram idades inferiores a 60 anos. É importante ressaltar que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, é considerada idosa a pessoa com 60 anos ou mais de idade. Essa pergunta visou perceber a partir de que momento cronológico eles começam a identificar um idoso. Sabemos que a idade isoladamente causa inúmeras distorções, porém é um dado a se considerar. Se levarmos em consideração outras épocas, como, por exemplo, o início do século 20, uma pessoa de 30 anos, no caso das mulheres, já era considerada idosa. Tal afirmação ajuda a apontar a transformação demográfica que vivemos.
Quando perguntados sobre qual seria a própria imagem ao chegarem à idade idosa, dentre outras respostas, muitos afirmavam que não conseguiam se imaginar idosos (22%). Já 36% tinham uma visão negativa de sua velhice (pessoas que sentem dores, que ficam sem fazer nada, que são inúteis, etc) e apenas 14% tinham uma visão positiva da própria velhice.
Ao serem perguntados sobre as vantagens e desvantagens do envelhecimento, com relação ao primeiro item 20% não viam nenhuma vantagem, 32% atrelavam as vantagens a fatores econômicos (não pagar passagem, aposentadoria, receber sem trabalhar), e 14 % viam na experiência de vida outro fator positivo. A desvantagem mais citada, com 46% foi a questão do preconceito. Segundo os entrevistados os idosos são mal tratados, desrespeitados e desvalorizados. Outros 20% alegaram os sintomas da velhice (dores, doenças), e 20% disseram que não gostariam de envelhecer, pois os idosos não servem para nada.
Duas perguntas foram feitas para tentar identificar o que eles achavam que uma pessoa deveria fazer para viver mais. Várias "dicas" foram dadas sendo que dentre elas 61% versavam sobre fazer alguma atividade física (caminhar, praticar esportes, etc), 36 % falaram sobre a questão da alimentação (balanceada, sem gordura, frutas, legumes, etc). Quando perguntados sobre o que os idosos deveriam fazer para viver ainda mais, o percentual sobre a prática de atividades físicas caiu e chegou a 31%. Surgiram diversas respostas, como evitar o tabagismo (3%), stress (3%), ser feliz (11%), não fazer nada (7%), ir ao médico (21%) e não sabiam responder (7%), dentre outras.
Com isso, percebemos que a maioria das preocupações que deveriam surgir já na idade adulta, só suscitam preocupação na terceira idade, onde muitas vezes o organismo já se encontra comprometido, enquanto as ações profiláticas já poderiam ter atuado.
Os dados acima ajudam a evidenciar que possivelmente o ensino fundamental não esteja atenuando as construções criadas pela sociedade, que discriminam e introduzem o preconceito contra o idoso (ageism). Essa situação poderia começar a ser redirecionada com a introdução de disciplinas e/ou temas transversais (sugeridos nos Parâmetros Curriculares Nacionais) eficazes, que discutiriam o tema idoso e sociedade no âmbito escolar.
Propusemos alguns pontos que poderiam ser abordados em sala de aula com o intuito da disseminação de uma educação gerontológica voltada para a conscientização da questão do idoso.
Temas
-Prática de atividades físicas, importância do idoso, formas de envelhecimento (hábitos, costumes, envelhecimento ativo),conseqüências do envelhecimento;
-A morte como uma ordem natural da vida;
- Prevenção de acidentes: informações que irão ajudar a criança a ter atitudes preventivas e seguras no meio em que vive em todas as faixas etárias;
- Visão da sociedade sobre o idoso;
- A importância da escola considerar as especificidades da educação dos idosos.
Os autores, Prof. Ms. Silvio Telles é da UGF e a Profa. Kristine Wagner de Souza é mestranda em Educação na UERJ
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